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por Sandro Drumond Brandão

 

A neutralidade moral da riqueza


Dentre os atributos divinos possíveis de serem abarcados pela inteligência humana destacamos neste ensaio a onipotência e a soberana bondade. É dizer que o Incriado é fonte de amor puro e soberano sobre todas as coisas.

Partindo de tal premissa e, sabendo que tudo Dele deflui, é acertada e inafastável a ilação de que os bens que nos cercam não podem ser perniciosos. Da fonte de bondade pura não pode derivar o mal[1]. Mas se não são deletérios seriam os bens necessariamente bons?

Igualmente não se pode atribuir às coisas materiais o caráter de benfazejas eis que destituídas da aptidão para tanto. Argumento que também tem o condão de afastar suposta feição deletéria. As coisas da Terra são, portanto, moralmente neutras ou amorais ou destituídas de senso moral.

Assim Huberto Rohden nos ensina:

 

Não existe, em toda a natureza, um único objeto que seja moralmente mau, ou moralmente bom. Bondade ou maldade moral são atributo único e exclusivo de seres dotados de livre-arbítrio. Criatura que não tenha “comido do fruto da árvore do bem e do mal”, como o livro do Gênesis chama o livre-arbítrio, não pode ser moralmente boa nem moralmente má; não pode cometer atos bons nem atos maus. Um pedaço de metal ou farrapo de papel, chamado dinheiro, é algo moralmente neutro, nem bom nem mau.


Allan Kardec em sua obra “A Gênese” assevera que o mal é resultado das imperfeições do homem que o conduzem à inobservância das leis divinas.

De acordo com o codificador:

 

“(...) Deus quis que fosse submetido à lei do progresso, e que, esse progresso fosse o fruto do seu próprio trabalho, a fim de que, dele, tivesse o mérito, do mesmo modo que carrega a responsabilidade do mal que é o fato da sua vontade. A questão, pois, é saber qual é, no homem, a fonte da propensão para o mal.”

 

Todo e qualquer objeto, animado ou inanimado, é inábil no cometimento de atos bons e maus, sendo o homem a única criatura capaz, pelo uso ou abuso de sua liberdade, de promover o bem ou o mal.

Assim se dá com a fortuna: não é boa ou má. O que define o caráter de sua instrumentalidade é a afetação que recebe do homem[2], podendo ser via de perdição ou de utilidade providencial.

Nas escrituras isso se confirma. O Mestre Jesus Cristo nos alerta repetidamente sobre os perigos da associação de nossas más inclinações e o uso da fortuna[3]. Seus avisos podem ser resumidos na seguinte passagem:

 

"Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam.

Mas acumulem para vocês tesouros no céu, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam.

Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração.” (Mateus 6:19-21)

 

Jesus através de suas lições nos acautelava de nós mesmos, informando sobre nossa cobiça e avareza enquanto obstáculo de nossa salvação. Se preocupava com nossa paixão pelo dinheiro e a capacidade de tal associação firmar o homem à Terra com tamanha força adesiva, a lhe desviar definitivamente os pensamentos do céu.

Assim nos alumiou Paulo:

 

“Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.” (I TIMÓTEO, 6:10)

 

Por outro lado, para os que dela sabem servir-se, a abastança torna-se poderosa ferramenta de progresso daquele a quem Deus a confiou e de todos ao seu redor. Imperioso que uso de tal coisa seja dirigido pelo amor ao próximo.

Nos orienta Emmanuel:

 

Deixa, pois, que o dinheiro de passagem por tuas mãos se faça bênção de trabalho e educação, caridade e socorro, à feição do ar que respiras sem furtá-lo aos pulmões dos outros, e perceberás que o dinheiro, na origem, é propriedade simples de Deus[4].

 

A filosofia do Nazareno incidia sobre as cautelas no emprego da riqueza e não no bem em si[5]. O bem em si jamais foi condenado pelo Mestre, não constituindo suas lições espécie de apologia à mendicidade, mas um lançar de luzes sobre ser o apego ao transitório uma barreira à salvação.

Jesus Cristo em valioso momento de ensino aos seus discípulos, que discordavam do apreço que direcionava ao publicano abastado de nome Zaqueu, asseverou[6]:

 

Amigos, acreditais, porventura, que o Evangelho tenha vindo ao mundo para transformar todos os homens miseráveis mendigos? Qual a esmola maior: a que socorre as necessidades de um dia ou que adota providencias de uma vida inteira? No mundo vivem os que entesouram na Terra e os que entesouram no Céu. Os primeiros escondem suas possibilidades no cofre da ambição e do egoísmo e, por vezes, atiram uma moeda dourada ao faminto que passa, procurando livrar-se de sua presença; os segundos ligam suas existências a vida numerosas, fazendo de seus servos e dos auxiliares de esforços a continuação de sua própria família. Estes últimos sabem empregar o sagrado depósito de Deus e são mordomos fiéis, à face do mundo.”

 

O Mestre na ambiência coletiva da vida de relação nos ensinou através do exemplo que os bens disponibilizados são apenas meio[7] do nosso progresso. Cristo não abusou das coisas nem as recusou, apenas as usou.

Se a riqueza é causa de muitos males, se excita tanto as más paixões, não é a ela que devemos inculpar, mas ao homem, que dela abusa, como de todos os dons de Deus[8].

 

Referências bibliográficas:

CAMPOS, Humberto de (Espírito). Boa Nova. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Brasília: FEB, 2020.

DIAS, Haroldo Dutra (Trad.), 1971- O novo testamento, tradução de Haroldo Dutra Dias. – 1. ed. – 11. imp. – Brasília: FEB, 2020.

EMMANUEL (Espírito). Palavras de vida eterna. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Uberaba: Edição CEC, 1998.

KARDEC Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2018. P. 316.

ROHDEN, Huberto. Sabedoria das Parábolas. São Paulo: Martin Claret Ltda., 2006.


 

[1] Nos ensina Allan Kardec: “Se a riqueza houvesse de constituir obstáculo absoluto à salvação dos que a possuem, conforme se poderia inferir de certas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o espírito, Deus, que a concede, teria posto nas mãos de alguns um instrumento de perdição, sem apelação nenhuma, ideia que repugna à razão.” (KARDEC Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2018. P. 219-219.)

[2] “Não é a moeda que envilece o homem e sim o homem que a envilece, no desvario das paixões que o degradam”. EMMANUEL (Espírito). Palavra de vida eterna. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Uberaba: Edição CEC, 1998.

[3]"Então Jesus disse aos discípulos: "Digo-lhes: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. E lhes digo ainda: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”. (Mateus 19:23-24).

Então lhes disse: “Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens”. (Lucas 12:15)

"Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e a Mamom.” (Mateus 6:24)

[4] EMMANUEL (Espírito). Palavras de vida eterna. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Uberaba: Edição CEC, 1998.

[5] Não são os bens materiais em si que podem granjear amigos no mundo espiritual, mas é o uso correto que deles fizermos. Todo objeto é espiritualmente neutro, indiferente; mas o sujeito, o livre- arbítrio do homem, dá-lhe valor positivo, ou desvalor negativo. A atitude boa em face do “pouco” dos bens materiais toma o homem bom no “muito” dos bens espirituais. O valor do sujeito valoriza o sem-valor do objeto. (ROHDEN, Huberto. Sabedoria das Parábolas. São Paulo: Martin Claret Ltda., 2006.)

[6] DE CAMPOS, Humberto (Espírito). Boa Nova. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Brasília: FEB, 2020.

[7] “As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. – Jesus (Mt, 8, 20)

[8] (KARDEC Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2018. P. 220)

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita