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por Claudia Gelernter

Telhado de vidro

Faz alguns dias, tornei a assistir ao filme “A Menina que Roubava Livros” - obra baseada no livro de mesmo nome, do escritor australiano, Markus Zusak. De profunda beleza, a história conta sobre a vida de Liesel - uma menina corajosa, órfã e destemida, que é adotada por uma família alemã, um ano antes da segunda grande guerra.

Liesel não sabia ler, porém sentia enorme atração por livros e letras, vindo a se tornar uma escritora famosa, na fase adulta. Sua mãe biológica, por ser comunista, foi perseguida pelos nazistas e jamais voltou para buscá-la. Porém, a garota seguiu sua jornada, tornando-se cada vez mais forte, apesar dos grandes impactos de uma dura realidade.

Entretanto, a história nos remete a algo ainda mais profundo, para além da pequena menina de cabelos loiros e pele de algodão: no pano de fundo reconhecemos uma Alemanha nazista, endurecida, cheia de aspirações, mas com inúmeras famílias sofredoras, nem sempre adeptas do regime imposto, sofrendo as agruras de um país repleto de dificuldades.

E é neste cenário que percebemos o famoso “outro lado da moeda”.

Convencionou-se julgar todos os alemães como assassinos sanguinários de judeus, mas não foi bem assim. Muitos deles arriscaram suas vidas, tentando ajudar, não apenas judeus, mas todos os que foram perseguidos pelos membros da SS.

E, assim como neste filme, outras histórias trazem esta reflexão. O Caçador de Pipas é um exemplo. Conta-nos sobre os afegãos com muita delicadeza, fazendo com que nos identifiquemos com as famílias daquele país. Obras que nos fazem pensar para além do que é vendido nos jornais e revistas…

A questão aqui exposta trata de um ponto capital, problema milenar do ego humano, que tende a analisar fatos e pessoas de forma rasa, maniqueísta e tendenciosa. Se é de esquerda, é ingênuo; se é de direita, é alienado; se é da favela, é bandido; se é rico, é esnobe. Se matou alguém, é do mal, se ajudou os pobres, é do bem. Entretanto, todos os humanos possuem, ainda, mais lados a serem observados, mais fragilidades que bênçãos, porque ainda desconhecem a verdadeira essência sagrada e se identificam demais com a materialidade da existência. Ademais, as causas de muitas ações podem estar em percepções antigas, aprendizagens de infância ou mesmo de outras vidas, que acontecem através de outras pessoas e lugares.

Faz muito tempo que estudiosos da psiquê afirmam que somos o produto de vivências sociais, amplas, sendo profundamente influenciados pelos paradigmas impostos. Embora o livre-arbítrio seja uma premissa básica para o Espiritismo, não é menos real que as relações nos afetam, sobremaneira, fazendo-nos tender para esta ou aquela direção, de acordo com o percebido/aprendido no meio. Todos estamos ainda em processo de evolução, portanto somos influenciados, quando as virtudes não foram devidamente aprendidas.

Além disso, cabe-nos observar que aquilo que parece absurdo para uns, passa por normal para outros, de outra cultura. Aliás, mesmo na mesma cultura pode-se entender algo como sendo bom, normal, quando em verdade trata-se de normose (uma patologia da normalidade). Um exemplo simples é o consumismo como meta de vida, ou mesmo o Darwinismo social, com competições acirradas nas empresas, ou ainda os padrões de estética da atualidade, com seus apelos que passam longe de uma vida mais saudável, porque cheia de dietas rígidas e cirurgias reparadoras em corpos absolutamente saudáveis.

O que se mostra nestes casos é que nenhum julgamento costuma ser fruto de uma percepção 100% acertada, com todas as múltiplas variáveis (causas) sendo consi-deradas.

Já se sabe que questões transgeracionais fazem com que julguemos as coisas a partir de determinadas lentes, quase sempre embaçadas, tendenciosas.

Mas não é apenas isto. Existem motivações inconscientes para as pedras que atiramos contra outras pessoas. Freud comentou sobre a projeção - um mecanismo de defesa do ego, que faz com que materiais que estão na personalidade da pessoa e que são aversivos, sejam lançados para fora, contra outros. É assim que pessoas que sentem vontade de trair tornam-se ciumentas, capazes de perseguir o (a) parceiro(a) diuturnamente, por acreditarem-se sendo enganadas. Ou mesmo aqueles que não conseguem mudar o modo de vida, embora desejem isto, então atacam aqueles que têm a coragem de romper com padrões ultrapassados.

Sob este aspecto, percebemos que a fofoca traz muito do fofoqueiro. Não foi por outro motivo que Freud disse que quando o Pedro fala sobre Paulo, aprendemos muito mais de Pedro que de Paulo…

Desta maneira, podemos perceber que quando Jesus foi interpelado pelos Fariseus enfurecidos, que traziam pelo braço aquela que foi julgada como adúltera, sua abordagem foi na mosca: "Que atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecados”, disse ele.

Nesta frase o Mestre não apenas inclui os pecados realizados, os fatos consumados, mas também os desejos obscuros, uma vez que também destacou, em outra oportunidade, a questão do adultério por pensamento. E sob esta ótica, qual pessoa poderia estar isenta de problemas? Quem poderia julgar com a autoridade do anjo perfeito?

No antigo testamento (também conhecido como Bíblia ou Torá, para os judeus), listamos 18 casos em que se deve apedrejar pessoas até a morte. Casos simples, como os filhos malcriados, já seriam caso para apedrejamento. Aliás, para nós Espíritas ligados ao trabalho mediúnico, dá-se o mesmo. Em Levítico, (Lv 20:27) está escrito que “qualquer homem ou mulher que evocar os Espíritos ou fizer adivinhações, será morto. Serão apedrejados, e levarão sua culpa”.

Está claro que os julgamentos mudam conforme as épocas e o entendimento de um povo, em determinada cultura. Aquilo que antes era tomado por bom, hoje pode ser considerado uma aberração. A escravidão dos negros, o holocausto dos judeus, a violência contra as mulheres engrossam o caldo dos absurdos humanos, que antes eram tidos como atos normais. Oxalá chegue logo o dia em que escravizar e matar animais também seja considerado um erro grave!

Quanto mais maduros, mais prontos para determinadas mudanças. Porém, mesmo quando passamos a trilhar caminhos mais virtuosos, as armadilhas do ego podem nos fazer apontar o dedo para as pessoas que ainda não pensam como nós. Muitas vezes queremos nos destacar do próprio grupo humano, considerando-nos melhores que outros, mas desconsiderando as próprias sombras que carregamos em nosso psiquismo infantil.

Atirar pedras verbais ou por pensamentos só denota nossa pequenez emocional.

Pois, quando desejamos ardentemente melhorar as coisas, vamos em busca de soluções e não de culpados. Descartamos julgamentos, incluímos novos planos de acerto.

A verdade é que, na maior parte das vezes, destacamos no outro aquilo que carregamos em nós. Falamos das sombras a partir das nossas próprias sombras. Falamos das luzes, a partir das nossas próprias luzes.

Se realmente desejamos ajudar o mundo, busquemos o melhor que existe na situação e nas pessoas.

Sim, não se trata de termos um modo de viver “Poliana”, mas não nos prendermos ao pior, e sim ao que pode nos elevar.

Quando pergunto às pessoas, invariavelmente me respondem que desejam sentir paz, amor e alegrias. Espanta-me perceber que, paradoxalmente, remam para outra direção. O que acontece é que sinto amor, quando amo. E amar é escolher a melhor porção do outro, amparando-o, para que ele se desenvolva e tome contato com sua essência sagrada, que é o verdadeiro Eu. Sinto paz, quando me pacifico. E pacificar-se também implica em observar as pessoas e os fatos com equilíbrio, não se infla-mando com o que não concorda. Sinto alegria quando ajudo, quando sou útil e bom. Destacar o mal e fazer fofocas não ajuda ninguém, ao contrário, só se cristaliza o mal.

Ken Wilber, o pai da psicologia transpessoal, em seu livro Éden - queda ou ascensão, escreveu que "A essência se um Ser não é determinada pelo mais baixo no qual pode submergir - animal, id, macaco -, mas pelo mais elevado a que pode aspirar - Brahman, Buda, Deus". É isso! Em essência somos todos deuses. E se o somos, pedras e paus não são instrumentos de despertar para esta realidade maravilhosa, mas sim o amor, por ser ele o catalizador, o sentimento excelso que reverbera e atinge as profundezas do nosso mundo sagrado - o Reino em nós.

 


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita