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por Vladimir Alexei

 

A decrepitude política como forma de poder: há esperança!


Por diversas vezes um pensamento doutrinário divergente do corrente – em que os luzeiros de luzes emprestadas se sentem incomodados, causa espécie e antes que o leitor avance, diria tratar-se o presente artigo de uma reflexão política, apartidária e que talvez o resultado incomode mais do que lhe é de costume, caso seja um leitor visceral. Por ser um terreno árido, tratado com paixão e pouca racionalidade, busca-se com as reflexões abaixo um entendimento do que está em jogo, respeitando profundamente as reflexões contrárias e as predisposições políticas de cada um.

Para avançarmos, no entanto, cabe deixar claro que as ideias expostas são pessoais, ainda que pautadas no pensamento daqueles que nos antecederam no âmbito doutrinário e fora da doutrina.

Ainda no esclarecimento, o que menos se busca no artigo é o rótulo ou a definição perfeita, intransigente e, por isso, inquestionável. Pelo contrário: é uma reflexão simples, em tema complexo, sem pretensão de esgotar o assunto e que pode ser utilizada para o desenvolvimento mais amadurecido do tema.

Como ponto de partida, Arthur Conan Doyle, na obra A Nova Revelação, segundo Freitas Nobre (já que na tradução da Federação Espírita Brasileira, em sua 7ª edição, “revista e atualizada” não se encontrou a expressão ipsis litteris, pode ser por causa da tradução...), afirma que “o homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se as mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.”

Por socialismo idealista é possível compreender, no pensamento de Léon Denis, a profundidade da proposta em que se vincula o Espiritismo: “Socialismo e Espiritismo estão unidos por laços estreitos, visto que um oferece ao outro o que lhe falta a mais, isto é, o elemento de sabedoria, de justiça, de ponderação, as altas verdades e o nobre ideal sem o qual corre ele o risco de permanecer impotente ou de mergulhar na escuridão da anarquia. (...) o Socialismo poderá tornar-se uma das alavancas que levará a humanidade para destinos melhores.”

O que o Espiritismo, assim como Cristianismo do Cristo, preconiza, é a construção de uma sociedade mais justa. Para que essa sociedade seja justa, há necessidade de se construir bases sociais que permitam ao ser humano um mínimo de dignidade para sobreviver, acima da condição de miséria absoluta como se vê em partes cada vez maiores do território brasileiro e em outros países (desenvolvidos ou subdesenvolvidos).

A justiça social não exime o indivíduo de seus compromissos reencarnatórios, no entanto, seria o direcionamento mais adequado para aquelas lideranças que estão em harmonia com as leis universais, em franco combate ao egoísmo, produzindo riquezas, desenvolvendo a sociedade e permitindo que outros tenham acesso ao seu próprio desenvolvimento por meio de trabalho digno para sustento próprio e da família.

Essa justiça social é fruto da mentalidade espírita. Segundo Deolindo Amorim, a mentalidade espírita é aquela obtida por quem estuda e compreende a doutrina, aceitando de forma consciente os princípios e as responsabilidades dela decorrentes. A mentalidade espírita não é a de quem acredita pura e simplesmente em algo que incentiva e valoriza o egoísmo, sobretudo quando favorece a si mesmo. “Conhece-se o verdadeiro espírita por sua transformação moral...”, já dizia Allan Kardec. Ora, compreender o cenário político atual deveria ser um exercício de mentalidade espírita a depositar nas urnas da próxima eleição, seu poder de transformar aquilo que não é mais possível aceitar sem um mínimo de comiseração.

Todavia, a despeito das campanhas de fake news, na hora de votar os argumentos são os mais estapafúrdios possíveis: “meu voto é contra a corrupção”. Neste caso, entenda-se, “meu voto é contra a corrupção do outro, já que do meu candidato eu aceito”. No final voltaremos a essa celeuma.

Antes, porém, cabe explorar um pouco mais os males vigentes na sociedade e que o cidadão comum, com poder de voto, é capaz de ajudar a mudar.

Albert Einstein, uma das mentes mais brilhantes que já passaram pela Terra, disse que o “egoísmo e a concorrência continuam infelizmente mais poderosos do que o interesse de todos ou que o senso de dever”. A cooperação é, talvez, um caminho mais justo e que apresente maiores oportunidades sem perda para os talentos individuais, com produções específicas em ritmos diferentes. Portanto, combater o egoísmo não é apenas uma ação do Espiritismo, é algo percebido por mentes mais preparadas, educadas e que analisam em mais profundidade os problemas humanos.

Embora o assunto seja repleto de variáveis que influenciam a tomada de decisão na hora da escolha de um candidato, como bem disse Einstein, pensando no “interesse de todos”, não há sombra de dúvidas de que a prática do Espiritismo pode ser uma alavanca que impulsionará para o Socialismo ideal.

Para criticar ou defender o Socialismo, utilizam-se de autores materialistas, como Karl Marx, evidenciando a vida do autor de O Capital, que desencarnou na miséria, como se a miséria material caracterizasse sua condição espiritual. Novamente há necessidade de pensar o tópico com uma mentalidade espírita, que compreende os desafios de uma reencarnação como sendo necessários para expiar ou até mesmo para provar seus valores e conquistas de outras vidas. Uma ideia que confronta o sistema vigente tende a fracassar, se analisada apenas sob o ponto de vista material, presente. Por isso a necessidade de maturidade na compreensão dos desígnios superiores de um processo reencarnatório, visando o bem de todos em um horizonte ao longo do tempo.

Somente o progresso moral pode assegurar aos homens a felicidade na Terra, refreando as paixões más; somente esse progresso pode fazer que entre os homens reinem a concórdia, a paz, a fraternidade. (...) O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade.”, disse Kardec em A Gênese. A dificuldade material por que passa um indivíduo na vida presente pode ter como causa os abusos de vidas passadas, cometidos por maldade e também por ignorância. O processo é educativo e não punitivo como fazem crer. Se assim não fosse, Chico Xavier teria sido um profundo devedor porque viveu uma encarnação inteira com o suor do seu trabalho, com o dinheiro contado, sem recursos excedentes. Gabriel Delanne, nascido em berço espírita, engenheiro de profissão, com um futuro brilhante pela frente, ouviu de um Espírito Superior que não seria rico, mas que teria o necessário e foi o suficiente para legar-nos obras lúcidas e importantes.

O professor Celso Martins, escritor consagrado no meio espírita, com mais de 100 obras escritas e organizadas, encontra-se, desde 2016, após o desencarne de sua companheira por mais de 40 anos, ocupando aposentos modestos em uma Clínica de Repouso (apelo fraterno).(1) Dono de um currículo extenso e obras dignas, sua condição financeira não define sua envergadura espiritual. O espírita deveria ter vergonha em pensar que as conquistas materiais onde predomina o egoísmo, os títulos transitórios e a condição social também transitória, definem a evolução espiritual do reencarnado. Os exemplos se arrastam aos montes.

Socialismo ideal, como processo progressivo, inicia com os recursos que se tem na atualidade. No prefácio brilhante de Freitas Nobre, na obra de Leon Denis (Socialismo e Espiritismo), faz citação a um discurso de Jean Leon Jaurés, político socialista francês, defensor de uma revolução social democrática e não violenta, que vale a pena reproduzir: “Coragem é ir ao ideal e compreender o real... É procurar a verdade e dizê-la; é não seguir a lei da mentira triunfante, e não fazer da nossa alma, da nossa boca e das nossas mãos, eco dos aplausos imbecis e dos gritos fanáticos.”

Assim, voltamos ao ponto do combate a corrupção que deixamos em aberto. O combate do espírita é ao egoísmo, ainda que, e principalmente por isso, vivamos em um planeta de provas e expiações. O combate do espírita é pela democracia e não violência. O combate do espírita é a favor da lucidez e do esclarecimento, ainda que essa prática fira os interesses pessoais (egoístas). Há, nos dizeres de Manuel Castells, uma crise de “legitimidade política”. Aqueles que são os representantes do povo, não representam os valores preconizados pelo Espiritismo e nem do Cristianismo do Cristo (não é redundante: é proposital. Cristianismo das religiões e o cristianismo usado pelos políticos é diferente do Cristianismo do Cristo).

A maneira, portanto, mais adequada de mudar esse cenário (legitimidade política) é pelo voto consciente. Vote, exerça sua cidadania, e analise, com lucidez, as propostas que mais se aproximam ou ainda que mais permitem seja desenvolvido uma sociedade justa, que combata o egoísmo cada vez mais poderoso, com conquistas sociais relevantes na Educação, Arte, Ciências, terrenos tratados como não prioridade em governos liberais, que estimulam o ajuntamento material egoísta, o abismo social, a desigualdade, a ausência de projetos que pensem nos problemas do todo social. E, talvez, o mais importante, continue vigilante durante a gestão, acompanhando, participando, de forma não violenta, do cumprimento dos projetos apresentados na campanha. Desta forma, auxilia-se na oxigenação do sistema carbonizado pelo egoísmo.

Ainda assim, se você não se convenceu de que esse seja o caminho, faça um favor à democracia, não diga que seu voto é em combate a corrupção, porque se fosse, você não estaria satisfeito com a corrupção em um governo que você ajudou a eleger. É tempo de mudar. Comece a mudança por aí: entendendo seu voto. Há esperança!

 

(1) Cinco anos após sua internação em uma Clínica de Repouso, nosso saudoso colega Celso Martins desencarnou no dia 2 de agosto de 2021, em Niterói-RJ. (Nota da Redação)

 

 

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita