Artigos

por Paulo Hayashi Jr.

 

Abundância e caridade


A caridade é uma palavra simples e complexa ao mesmo tempo. De diferentes matizes e entendimentos, fazer caridade é uma maneira de desenvolver o potencial, de realizar entregas e de melhorar, a si, os outros e o mundo a cada dia.

A palavra tem origem no latim caritas e transmite a relação de sentimento, amor ou afeto, mas que, por outro lado, também se conecta com a palavra grega cháris, graça ou até mesmo caro ou que tem seu valor.  É o amor incondicional da graça e que tem sua presença e valor. Mas, o que seria mesmo a caridade?

Na literatura grega há a distinção entre três tipos de amor: Eros, Philia e Ágape. O primeiro representa o amor romântico, carnal e objeto de desejo. Por Eros, há o desejo sexual da carne e da matéria, necessária para a manutenção da vida reprodutiva, mas que não exaure o tema. Em Eros há também o risco de perder-se na paixão e se desequilibrar na vida.

Já Philia, o amor fraterno, presente entre irmãos, amigos e almas com afinidades. A palavra filósofo ou amigo do conhecimento retrata uma dessas configurações. Philia é o amor interpessoal e que pode ser focado em determinados temas ou interesses. Assim, pode tratar de interesses materiais ou terrenos, mas que auxilia na construção dos relacionamentos e da amizade.

Por último, Ágape é o amor divino, puro e sublime. Por ele há o amor incondicional, desinteressado e naturalmente bom. No hebraico, o correspondente de Ágape é Ahava e simboliza o amor de doação ou compartilhamento, tal como o dividir dos pães em uma mesa ou o repartir de pratos em um banquete, onde todos se beneficiam. Ahava retrata tanto uma mescla do comportamento individual frente à coletividade, quanto da coletividade e sua expansão. É ultrapassar a mera questão da etiqueta social ou da moral em se portar com dignidade diante de autoridades e irmãos. Ou seja, de se contentar internamente em benefício do próximo e da tendência afirmativa e progressiva de expansão. O ganho do outro representa vitória para mim também. É deixar de lado a inveja, o egoísmo e o orgulho, bem como de proporcionar a condição do “ganha-ganha”. Ou seja, todos ganham e participam da mesa do banquete da família universal. Somos todos filhos de um mesmo Pai bondoso e com generosidades suficientes para dar créditos e oportunidades mesmo aos filhos mais endividados. A caridade nos aproxima então de Deus e de sua graça.

Além disso, a caridade é um enriquecimento tanto externo, quanto interno do ser e dos outros. Todavia, apenas uma condição de abundância permite tal desenrolamento. A plenitude ou riqueza não se restringe ao material, apesar de que as condições materiais de encarnação podem influenciar, ainda que não determine a execução da distribuição e da caridade. Condicionar a bondade ou maldade do indivíduo pela sua condição material é simplesmente descartar o espírito e o avanço moral do ser sobre a matéria. Assim como há provações para os que buscam trilhar o caminho da pobreza material, também há para os que trilham a riqueza material. E, em ambos os casos, há desafios e conquistas, problemas de superação do passado e avanços no futuro. Em outras palavras, resgates quando bem executados e dívidas quando há as derrocadas.

Para certos espíritos que buscam provas específicas, as riquezas materiais, fama e poder podem representar legítimos obstáculos, assim como também as situações de penúria. Assim, se o óbolo da viúva é meritório, também o é aquele que vem como legítimos Arjunas e Sakyamunis. Para sermos perfeitos, precisamos passar por todas as situações e vencermos as provações fáceis e difíceis, tal como alunado que, para se formar, não pode pular séries.

Todavia, além da caridade e distribuição material, também é relevante destacar outros tipos de abundância e distribuição. É fundamental distribuir aos semelhantes o amor e tantas outras virtudes que edificam o bem-estar na terra. Apenas aqueles que têm em abundância as virtudes e sentimentos conseguem passar pelos testes sem pestanejar e a inspirar outros para que sigam o mesmo caminho. 

Por exemplo, a paciência, a tolerância e o equilíbrio pessoal são formas de fazer caridade para com irmãos em situações conflituosas. A paciência é a caridade de quem abunda em paz, experiência e em consideração com o próximo. Ser alguém com caridade no tempo e tirar momentos para servir ao próximo é ter a consideração em não estragar o momento.  O essencial é aproveitar toda chance e oportunidade para a educação e a transmissão de exemplo e inspiração para a independência futura.

Já a tolerância como a caridade dos que buscam compreender o caminho alheio, sem estragar sonhos e momentos. É fundamental que se tenha uma postura respeitosa. Tolerar diferenças e perspectivas não significa aceitar o errado, mas de perceber que há diversos caminhos e estratégias para se chegar no resultado designado. Não raro, o caminho das sutilezas gera impactos melhores do que abordagens diretas e conflituosas.

Por sua vez, o equilíbrio é a caridade de evitar que conflitos simples se tornem maiores. Ou em dito popular: “quando um não quer, dois não brigam”. Por meio do equilíbrio há a caridade das virtudes do bom senso e da capacidade de buscar os caminhos corretos mesmo apesar das dificuldades. É a moderação e a temperança que dão gosto às relações humanas.

Deste modo, a caridade vem como o caminho da abundância e plenitude, pois apenas quem possui pode dar, como também, ao se oferecer, há a multiplicação dos benefícios, tal como na famosa passagem das bem-aventuranças. Quando se multiplicam a caridade há o bem coletivo maior, que ultrapassa a mera satisfação pessoal ou condição menor. Todavia, não se deve limitar a caridade aos meios materiais, pelo contrário. O altruísmo beneficia a coletividade e os indivíduos que se coadunam como legítimo corpo maior. É a pavimentação não da luz pessoal, mas de autêntico jardim e floresta de luz em busca da unidade de Deus.

Quando a humanidade perceber o potencial da caridade, às brigas e conflitos mesquinhos darão passagem para ganhos superiores. Apenas quando toda a Terra for legítima floresta de luz poderemos brilhar como Sol para todo o Universo. Somos luz e sal do universo[1], cabe apenas a operacionalização do grande banquete para saciarmos o amor e o progresso de todos.

Apenas assim, prestando as graças, as fontes de abundância e riqueza jamais secarão. Ou conforme as palavras do salmista: “Aquele que oferece o sacrifício de louvor me glorificará; e àquele que bem ordena o seu caminho eu mostrarei a salvação de Deus.” (Salmos 50:23) [2]

 

 


[1] Mateus 5:13-14.
 

[2] Em homenagem aos meus queridos e
zelosos genitores, Paulo Hayashi e Ioko Ikefuti Hayashi, que já se encontram na pátria espiritual.



 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita