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Crônicas e Artigos
Ano 3 - N° 153 - 11 de Abril de 2010

JOSÉ PASSINI
passinijose@yahoo.com.br 
Juiz de Fora, Minas Gerais (Brasil)
   

 
Educação espírita


O Espiritismo veio ao mundo através da Ciência. Kardec, ao se debruçar sobre os fenômenos que lhe foram apresentados, não o fez com unção religiosa, prejudicada por qualquer visão sectária. Examinou os fenômenos como pesquisador, valendo-se de critério científico, aplicando o método experimental com clareza de raciocínio, a fim de não se perder no deslumbramento do novo mundo que se lhe revelava através dos diálogos extraordinários que mantinha com os Espíritos. Entretanto, depois de constatada cientificamente a veracidade da existência e da comunicabilidade dos Espíritos, teve o Missionário o discernimento que lhe permitiu não se deter apenas no campo experimental. Entendeu, desde logo, que a Revelação Espírita tinha finalidade mais ampla e mais nobre do que a simples comprovação da imortalidade e a comunicabilidade dos Espíritos. 

Deixando o campo científico para outros Espíritos que vieram em sua equipe, deteve-se no campo filosófico, onde dialogou com os Espíritos, propondo-lhes questões a respeito de Deus, da Criação, da Criatura, dos problemas do ser, do destino e da dor. 

Poderia Kardec ter-se projetado como teólogo e ter-se perdido, como tantos outros, nos sinuosos caminhos das intermináveis discussões a respeito de cosmogonia, cristologia, exegese bíblica e tantos outros temas tão a gosto de muitos filósofos e teólogos. 

Mas o Missionário não se reencarnara para enriquecer, dessa forma, a galeria dos filósofos, nem dos teólogos, limitando sua atuação apenas ao campo da teoria. Não. Antes mesmo de os Espíritos lhe revelarem o caráter da sua missão, ele já agia em função do compromisso assumido com Jesus, no sentido de trazer de volta o Evangelho, na sua feição de obra libertadora, logo, educadora. Embora não filiado a nenhum grupo religioso, era profundamente cristão, repartindo com o próximo aquilo que tinha – o saber –, ministrando, gratuitamente, aulas noturnas a grupos de jovens que se preparavam para a universidade.  

É de notar que o Espiritismo veio tirar o halo de misticismo inoperante, extático, que fora imposto à mensagem cristã, devolvendo-lhe a simplicidade encantadora, o dinamismo profundamente atuante na vida diária da criatura humana. 

Já houve quem questionasse o caráter religioso do Espiritismo pelo fato de não ter lugares considerados sagrados, como templos, santuários, de não ter culto externo, de não ter sacerdócio organizado, nem ministrar sacramentos. Em verdade, o Espiritismo não tem nada disso, mas nem por isso deixa de ser religião. Se, para que uma religião se legitime como tal, é necessário que inclua essas práticas e possua templos, então Jesus não trouxe mensagem religiosa alguma. 

Considerando-se Jesus a maior expressão religiosa de todos os tempos, e analisando-se a Sua atuação, diante daquilo que foi apresentado como religião nos séculos subsequentes, chega-se a uma pergunta: o que é religião? Será um conjunto de práticas desenvolvidas no interior dos templos, ou uma prática de vida, capaz de fazer a criatura crescer espiritualmente, pela educação? 

Que é educação? Será algo a ser imposto ao Espírito? Ou será incentivo para que ele revele a luz que traz em si por herança divina? O verbo educar, na sua origem, significa tirar para fora. Jesus, dialogando com seus contemporâneos, ensinando a origem divina comum a todos, perguntou-lhes: “Não está escrito na vossa lei: eu disse: sois deuses?” (1) No Sermão do Monte, recomenda: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens”. (2)    

Toda a mensagem religiosa de Jesus se fundamenta no esforço da criatura no sentido de revelar essa herança divina que todos trazemos. Nada de graças, além da graça da vida. Nada de privilégios. “... e então dará cada um segundo as suas obras.” (3) 

A educação religiosa que Jesus propicia ao homem leva-o a conscientizar-se de que não será através de orações repetidas que estaremos agradando a Deus: “E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos”. (4) Nem através de oferendas ou bajulações: “Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem e apresenta a tua oferta”. (5)  

“O corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito, porquanto o Espírito já existia antes da formação do corpo. Não é o pai quem cria o Espírito de seu filho; ele mais não faz do que fornecer-lhe o invólucro corpóreo, cumprindo-lhe, no entanto, auxiliar o desenvolvimento intelectual e moral do filho, para fazê-lo progredir.” (6) Por essa citação, vê-se que o enfoque educacional da Doutrina Espírita é diferente, por considerar a criança não como um ser, cuja vida começou no ventre materno, mas um Espírito imortal, dotado de bagagem própria, individual, que se irá manifestando à medida que o corpo o permita. Por isso é que, conscientes de que o Espírito está com o seu passado amortecido, beneficiado pelo esquecimento, aqueles que procuram educar a criança à luz dos ensinamentos espíritas buscam não perder tempo, aproveitando essa fase de aceitação de novas informações, a fim de sensibilizá-lo em relação às verdades e à noção de valores trazida pelo Evangelho, para que, mais tarde, quando as tendências de sua bagagem aflorarem, o espaço já esteja ocupado, pelo menos parcialmente, pelas ideias renovadoras, conforme nos ensinam os Espíritos Superiores, em resposta a Kardec: “Encarnando, com o objetivo de se aperfeiçoar, o Espírito, durante esse período, é mais sensível às impressões que recebe, capazes de lhe auxiliarem o adiantamento, para o que devem contribuir os incumbidos de educá-lo”. (7) 

Educadores modernos valorizam a educação desde o nascimento. A educação, à luz do Espiritismo, reconhece isso e vai um passo além, lembrando à mãe que ela deve dialogar com o nascituro desde que se percebeu grávida, pois esse novo ser é, em verdade, um Espírito imortal, antigo aluno da escola da Terra, rematriculado agora, envergando um novo uniforme. A noção de imortalidade que o Espiritismo faculta ao homem abre-lhe a possibilidade de desenvolver um estado de consciência que se poderia chamar de cidadania espiritual. Esse estado de consciência leva-o a aprender, desde cedo, que o túmulo não representa nem uma desgraça, nem a solução de problemas internos do Espírito. Representa apenas uma mudança de estado, de encarnado para o de desencarnado, uma mudança de residência, para onde o Espírito leva o produto dos seus trabalhos evolutivos, seus méritos e deméritos. 

A educação espírita nos ensina que Deus é justo e, como tal, cria todos os seus filhos dotados da mesma capacidade de progredir. Não há privilégios. Em princípio somos todos iguais. As diferenças individuais correm por conta do degrau evolutivo em que o Espírito se encontra.

A educação espírita é voltada no sentido de derrubar as fronteiras milenares que separam o sagrado do profano, o celeste do terrestre, levando o homem à aplicação dos princípios ético-morais do Evangelho em todas as situações da vida, conforme Jesus ensinou e exemplificou. Moralmente, não há diferença nem mesmo entre o material e o espiritual. A vida material e a espiritual são vão vistas apenas como oportunidades distintas, deferidas ao Espírito imortal, mas não como situações capazes de legitimar posturas ético-morais diferentes.

 

Referências:

(1) João, 10:34.

(2) Mateus, 5:16.

(3) Mateus, 16:27.

(4) Mateus, 6:7.

(5) Mateus, 5:23 e 24.

(6) O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 18, item 8.

(7) O Livro dos Espíritos, item 383.
 


 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita