MARCUS
VINICIUS DE AZEVEDO
BRAGA
acervobraga@gmail.com
Guará II, Distrito
Federal (Brasil)
Crônicas
de Natal
Bugigangas
Fim de ano, aquela
faxina de sempre. Dona
Rosalinda, cumprindo
aquele sagrado dever de
manter a casa arrumada
(como um reflexo da sua
vida), inicia aquele
balanço de fim de ano,
limpando atrás de
armários, desarrumando
gavetas, arrastando
estantes. Dessa tarefa
árdua, porém prazerosa,
que nos permite reviver
o ano que se passou,
sempre se materializa um
resultado: livros,
brinquedos,
discos...Tanta coisa que
já não nos serve mais.
Dona Rosalinda olha para
aquela montanha de lixo,
meio que apegada e já
ameaça enviar tudo para
o lixo, quando se lembra
das palavras do Padre
João na última noite de
quarta-feira na igreja,
onde, ao final da missa,
Dona Amélia, encarregada
da Pastoral, relembrou a
todos que a paróquia
estava aceitando doações
para as pessoas mais
carentes que no Natal
certamente não
receberiam nenhum
presente. Dona Rosalinda
olha então aquele monte
de presentes com outros
olhos. De repente,
aquele chinelo velho de
seu marido ainda teria
uso, haja vista que
estava desbotado e não
arrebentado. Aqueles
brinquedos de seu filho
estavam apenas sujos e
arranhados e poderiam
animar alguma criança; e
aquele seu vestido,
apesar do pequeno rasgo
embaixo do braço,
poderia ser o grande
“début” de uma
jovem mais pobrezinha.
Animada por esse
espírito de doação, Dona
Rosalinda recolheu as
coisas do lixo, deu uma
sacudida para tirar a
poeira, passou um
“Paninho” e dentro de um
saco plástico , segregou
o material em um canto.
Terminou a faxina e
ficou passeando pela
casa como que fazendo
uma “inspeção”. Feliz
por ter terminado mais
um ciclo, com a casa
reformulada e rearrumada
para enfrentar mais um
ano, lembrou-se do
material que separou
para levar à paróquia.
Pensou em levar logo o
material, pois estava
bem ali no meio da sala,
atrapalhando a arrumação
já concluída. Sem
pestanejar, colocou o
material no seu
automóvel e dirigiu-se à
igreja, que ficava a
duas quadras de sua
residência. Lá chegando,
havia uma caixa na porta
para recolher as doações
de Natal, com os dizeres
“Nosso Senhor agradece”.
Dona Rosalinda deixa
suas doações na caixa e
sai em seu carro, de
alma tranquila.
*
Noite de Natal! A casa
de Dona Rosalinda está
repleta de gente.
Familiares e amigos em
clima de festividade. Ao
perguntarem pelo vestido
que usou no Natal
passado, Dona Rosalinda
não titubeia em dizer
que doou com diversos
objetos para as obras da
paróquia, pois aquele
era um costume seu de
vários anos e que era
importante dividir com
os outros os nossos
bens, pois estávamos no
Natal. Suas amigas ficam
espantadas com tamanho
desprendimento, o que
ela justifica pelas
graças recebidas de sua
fé.
Na mesma noite do dia 24
de Dezembro, os
trabalhadores da
pastoral, ainda que
sobre os reclames de
seus familiares,
embrulham e preparam as
doações, que agora se
convertiam em presentes.
Fazendo também um
saboroso lanche, quando
se aproximava a meia
noite, o grupo se
dirigiu ao encontro do
morro do Bacundê, na
periferia da grande
metrópole, onde de casa
em casa, até o raiar do
dia, entoando cantigas
da cristandade, foi
distribuindo o lanche e
as lembranças, lendo um
trecho da bíblia,
falando do Cristo de
Deus, do sentido do
Natal e da importância
do amor e da
fraternidade entre os
homens. E na hora de
abrir o embrulho, era
aquela alegria: O
chinelo da casa de Dona
Rosalinda arrancou um
sorriso de seu Zé Gato
como há muito não se
via, pois ele não teria
mais de andar descalço.
O brinquedo velho da
mesma casa alegrou um
menino que estava de
cama com fratura na
bacia. E o vestido foi a
coqueluche de uma
adolescente que
despertava como uma flor
para as belezas da
juventude. Os abraços de
agradecimento
emocionavam os
trabalhadores, que viam
as lágrimas por alguém
ter-se preocupado com
eles naquela noite.
Finda a tarefa, os
corações emocionados
encerraram o trabalho
com a linda oração do
Pai Nosso, falando da
importância do Natal com
Nosso Senhor Jesus
Cristo.
E dona Rosalinda se
livrou de algumas
bugigangas.