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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

Abnegação


Adamastor chegava todo dia ao colégio em que era o supervisor pedagógico bem cedo. Começou a notar que sempre que chegava, em frente ao prédio da direção, postava-se sentado um senhor, que ficava mexendo tranquilamente no seu aparelho celular. E dia a dia, lá estava aquela pessoa, sentada naquela cadeira desconfortável de um dos pátios da escola, sereno, mas ao mesmo tempo, intrigante.

Sem conter a sua curiosidade, após uma semana, perguntou reservadamente ao segurança do colégio quem seria aquele senhor que já cedo estava ali sentado, cumprindo expediente em condições tão desconfortáveis. Seria um representante comercial, ou mesmo alguém da fiscalização governamental? Quem sabe seria um maníaco, em um mundo tão louco? O segurança sorri, e explica que era uma situação mais simples do que parecia.

“-Seu Adamastor, aquele senhor é o Jurandir, marido da funcionária Helena, uma senhora que já está próxima de se aposentar e que reside muito longe do colégio. Como tem havido muitos assaltos e ela sai cedo, ele todo dia vem com ela de trem e fica aqui esperando ela sair as 14hs, para acompanha-la de volta ao lar.” Explica pacientemente o segurança, e ao se inteirar da situação, Adamastor exclama em alto e bom tom: “-Um abnegado.

A abnegação é um atributo humano, caracterizado pelo desprendimento e pelo altruísmo, na dedicação extrema a uma pessoa, causa ou princípio. Algo bonito de se ver, raro em um mundo de valorização da individualidade, e que se traduz em uma força poderosa nos desafios do cotidiano. Mas, como tudo, merece equilíbrio e contexto.

Heróis abnegados como Jurandir, e tantos outros que se dedicam a causas sociais e religiosas, são tesouros em forma de espírito. Pessoas que transpiram nos desafios do dia a dia naquele tema, e que inspiram, com seu ideal, um outro conjunto de pessoas, em uma rede de empolgação que contagia e mobiliza corações e mentes, em ações que resultam em grandes realizações, materiais ou não.

Certamente, estimado leitor, você conhece nas fileiras espíritas pessoas abnegadas. Alguns notórios, mas a maioria desconhecida, movidas por um sentimento forte e profundo para a promoção das nossas causas. Abnegados na evangelização infanto-juvenil, na promoção social, na atividade mediúnica, na divulgação espírita, na arte, nas tarefas de manutenção e na arrecadação de fundos.

Pessoas com uma chama interior, poderosa, mas são pessoas. Enfrentam os problemas comuns da vida encarnada no planetinha azul, repleta das decepções, das calúnias, das traições, e por vezes, essa abnegação vai se enfraquecendo, até apagar. Afinal, essa dedicação desmedida, intensa, por vezes é muito para qualquer um, e vemos o fenômeno do trabalhador incansável que sofre uma mutação e não quer saber de mais nada. Desaparece.

Aí vem as explicações estapafúrdias. Está obsediado.... Era só um interesseiro... Melindre... Na verdade, era uma pessoa com grande fé naquela missão, naquela obra, e que a abraçou com todas as suas forças, esquecido de que cada um tem seu tempo. E foi, foi, até que se viu sozinho...cercado pelas armadilhas do insulamento e do autoritarismo, nos famosos donos do trabalho, permeado das fofocas e das interpretações maldosas.

Faz-se necessário adotar cuidados para não se perder o trabalhador espírita abnegado, mas também é necessário um entendimento amplo de que o comprometimento e a dedicação variam de trabalhador para trabalhador, por questões diversas, variando da esfera pessoal até o amadurecimento do seu papel na atividade espírita.

A abnegação é uma condição nobilíssima, mas que tem a sua força quando se equilibra entre diversas pessoas no campo de luta. Se concentrada, se expande como uma chama vivaz na palha seca, para se esgotar depois. Precisa ser como uma brasa, a alimentar por muito tempo o fogo permanente, alimentando mutuamente pelas outras brasas.

Sim, temos e teremos sempre os expoentes, aqueles abnegados que vão mais além. Mas, não nos cabe, na tarefa da evolução, terceirizar as ações para estes e sim se inspirar em seus exemplos para também alimentarmos em nós um pouco de abnegação, fortalecendo a rede de pessoas que converte recursos em milagres, nas transformações maravilhosas que vemos nos trabalhos espíritas por aí.

Ser abnegado implica na renúncia, no sacrifício em prol de uma causa. As motivações são as mais diversas, e a maioria são lastreadas em um sonho de ver um mundo melhor e poder contribuir com um pequeno tijolinho. Esse compromisso, com o reino de Deus que virá, é de todos nós, e se alguém está dando de si no limite de suas forças, talvez seja por que nós estejamos nos omitindo de nossos deveres. Fica a reflexão.



 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita