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Crônicas e Artigos
Ano 3 - N° 129 – 18 de Outubro de 2009

LEONARDO MARMO MOREIRA
leonardomarmo@gmail.com 
São José dos Campos,
São Paulo (Brasil)
 

Doação de Órgãos

Qual o procedimento mais adequado a partir do entendimento do mecanismo da morte à luz da Doutrina Espírita?!

 
A doação de órgãos é um tema que envolve várias complexidades bioéticas e espirituais. Para decidirmos um posicionamento pessoal, e para que essa decisão seja a mais consciente possível, é fundamental um estudo profundo sobre todas as nuances físicas e espirituais envolvidas. Além disso, a questão não consiste apenas na dúvida sobre ser ou não doador de órgãos, mas como proceder em toda a sequência de eventos que envolvem este processo. 

Na televisão e em outros meios de comunicação é muito comum a presença de artistas e celebridades defendendo a doação de órgãos. Entretanto, normalmente, essas campanhas são extremamente superficiais, como se a questão se restringisse apenas à escolha entre o “sim” ou o “não” e como se essa decisão não repercutisse em inevitáveis consequências para o próprio doador. Ora, tal perspectiva consiste em uma atitude profundamente materialista, pois considera que, se o indivíduo “faleceu”, esse indivíduo não existe mais e, portanto, deve doar os órgãos como uma última atitude boa e útil de sua existência, sem nenhum tipo de efeito pessoal para o moribundo. Por outro lado, um simplista “não” representa um ato de profunda frieza e descaso para com as dores e sofrimentos alheios, ou seja, um ato de indiferença que consiste em uma falta de caridade. 

Do ponto de vista espiritual, a questão é mais complexa. Antes de qualquer análise, a primeira reflexão que devemos fazer é que somos Espíritos imortais e sobreviveremos à morte do corpo físico, o que implica que podemos, de forma mais ou menos efetiva, receber certas consequências da doação, ou seja, podemos sofrer certo tipo de repercussão perispiritual subsequente ao procedimento de retirada do órgão ou tecido biológico a ser doado. A segunda reflexão é que morrer não significa propriamente desencarnar. Isto ocorre, pois a total desvinculação entre perispírito e corpo físico nem sempre é um processo fácil para o Espírito desencarnante e a doação em si mesma pode se tornar um fator agravante a mais neste processo desencarnatório.  

De fato, o mecanismo de transição do estado de Espírito encarnado para o estado de Espírito desencarnado perfeitamente adaptado ao mundo espiritual passa, basicamente, por três etapas: a morte biológica, a desencarnação propriamente dita e a adaptação ao mundo espiritual.  

A morte biológica é a falência da vitalidade do corpo, gerando a morte tronco-encefálica e a falência cardiorrespiratória, o que equivale a dizer o óbito definitivo. Vale acrescentar, em concordância com a monumental obra de Joanna de Ângelis, pela psicografia de Divaldo Pereira Franco, “Dias Gloriosos” (Capítulo intitulado “Transplantes de Órgãos”), que morte cerebral não é sinônima de morte tronco-encefálica, pois a morte cerebral pode ser reversível em alguns poucos casos ao contrário da morte tronco-encefálica que seria totalmente irreversível. Esta análise é um grande alerta da Benfeitora Espiritual para todos os espíritas, simpatizantes da doutrina e espiritualistas em geral, pois uma postura inconsequente em relação a essa questão pode transformar um profundo ato de amor, isto é, a retirada de um órgão visando à doação, em um lamentável processo de eutanásia. 

A partir do estabelecimento de um quadro clínico de irreversibilidade da falência fisiológica, inicia-se um processo drástico de aceleração do desligamento dos pontos de fixação do perispírito ao corpo físico, o qual normalmente é extremamente lento e gradual durante a vida física. De fato, o chamado “duplo etérico” ou “corpo vital” bem como os centros de força ou “chacras” representam papel de destaque nessa fixação do corpo espiritual propriamente considerado ao corpo físico. É justamente esse elevado nível de fixação perispírito-corpo físico que limita, apesar de não inviabilizar, uma emancipação da alma mais pronunciada para a maioria dos encarnados durante seus dias de saúde física. De fato, à exceção da emancipação mais simples que é o binômio sono/sonhos, raros indivíduos apresentam a predisposição de desenvolver frequentemente intensos fenômenos de desdobramento (também conhecido por parapsicólogos e/ou segmentos esotéricos como “projeção da consciência” ou “viagem astral”), dupla vista ou clarividência, clariaudiência, sonambulismo, catalepsia, letargia ou “morte aparente” e êxtase durante dias de plenitude orgânica.  

Durante o processo de desencarnação, no entanto, esse quadro tende a ser profundamente alterado, o que é ilustrado pelo capítulo 21 da obra de André Luiz/Francisco C. Xavier “Nos Domínios da Mediunidade” denominado “Mediunidade no Leito de Morte”. Obviamente, em um processo gradual de desenlace, o grau de liberdade espiritual do indivíduo tende a ir aumentando com o passar do tempo, favorecendo fenômenos ditos paranormais. Tais fenômenos, que podem ser anímicos ou mediúnicos, muitas vezes não eram usuais para o indivíduo quando sua organização biológica gozava de perfeito estado de saúde. Por essa razão, é comum que indivíduos que nunca “viram” ou “ouviram” nenhuma entidade espiritual desencarnada apresentem significativa vidência e/ou audiência espiritual no momento da morte, pois, como o Ser Espiritual já está parcialmente desligado do corpo, o perispírito está gozando de uma liberdade que nunca apresentou em vigília, durante sua encarnação. 

Por outro lado, dependendo do tipo de vida que o encarnado levou, do estado emocional-espiritual momentâneo do desencarnante, do quadro de saúde global do indivíduo no momento da morte e do gênero de morte física, diversos fenômenos, tais como o rompimento do chamado “cordão prateado”, se tornam profundamente comprometidos, implicando que a desencarnação propriamente considerada pode ocorrer muito tempo depois do óbito. Isto ocorre, pois “a mente move a matéria”, conforme estabelece o título de relevante obra do Dr. Hernani Guimarães Andrade, e, assim sendo, os laços que mantêm o perispírito relativamente vinculado ao corpo físico podem ser acentuados ou minimizados pela atitude mental, emocional e espiritual de cada indivíduo. 

Indivíduos extremamente sensuais, criaturas com processos graves de consciência de culpa, seres vitimados por graves acidentes mecânicos no ápice da juventude e da saúde física, companheiros submetidos a dolorosos mecanismos obsessivos (alguns deles envolvendo subjugação por mais de um obsessor), irmãos que temem traumaticamente a morte, criaturas completamente materialistas e outros que desconhecem quaisquer informações sobre o mundo espiritual ou acreditam que irão “dormir” indefinidamente até a “ressurreição dos corpos no final dos tempos” são exemplos de candidatos a processos complicados de desencarnação.  Sobre estes últimos exemplos de materialistas e Espíritos que se prepararam psiquicamente para dormir indefinidamente, André Luiz relata passagens muito dolorosas na Obra “Os Mensageiros”, no capítulo 22, intitulado muito sugestivamente de “Os que dormem”. Neste capítulo, o mentor Aniceto esclarece que os irmãos ainda adormecidos eram contados em milhões. Tais Espíritos, que eram caracterizados por uma “cadavérica palidez” que “cobria-lhes a face”, seriam, segundo Aniceto, “as criaturas que nunca se entregaram ao bem ativo e renovador, em torno de si, e, mormente os que acreditaram convictamente na morte, como sendo o nada, o fim de tudo, o sono eterno”.   

Pelas Leis Naturais de Causa e Efeito, mesmo que irmãos encarnados e desencarnados intercedam através da prece, dos passes e de orientações no leito de morte, o quadro desencarnatório continuará muito difícil para o desencarnante. De fato, o benefício real que tais procedimentos podem realizar é sempre muito produtivo para o moribundo, mas de maneira nenhuma conseguirá alterar de improviso condicionamentos espirituais solidificados, muitas vezes de forma reiterada, durante toda uma encarnação.  

A título de ilustração analógica da discussão anterior, poderíamos citar o sono diário de todos os habitantes da Terra, pois realmente se trata de uma “pequena desencarnação”. De fato, uma prece, um passe, ou mesmo alguns conselhos positivos na grande maioria dos casos não são suficientes para modificar substancialmente fixações mentais negativas enfatizadas por pensamentos, palavras e atos durante todo o período de vigília. O próprio tratamento desobsessivo pela reforma íntima requer um esforço árduo e perseverante, o qual, frequentemente, abrange um grande intervalo de tempo.

A sabedoria popular estabelece, em concordância com pensadores do passado, que, para termos uma boa morte é necessário que tenhamos antes uma boa vida. A Questão 165 de “O Livro dos Espíritos” é muito elucidativa a respeito dessa dificuldade em se desfrutar de uma “boa morte”: 

165. O conhecimento do Espiritismo exerce alguma influência sobre a duração maior ou menor da perturbação? 

R:  Uma grande influência, pois o Espírito compreende antecipadamente a sua situação; mas a prática do bem e pureza de consciência são o que exerce maior influência. 

No que se refere ao supramencionado “cordão prateado”, é interessante registrar a magistral obra de Irmão Jacob (pseudônimo de Frederico Figner, ex-presidente da FEB), sob a psicografia do Apóstolo Francisco Cândido Xavier, intitulada “Voltei”. Logo no início deste livro, o referido Autor deixa claro que o rompimento definitivo do cordão prateado representou para ele um choque muito intenso, inclusive gerando um fortíssimo impacto físico em seu perispírito, que estava próximo ao cadáver durante o respectivo velório. Esse impacto foi tão pronunciado que o autor foi arremessado a alguns metros de distância. Neste contexto, devemos mencionar a quarta obra da série “A Vida no Mundo Espiritual” (também chamada série “Nosso Lar”) do autor espiritual André Luiz, também pela psicografia de Chico Xavier, que é intitulada “Obreiros da Vida Eterna”. Nesta obra, o Autor Espiritual estuda vários casos de desencarnação, sendo que, ao visitar o cemitério (Capítulo XV com título “Aprendendo Sempre”) por ocasião de uma dessas desencarnações (a desencarnação de Dimas), André Luiz narra cenas muito ilustrativas com relação a essa diferença entre “morrer” e “desencarnar”. De fato, o Benfeitor Espiritual descreve a situação de uma irmã desencarnada, aparentando trinta e seis anos, e afirma: “a desventurada sentia todos os fenômenos da decomposição cadavérica e, examinando-a detidamente, reparei que o fio singular, sem a luz prateada que o caracterizava em Dimas, pendia-lhe da cabeça, penetrando chão a dentro”. Esse Espírito estava literalmente “assentado” sobre a própria lápide, preso aos despojos carnais pelo laço fluídico, que, a priori, deveria ser prateado (em seu caso não tinha o brilho característico dos Espíritos mais evolvidos como, por exemplo, Dimas), ainda intacto. André Luiz elucida que eram vários Espíritos nessa mesma condição, além de outros enfrentando contextos ainda mais acerbos, e explica que essa situação, dependendo das condições espirituais do desencarnante, poderia se prolongar por tempo indeterminado. 

Vale mencionar ainda o famoso capítulo 31 de “Nosso Lar” (André Luiz/Francisco C. Xavier), denominado “A Visão de Francisco”. A respectiva visão, que muito aterrorizava Francisco, era justamente seu próprio cadáver já em avançado estado de decomposição. Francisco havia se mantido “imantado” ao corpo por vários dias não aceitando a desencarnação por rebeldia e ignorância da realidade espiritual da vida. Essa atitude gerou graves frustrações até que a putrefação do corpo o atemorizou tanto que fez com que Francisco deixasse seu mausoléu profundamente transtornado. 

Os casos supracitados, os quais foram obtidos de obras da mais alta credibilidade e consistência doutrinária, ilustram de maneira bastante eloquente aquilo que está bem estabelecido nos livros básicos da Codificação, ou seja, o período de perturbação durante e após a morte é muitíssimo variável tanto em intensidade como em duração. Cada morte, assim como cada renascimento, consiste em uma experiência de caráter único, apesar das evidentes linhas gerais que caracterizam todos os processos. Aliás, no fim do referido capítulo XV de “Obreiros da Vida Eterna”, o Mentor Espiritual Jerônimo assevera literalmente que “não se verificam duas desencarnações rigorosamente iguais. O plano impressivo depende da posição espiritual de cada um”. Por conseguinte, ignorar tal realidade seria tomar uma atitude irresponsável consigo mesmo e, sobretudo, com incontáveis irmãos que desencarnam nas mais variadas condições. 

É imprescindível frisar a recomendação do benfeitor espiritual Emmanuel quanto ao tempo de espera necessário para que o processo de cremação não seja lesivo ao Espírito desencarnante. O mentor de Chico Xavier aconselha que se mantenham os despojos carnais em câmara fria por, no mínimo, 72 horas, antes que a cremação seja efetuada. Ora, 72 horas é um tempo muito superior aos intervalos requisitados para a retirada de órgãos que visem à doação, o que nos remete a acuradas reflexões sobre os motivos que teriam levado o sábio guia espiritual a enunciar tal recomendação. Certamente, em intervalos de tempo inferiores a 72 horas existe um significativo risco de trauma psicológico e/ou perispiritual para o Espírito desencarnante. De qualquer maneira, a retirada de um órgão não deixa de ser algo bem menos drástico do que a cremação propriamente dita de todo o cadáver, mas, ainda assim, merece certo cuidado. 

Dentro deste contexto, a questão envolvendo a doação de órgãos se torna um pouco mais complexa do que muitos asseveram, pois ninguém poderá assegurar, com absoluta certeza, a condição espiritual do desencarnante, uma vez que tal situação é multifatorial, sendo, antes de tudo, um estado de consciência muito particular e de difícil avaliação. 

Muitos defenderão a ideia de que a doação em si mesma consiste em relevante gesto de amor e que tal iniciativa deverá gerar efeitos analgésicos para o Espírito desencarnante.  Esta observação é altamente plausível, entretanto, duas ressalvas necessitam ser consideradas. Em primeiro lugar, esse gesto de amor tem de ser proposto pelo próprio doador e não imposto pela família à revelia do moribundo. O fato de a iniciativa partir do próprio doador implica o seu livre consentimento, que é o primeiro passo para que o mesmo não reaja com revolta se eventualmente sentir algum nível de dor. E, em segundo lugar, o doador deve estar ciente de que, mesmo sendo um gesto meritório, ele não o isentará de um risco, mínimo que seja, de sofrer pelo menos uma pequenina dor. Este segundo pré-requisito já é mais complexo do que o primeiro, uma vez que tal consciência requer um significativo nível de informação e conscientização sobre a vida espiritual, com especial destaque para o processo da morte propriamente dito. 

A revolta contra o “roubo” do órgão associada à dor, muitas vezes intensa da sua retirada, pode transtornar profundamente o Espírito desencarnado, o qual poderia, inclusive, desconhecer sua condição de desencarnado. Nessa situação, em concordância com elucidações de Joanna de Ângelis em “Dias Gloriosos”, esse Espírito pode agredir o encarnado recebedor do órgão, que, se estiver em sintonia psíquica, permitirá o estabelecimento de eventuais processos obsessivos (Capítulo intitulado “Transplantes de Órgãos”). Essa situação é bastante grave, pois o encarnado em questão já se encontra debilitado fisicamente e um processo obsessivo deste nível pode atenuar suas resistências físicas e morais, favorecendo, inclusive, a ocorrência da rejeição do órgão. Interessante acrescentar que Joanna de Ângelis recomenda que o receptor de órgãos intensifique um processo de reforma íntima, enquanto os imunossupressores estão sendo administrados, já que, após a suspensão da administração destes medicamentos, se o perispírito apresentar problemas cármicos associados ao órgão transplantado, poderá ocorrer a rejeição deste órgão.  

De fato, várias vezes na obra de André Luiz fica explícito que a falta de informação religiosa de qualidade gera uma terrível dificuldade de adaptação ao mundo espiritual, a começar pelo fenômeno da morte. É óbvio que a condição moral do Espírito e seus méritos durante a vida física em termos de obras no campo do bem sempre serão os fatores mais determinantes para a condição espiritual do recém-desencarnado. Todavia, conforme a resposta da falange do Espírito da Verdade a Allan Kardec na já citada Questão 165 de “O Livro dos Espíritos”, o conhecimento da realidade espiritual exerce representativa influência dentro deste quadro multifatorial. Na obra “Obreiros da Vida Eterna”, no Capítulo XVIII denominado “Desprendimento Difícil”, o desencarnante Cavalcante, fiel católico apostólico romano, passa por maus bocados devido ao seu verdadeiro pavor da morte, apesar de ser uma criatura digna da mais elevada assistência no processo de morte em função de seus merecimentos espirituais acumulados durante a respectiva encarnação. André Luiz afirma que “o pobre amigo permanecia agarrado ao corpo pela vigorosa vontade de prosseguir jungido à carne”. O Autor Espiritual continua a esclarecer o doloroso quadro asseverando que era possível identificar “naquele agonizante que teimava em viver de qualquer modo no corpo físico, o gigantesco poder da mente, que, em admirável decreto da vontade, estabelecia todo o domínio possível nos órgãos e centros vitais em decadência franca”.

Na obra “Além da Morte” do Espírito Otília Gonçalves, pela psicografia de Divaldo P. Franco, há igualmente um caso de desencarnação que merece muita atenção. Logo no início do livro, Otília Gonçalves, que havia sido diretora da Mansão do Caminho, e que, segundo o próprio Divaldo Franco, era um Espírito caracterizado por uma bondade e por uma abnegação bem acima da média, conta alguns momentos dolorosos de sua própria desencarnação. Em função de não orar e também de estar muito apegada aos trabalhos do mundo físico (incluindo aí, os trabalhos da própria Mansão do Caminho, sobretudo no que se refere aos cuidados com as crianças vinculadas à Instituição), a ex-diretora passou por momentos de profunda tortura moral. Essa angústia por deixar o trabalho, mesmo sendo o trabalho no bem, gerou um quadro de preocupação exacerbada, fazendo com que ela sofresse muito, antes de ser socorrida. 

Dentro desta análise, alguns eventos associados a Chico Xavier não podem ser olvidados. Realmente, nosso Missionário da Mediunidade com Jesus nos proporcionou algumas informações que necessitam ser registradas. 

Com o advento dos transplantes de córnea, Chico Xavier psicografou três mensagens oriundas de Espíritos cujos corpos forneceram esse tecido para determinados pacientes. Apesar de estes três Espíritos agradecerem a iniciativa, alguns deles registraram que inicialmente sentiram uma dor de significativa intensidade em função do procedimento de retirada dos tecidos. O saldo foi considerado positivo por estes Espíritos, mas, obviamente, Espíritos mais atrasados poderiam não ter a mesma opinião. Ademais, é fundamental considerar que o transplante de córnea é o mais trivial do ponto de vista das questões de bioética espiritual, uma vez que tal retirada pode ser efetuada várias horas após o óbito, o mesmo não acontecendo com vários outros tecidos que são altamente vascularizados, isto é, irrigados pela corrente sanguínea. Realmente, órgãos de maior vitalidade e maior rapidez de decomposição necessitam de uma “retirada”, na pior das hipóteses, imediatamente após o óbito, pois a parada cardiorrespiratória implica na interrupção das trocas gasosas dos órgãos e, consequentemente, em um início do processo de degeneração. Dentro deste enfoque, o transplante de coração seria, atualmente, de alta complexidade por exigir uma retirada com total vitalidade, ou seja, com os seus batimentos intactos. Desta forma, poderíamos supor que o transplante de coração se trata da doação mais difícil sob a ótica da ética espírita, visando um processo seguro que não corra o risco de apresentar quaisquer correlações com a eutanásia. 

Deve ser considerado que os processos de morte variam muito, sendo complexos mecanismos multifatoriais. De fato, evolução moral, conhecimento sobre a realidade espiritual da vida física e da vida após a morte, momento emocional do indivíduo, hábito de orar, apoio familiar, evolução espiritual da família, conhecimento espiritual, sobretudo espírita, do desencarnante e da família, fenômeno físico que levou à morte (doenças ou acidentes mecânicos) são fatores que influenciam decisivamente no mecanismo de desligamento do espírito em relação ao corpo. Assim, quando se analisa o mecanismo de desligamento do corpo, todos esses fatores repercutem no tempo total necessário para o desligamento, no tipo de “companhia espiritual” que o desencarnante vai desfrutar e na intensidade da perturbação que o moribundo vai estar submetido. Quando o desencarnante, em função dos seus méritos e do seu equilíbrio atual, recebe a presença de Espíritos protetores para assessorá-lo, o processo tende a ser mais fácil. Por outro lado, o desencarnante pode não trazer predicados morais significativos, nem uma obra útil representativa em sua encarnação. Para agravar o quadro, o desencarnante pode ainda ser portador de grave processo obsessivo, o que significa que sua “vizinhança espiritual mais próxima” será um fator a mais para dificultar o processo de morte.  

Assim analisada, a doação de órgãos deixa de ser uma atitude focada na necessidade do futuro recebedor dos órgãos, mas fundamentalmente centrada nas condições do candidato a doador de órgãos. É óbvio que, se analisarmos somente o mérito da ação no campo do bem e a necessidade do recebedor, devemos aprovar totalmente a proposta básica da doação de órgãos. Entretanto, individualmente, o ser humano deve estar maduro, do ponto de vista espiritual, para tomar essa decisão e assumir as consequências dela. Uma atitude, em princípio positiva, pode não ser tão positiva para um determinado indivíduo, se analisarmos sua personalidade e o contexto de vida em que ele está inserido.  

De fato, nós valorizamos o trabalho no bem e prestamos homenagens aos apóstolos da bondade, mas, muitas vezes, mesmo que verdadeiramente predispostos às boas atitudes, devemos abdicar de realizá-las por reconhecer que não temos condição de fazê-las naquele momento. Se eu estou em uma praia e vejo uma criança se afogando, eu posso ter a iniciativa de me atirar ao mar para salvá-la, entretanto, se eu não sei nadar, isso só prejudicaria o trabalho daqueles que podem ajudar, porque nesse caso, os necessitados já serão em maior número, pois duas pessoas estarão se afogando. A boa intenção não nos isenta do processo de trabalho na preparação para a tarefa no bem. André Luiz, em Nosso Lar, conta a sua experiência ao requisitar ocupação na colônia espiritual. Ele desejava ser médico no mundo espiritual, assim como fora médico enquanto encarnado, mas, naquele momento, o ministro Clarêncio não aprovou o pedido. Ele teria que desenvolver outras atividades, em outros campos, crescendo intelectual e moralmente, para, em um futuro talvez não distante, estar em melhores condições para alcançar tal objetivo. Ademais, nós temos a liberdade de escolher que ação no campo do bem desejamos desenvolver. O próprio apóstolo Paulo já afirmava: “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo”. Realmente, a seara do senhor é imensa e é impossível trabalhar de forma intensa em várias frentes, quanto mais em todas elas.  

Para concluir esta análise, é interessante lembrar a afirmativa de Chico Xavier, já no fim da sua existência, de que ele não era doador de órgãos. É claro que pela idade e desgaste físico já não seria possível uma doação efetiva de órgãos por parte de Chico, à exceção talvez das próprias córneas pelo fato de não ser um tecido irrigado. Entretanto, independentemente disso, a postura de Chico Xavier em frisar que não era doador merece também um estudo mais sério. Ora, se todos os mentores espirituais são unânimes em, a priori, apoiar a doação de órgãos, por que o Apóstolo Chico se manifestaria desta forma?! Será que excessos na área não estariam acontecendo?! Ou seria apenas uma informação de um desejo particular do médium, sem maiores implicações gerais?! De qualquer maneira, apesar de valorizar a caridade, não podemos fazer todas as ações de caridade que gostaríamos e muito menos impor esse tipo de atitude a outros irmãos. Há pessoas que afirmam serem doadoras de órgãos, mas nunca doaram sangue na vida, e, às vezes, têm dificuldade para doar peças de roupas usadas ou pequenas cotas de alimentos aos mais necessitados. 

Em suma, a Doutrina Espírita aprova a doação de órgãos, mas essa iniciativa tem de ser livre e espontânea por parte do Espírito desencarnante. Ademais, seria muito útil o entendimento das implicações espirituais do processo para que haja uma racionalidade nessa decisão. Admitir que possa haver algum nível de dor no processo de doação de órgãos, mas que ele é totalmente compensado pelo benefício gerado para um irmão necessitado, é a melhor forma de se preparar para tal propósito. Temos um exemplo, por demais eloquente, com relação a esse contexto que é dor do parto. Toda mãe sabe que o parto gera significativo desconforto e, dependendo do caso, dores acerbas, mas o propósito de ser mãe e o amor pelos filhinhos supera, e muito, essa dificuldade. A doação de órgãos seria algo parecido.

     


 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita