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por Martha Triandafelides Capelotto

 

Agradar a gregos e troianos


Hammed, autor espiritual de várias obras importantes, destaca em "La Fontaine e o Comportamento Humano", em se referindo ao título acima, que "A gênese do insucesso é a atitude de querer agradar a todos". Essa postura mental resulta da crença fundamentada na perfeição e pode levar-nos diretamente à decepção, à adversidade e ao revés."

Se tivéssemos espaço, narraria na íntegra a fantástica fábula do "O Moleiro, o Menino e o Burro", mas sintetizo parte dela: Um Moleiro e um menino se dirigem ao mercado para tentar vender um burro e, ao longo do caminho, em razão dos comentários que iam ouvindo, iam alternando as posições: ora o moleiro em cima do animal; ora o menino; ora os dois sendo carregados pelo burro; ora os dois puxando o animal, tentando acertar de acordo com cada comentário ouvido. Como não conseguiam acertar diante de cada opinião, acabou o moleiro dizendo:  Certamente, como um burro eu agi, mas daqui para a frente farei como achar bom, sem escutar ninguém.

Assim, querer agradar a todos é algo irrealizável, já que os paradigmas são moldados por sua vez, em condutas perfeitas e padrões impecáveis, criados por pontos de vista diferentes, juízos relativos e às mais diversas controvérsias. Trocando em miúdos, sujeitar os outros às suas verdades, às suas opiniões, fazendo parecer que tudo o que externam traduz-se em algo a ser observado por todos.

É bem verdade que precisamos ser acolhidos pelo calor humano, pela estima das pessoas, mas daí, a passarmos várias horas do dia preocupados com a aprovação ou reprovação alheias, é submetermo-nos a um processo doentio de viver. Quando percebermos que a dualidade existe, ou seja, a ordem e a desordem, a construção e a destruição, harmonia e desarmonia, convivem juntas, podemos ser amados ou odiados, aceitos ou rejeitados, compreendidos ou incompreendidos, e por essa razão, gozaremos de uma maior leveza quanto a não nos preocuparmos em acertarmos sempre ou satisfazer a todos.

Agradar a gregos e a troianos ao mesmo tempo é tarefa impossível.

A fábula ilustra um preceito que demonstra a necessidade de acreditarmos em nosso julgamento interno, e que, independentemente do que fizermos, sempre haverá alguém que discordará de nossas ações ou das nossas condutas, do mesmo modo que podemos aprovar ou não as ideias alheias, significando tão somente, respeitar e aceitar a alteridade, a distinção que há e sempre haverá nos relacionamentos interpessoais.

Em termos espiritualistas, também se aplica essa fábula, como podemos depreender, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 13, item 3, Boa Nova Editora:"É preciso, numa palavra, colocar-se acima da Humanidade, para renunciar à satisfação que proporciona o testemunho dos homens e esperar a aprovação de Deus. Aquele que estima a aprovação dos homens mais do que a de Deus prova que tem mais fé nos homens do que em Deus".

Desse modo, acertar ou errar, sucesso ou insucesso, agradar ou desagradar, pouco importa, o relevante é estarmos na luta, enfrentando os embates da vida rumo à nossa melhora espiritual, moral e ética.

Como sempre, lembrar: estamos a caminho, desenvolvendo paulatinamente o nosso discernimento em busca de uma coerência existencial, ou seja, a habilidade de distinguir os valores éticos e estéticos para formar uma opinião pessoal não influenciada pela razão comum. É a capacidade de não adotar como verdade absoluta o ponto de vista da maioria, e sim, construir o próprio pensamento sobre as coisas através da reflexão e avaliação de evidências.   

Concluímos com a moral da história: "Não se pode agradar a todos, mas uma coisa é certa: ao tomarmos decisões, ou recuamos diante da crítica e começamos tudo de novo, ou desobrigamo-nos abertamente da aprovação alheia e seguimos em frente, compreenda quem quiser compreender, doa a quem doer. É impossível contentar a todos. Se fizermos ou deixarmos de fazer, sempre existirá alguém que fará uso da ironia e de expressões de duplo sentido, ou seja, utilizará as "cantigas de escárnio e maldizer" (gênero de poesia da idade média), cujo objeto da sátira será sempre a pessoa que se queira difamar.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita