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Crônicas e Artigos

Ano 6 - N° 305 - 31 de Março de 2013

ANSELMO FERREIRA VASCONCELOS
afv@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)

 
 

Religiões: examinando
alguns contrastes


Como cristãos acima de todas as considerações possíveis, devemos saudar com muito carinho a eleição do Papa Francisco. Afinal de contas, mais de um bilhão de almas atualmente encarnadas no planeta professa a importante religião católica com a qual nós, espíritas, temos pelo menos dois pontos em comum, a saber, o evangelho e o seu sublime autor, Jesus Cristo, como protótipo a ser seguido. Aliás, a maioria dos espíritas deu os seus primeiros passos no campo religioso bebendo, por assim dizer, nas fontes da citada instituição religiosa. Portanto, é de lá que muitos se lançaram e continuam se lançando à busca das verdades celestiais.

Dito isto, pelo menos esse modesto escriba espírita presta o seu reconhecimento público à sua iniciação religiosa obtida através dos ensinamentos da Igreja Católica. Claro é que, em dado momento, na minha curiosidade e ânsia de saber – creio que, nesse particular, talvez esteja revelando o mesmo que aconteceu com não poucos – fui levado a percorrer outros caminhos que satisfizessem as minhas dúvidas. Mas isso é outra história...

Nesse momento, o mais relevante é saudar o novo Papa que deu – segundo lemos na imprensa – demonstrações de humildade, desapego e simplicidade ao longo de sua vida pastoral. Como a revista Veja registrou recentemente, “A Igreja Católica tenta voltar à sua essência, com a eleição de um pastor de alma simples, para cuidar de um rebanho ameaçado pelo laicismo e, não menos relevante, dar fim ao clero pedófilo e corrupto. Nesse sentido, a noite de 13 de março de 2013 foi recheada de significados”.

Assim sendo, os desafios do Papa Francisco são hercúleos e, de nossa parte, desejamos-lhe que Deus o ilumine muito. É óbvio que ele agora comanda uma instituição milenar – fortemente apegada a certas teses e visões do mundo – que tem sido, por sinal, atropelada por uma miríade de fatos e costumes modernos. De fato, existem assuntos defendidos pela religião católica que se opõem frontalmente à realidade atual. Assim, de certo modo, fica implícita a mensagem – pelo menos em nossa opinião – que as religiões correm o sério risco de se tornarem instituições obsoletas e desatualizadas quando não assimilam as novas descobertas e as mudanças advindas do progresso.

Seja como for, o fato de abraçar e defender o evangelho de Jesus, especialmente nessa hora tão delicada para a trajetória humana nesse mundo, torna, sem dúvida, o papel da religião católica estratégico, apesar das diferenças de interpretação e entendimento que nos separam. A humanidade necessita da sabedoria contida no evangelho talvez mais do que nunca. Assim sendo, ao agir no sentido de despertar e encaminhar as almas renitentes na assimilação do seu conteúdo libertador, ela e outras agremiações cristãs – cabe afirmar – estarão cumprindo uma missão fundamental. Entender a realidade da vida espiritual e as leis universais – temas tão caros ao Espiritismo – depende da âncora do evangelho e de pessoas dispostas a viver os seus conteúdos de maneira coerente.

Por outro lado, se as mudanças ora em curso no seio da referida instituição religiosa devam ser vistas com otimismo e esperança pelas razões acima expostas, o mesmo não se pode afirmar com relação à religião mulçumana. Apesar de abarcar um considerável contingente de adeptos no mundo, isto é, cerca de 1,3 bilhão – os cristãos ultrapassam 2,1 bilhões quando se somam todas as suas vertentes –, o que se vê com insistência é a predominância do radicalismo e da violência. Com efeito, o mundo islâmico passa na atualidade por uma autêntica ebulição onde se mistura perigosamente assuntos da esfera religiosa com os da política.

Além disso, vale acrescentar que nascer na condição de mulher no Islã constitui uma das mais dolorosas provações às quais um Espírito pode ser submetido. Em resumo, não se detecta no momento nenhuma indicação ou sinal de mudanças positivas advindas dessa religião. Basta lembrar, por exemplo, um episódio recente envolvendo o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Ao comparecer ao velório do finado líder venezuelano, Hugo Chávez, com o qual mantinha estreita relação, foi, em certo momento, cumprimentar a mãe deste como reza o protocolo e, sobretudo, a educação. E num gesto indiscutivelmente amistoso, solidário e tocante, reteve as mãos da senhora enlutada aproximando o seu rosto junto ao dela. A rede de TV americana CNN abordou numa reportagem os protestos veementes dos aiatolás (link: http://edition.cnn.com/2013/03/13/opinion/gmez-chavez-ahmadinejad-america/index.html?hpt=hp_c4 - ver foto, vídeo e artigo em inglês) que enxergaram no singelo gesto uma clara violação das leis islâmicas que proíbem o “abraço” – que não ocorreu efetivamente – entre pessoas de sexos opostos, exceção à esposa e aos parentes. 

Mahmoud Ahmadinejad é uma figura altamente controversa. Mundialmente odiado em razão das suas declarações infelizes e extemporâneas, bem como pelos seus arroubos contra os acordos internacionais, é, sem dúvida, um personagem polêmico e desajustado. Todavia, naquele momento, especificamente, era um ser humano prestando a sua solidariedade a uma mãe padecendo de doloroso e comovente sofrimento. Definitivamente, não havia malícia alguma no seu gesto. Muito pelo contrário. Mas os seus adversários religiosos, conforme explicou a reportagem da CNN, viram um desrespeito às tradições religiosas islâmicas. Certamente, o presidente iraniano enfrenta sérios problemas de governança em seu país com prováveis consequências no seu desejo de reeleição.

Acreditamos que quando tal norma foi instituída no seio do islamismo, ela deve ter obedecido – assim imaginamos – a um propósito de evitar mal-entendidos e reações violentas. Mas já estamos em pleno século XXI! Felizmente, nós espíritas nos acostumamos a nos abraçar e beijar fraternalmente. Tal gesto é espontâneo, autêntico e geralmente destituído de malícia. É uma maneira simples, mas efetiva de transmitirmos boas energias e carinho ao nosso interlocutor e de mostrar que ele é importante para nós. A propósito, relata-nos o Espírito Humberto de Campos, na obra Boa Nova (psicografada por Francisco Cândido Xavier), que Maria: 

“De alma angustiada, notou que Jesus atingira o último limite dos padecimentos inenarráveis. Alguns dos populares mais exaltados multiplicavam as pancadas, enquanto as lanças riscavam o ar, em ameaças audaciosas e sinistras. Ironias mordazes eram proferidas a esmo, dilacerando-lhe a alma sensível e afetuosa. 

“Em meio de algumas mulheres compadecidas, que lhe acompanhavam o angustioso transe, Maria reparou que alguém lhe pousara as mãos, de leve, sobre os ombros. 

“Deparou-se-lhe a figura de João que, vencendo a pusilanimidade criminosa em que haviam mergulhado os demais companheiros, lhe estendia os braços amorosos e reconhecidos. Silenciosamente, o filho de Zebedeu abraçou-se àquele triturado coração maternal. Maria deixou-se enlaçar pelo discípulo querido e ambos, ao pé do madeiro, em gesto súplice, buscaram ansiosamente a luz daqueles olhos misericordiosos, no cúmulo dos tormentos. Foi aí que a fronte do divino supliciado se moveu vagarosamente, revelando perceber a ansiedade daquelas duas almas em extremo desalento. 

‘Meu filho! Meu amado filho!...’ exclamou a mártir, em aflição diante da serenidade daquele olhar de melancolia intraduzível. 

“O Cristo pareceu meditar no auge de suas dores, mas, como se quisesse demonstrar, no instante derradeiro, a grandeza de sua coragem e a sua perfeita comunhão com Deus, replicou com significativo movimento dos olhos vigilantes: 

‘Mãe, eis aí teu filho!...’ E dirigindo-se, de modo especial, com um leve aceno, ao apóstolo, disse: ‘Filho, eis aí tua mãe!’. 

“Maria envolveu-se no véu de seu pranto doloroso, mas o grande evangelista compreendeu que o Mestre, na sua derradeira lição, ensinava que o amor universal era o sublime coroamento de sua obra. Entendeu que, no futuro, a claridade do Reino de Deus revelaria aos homens a necessidade da cessação de todo egoísmo e que, no santuário de cada coração, deveria existir a mais abundante cota de amor, não só para o círculo familiar, senão também para todos os necessitados do mundo, e que no templo de cada habitação permaneceria a fraternidade real, para que a assistência recíproca se praticasse na Terra, sem serem precisos os edifícios exteriores, consagrados a uma solidariedade claudicante [...]”. 

Infelizmente, a humanidade ainda não chegou aos tempos divisados pelo notável evangelista, mas certamente esse dia chegará. Enquanto isso, o Espiritismo vem cumprindo a sua missão de consolar e ensinar as belezas do evangelho de Jesus como instrumento reformador dos ideais e pensamentos.


 


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