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Crônicas e Artigos

Ano 4 - N° 202 - 27 de Março de 2011

ÂNGELA MORAES
anjeramoraes@hotmail.com
Bauru, São Paulo (Brasil)
 

O Cristo Consolador

“Venho instruir e consolar os pobres deserdados. Venho dizer-lhes que elevem a sua resignação ao nível de suas provas, que chorem, porquanto a dor foi sagrada no Jardim das Oliveiras; mas que esperem, pois que também a eles os anjos consoladores lhes virão enxugar as lágrimas.” (O Espírito de Verdade, pág.130, O Evangelho segundo o Espiritismo.) 

Era uma tarde de quarta-feira gelada. O vento passava algo perturbado entre os corredores dos dois pavilhões de quartos em que, ao final deles, morava dona Rosa, em bem cuidado asilo vicentino. Poucas senhoras se dispunham a botar-se pra fora de seus quartos, em conversas amenas, como nos dias mais quentes. Encolhiam-se como pássaros em seus cobertores, algumas com o luxo de ter uma tevê no quarto, trazida pela família. Outras conseguiam um rádio, ao menos, muitas vezes doados por visitantes. Dona Rosa, no auge dos seus 96 anos, tateava o crochê, que agora utilizava barbante grosso pra não perder o ponto em que estava. Enxerga muito mal, apenas vultos, não obstante as pesadas e antigas lentes. Preferia trabalhar, dizia ela. De mente lúcida, apenas o corpo não acompanhara a vivacidade de seu espírito normalmente alegre e ágil. Andava com extrema dificuldade, e nos dias mais frios como aquele, doíam-lhe particularmente as juntas.

Enquanto suas mãos hábeis trabalhavam um tapetinho, sua mente divagava, ora trazendo fatos felizes de sua mocidade, ora os mais difíceis. Não pôde deixar de se lembrar da paixão da adolescência, aquele que teria sido o companheiro amoroso e legal, agora já falecido. Lembrou do marido também falecido e fez um sinal-da-cruz: “não deu trabalho pra morrer, graças a Deus!”. Orgulhava-se do dever cumprido junto ao pinguço que suportara por 30 consecutivos anos, sem abandonar os votos que fizera a Deus e a seu pai, diante do altar. Lembrou-se, também, das únicas coisas boas que o fardo lhe dera: seus três filhos. O mais velho, Onofre, que orgulho! Menino estudioso desde cedo, aplicado, gentil! Na mocidade, tratou logo de entrar na Engenharia, dali para o Exército, formando-se oficial da mais alta categoria. “Que beleza de uniforme!”, exibia às vizinhas, enquanto o engomava com esmero. Lembrou-se que Onofre se casara e fora morar em estado distante, voltando para visitá-la uma vez a cada dois anos, no início. Depois casara-se de novo – ficara sabendo por carta – e nunca mais apareceu, coisa de quarenta anos atrás. Perguntava-se se, ainda hoje, seu querido Onofre, agora com mais de 75 anos, estaria vivo, sem ter absolutamente notícia dele.

Sua lembrança rumou, a partir daí, para a filha do meio, Aída. Moça boa, de braços fortes e disposição para o trabalho sempre! Com ela não havia serviço que ficasse para amanhã. Casou-se com abastado fazendeiro do sul do país e –  dona Rosa parou o crochê para enxugar uma lágrima – que tristeza o destino fez com ela... Botou-lhe um tumor na perna esquerda que a obrigara a cirurgias, meses de pesado tratamento químico, até finalmente a amputação! Ah..., logo ela, que gostava tanto de trabalhar!  Lamentou não ter enfrentado a estrada poeirenta e os transportes lentos da época para ficar mais tempo com a filha. Envolvida em suas tarefas com o filho mais novo, nunca pôde ir ao encontro dela. Quando se dispôs a ir para o asilo, no interior de São Paulo, a filha também já se encontrava senil e frágil, em sua cadeira de rodas. Havia mais de trinta anos que fora embora com o marido, deixando com a mãe apenas a lembrança da moça forte que um dia fora. O que consolava Rosa era que Aída dizia-se feliz, por carta. A doença a limitara, mas ela prosseguira resignada, forte e o marido lhe fora fiel companheiro. A última carta havia chegado há três anos – um telegrama, com votos de Natal.

O filho mais novo, enfim, viera à  lembrança de dona Rosa junto de fundo e resignado suspiro. Sempre exigira dela energia extra: era o mais carente, o mais revoltado, o mais teimoso, o que mais precisava de sua atenção extremada.  Atílio, quando adolescente, não se conformava com o orgulho da genitora em relação ao mais velho. Um dia, em terrível discussão, resolveram não se falar mais. E assim permaneceram, até o dia de hoje. Quanto à  profissão, não havia curso que o segurasse, acabando por encontrar-se em um emprego público de salário baixo, mas que oferecia a segurança que uma mãe sonha a um filho descabeçado. Casou-se com moça boa, mas devota de brincos, badulaques, saltos e roupas caras, que o salário do funcionário público não tinha condições de arcar. Na tentativa de ajudar, dona Rosa ofereceu ao filho e à nora, recém-casados, que ficassem na boa e reformada edícula dos fundos de sua casa, até que conseguissem comprar ou alugar a deles próprios. Com as altas despesas mensais, o dinheiro para o aluguel nunca sobrou, principalmente com a chegada do primeiro filho. Quando o bebê tinha dois anos e com a chegada da segunda gravidez da esposa, dona Rosa e o marido não tiveram outra alternativa senão ceder a casa com seus dois quartos, indo o casal já em idade avançada para a edícula dos fundos, até a morte do marido, aquele que não deu trabalho para morrer.

Lembrou-se, por fim, das sucessivas discussões que acabara escutando do casal, as cobranças da nora quanto a conforto, agora coro engrossado pelos filhos.

- O quartinho da edícula podia ficar pro Atilinho! Eles já são adolescentes, não podem dividir o mesmo quarto! – lembrou-se de ouvir a nora dizendo ao marido, enquanto este, agora com seus mais de 60, mãos entre os cabelos ralos e grisalhos, comprimia os olhos em desconcertada atitude.

Isso foi há exatos seis anos, quando dona Rosa, aos 92 anos, decidiu que era a hora de provar para si mesma que podia se virar sozinha. Arrumou pequena trouxa de roupa e, com a desculpa de aproveitar o casamento de um parente no interior, pegou carona com um familiar e foi. Do casamento, rumou para o abrigo vicentino. Chegou sozinha. E há quatro anos assim permaneceu, aguardando que algum filho viesse, ao menos, visitá-la.  Nos dias quentes do ano cheio de voluntários alegres, distribuía ensinamentos sobre o quanto a sua fé sempre lhe fora companheira. Nos dias mais nublados, no entanto, como o de hoje, dona Rosa sentia-se mais distante do seu Deus e seu Filho bendito, que lhe socorrera durante toda a sua vida, nas preces sentidas de cada noite.

- Boa tarde, dona Rosa! - a voz amiga da voluntária tão conhecida enchera o ambiente.

- Minha querida Solimar! O que traz você aqui nesse dia tão gelado?

- Pensa que eu não sei que sua aveia está acabando, é? Eu lá sou mulher de faltar com o mingau dos outros? – brincou.

- Ah, minha querida! Você é  mesmo um anjo! Olha o tapetinho que estou fazendo pra você, está  quase pronto!

E assim enredaram em conversação carinhosa e amena, deixando as lágrimas para outro dia, quando talvez outro anjo lhe viesse arrancar das lembranças dolorosas. 


 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita