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Crônicas e Artigos
Ano 2 - N° 60 - 15 de Junho de 2008

MARCELO HENRIQUE PEREIRA
cellosc@floripa.com.br
Florianópolis, Santa Catarina (Brasil)

Amar e mudar as coisas me interessa mais

Das batalhas de que é feita a vida, com todos os seus contornos e condicionantes, o homem faz escolhas – justificadas ou não – de acordo com o seu juízo de valor, interesse e desejos. Para alguns, determinados assuntos são próximos e relevantes. Os mesmos temas, para outros, nada significam. Vejo pessoas defendendo apaixonadamente (e, até, cegamente, porque a paixão, por vezes, oblitera a razão), impedindo qualquer perspectiva de diálogo e entendimento. Desde cedo, a escola nos molda o caráter para sermos vencedores e a vitória, em regra, não permite acordos ou conchavos, pois o recuo para a negociação, em si, representaria alguma derrota.

Vejo o movimento espírita, atualmente, no mesmo roteiro: uns e outros, aqui e alhures, “pensam” estar com a verdade. Mesmo inconscientemente, travam uma batalha (invisível ou palpável) para “vencer” seus “opositores”, ainda que demonstrem e digam o contrário. Não cooptam adeptos, não buscam desesperadamente seguidores, não querem ser os “únicos”... Será mesmo? Vejo textos e discursos, entrevistas e palestras, uns apontando os equívocos dos outros e, até, o “singelo” convite (que mais parece uma ordem) para que os “diferentes” constituam outro movimento, outra filosofia, adotem outro nome e identidade, mais pertinente às suas “buscas” e ideologia.

Confesso que, vez por outra, até mesmo eu me vejo envolvido nesta roda-viva, combatendo os que me combatem – ainda que seja, neste propósito, o “bom combate” de Paulo. Lendo retóricas inflamadas, textos coléricos ou ensaios contraditórios e desprovidos, por vezes, de bom senso e fraternidade, sou movido à resposta, ao rebate, à réplica. Tenho dito que a liberdade de pensar é a mais relevante aptidão do ser, quando adquire a consciência de si mesmo e se põe a caminho, como cidadão do Universo e exercê-la, em todo e qualquer setor da existência espiritual, é um direito.

Nesse exercício, a busca pela plenitude se faz mais evidente, sobretudo pela possibilidade de comparação entre as minhas verdades pessoais e as dos outros, permitindo-nos ver os outros lados de cada situação. Há quem se sinta, em verdade, desconfortável em ter que “descer” da tranqüilidade dos seus conceitos íntimos para cogitar de outras idéias, as quais, não raro, impõem-nos mudanças, sobretudo quando percebemos a existência de “atalhos” no caminho. Quando um recente presidente do Brasil declarou, em alto e bom tom, após assumir a cadeira principal do poder político nacional, para que esquecessem o que ele havia (dito e) escrito, sobretudo em relação aos seus estudos teórico-acadêmicos, ele foi logo rechaçado pela crítica especializada e pela imprensa, imaginando que o personagem estivesse aplicando, na prática, o conhecido jargão do “faz o que eu digo, mas não o que eu faço”. Ledo engano. O que ocorreu com ele pode ser visualizado cotidianamente em relação a nós outros, sobretudo quando a nossa “experiência de vida” ainda não cotejou dadas ocorrências e situações, ou o nosso espectro de análise e visualização sequer havia contemplado outras hipóteses diferentes das que conhecíamos, até então.

Por isso, a cada passo da trajetória, considerando que nunca devemos estar parados, inertes, estacionados, somos sujeitos ao despertar, à revisão de conceitos e práticas, à mudança... A maturidade (que nem sempre está associada ao tempo de vida ou à quantidade de anos envolvidos com dada atividade, mas que pode, também, decorrer de um, de outro ou de ambos) permite que o indivíduo “reveja seus conceitos” e passe a assimilar, entender, raciocinar, falar, escrever e/ou viver de outros modos – e que estes sejam, preferencialmente, melhores, mais despertos e felizes.

Independentemente da minha e da sua convicção – aquilo que cada um crê ser “a” verdade – tenho tentado perceber e vivenciar “quais” são as diferenças, “porque” elas existem, “em que” conceitos e parâmetros elas se baseiam. E, mesmo que haja o embate – que decorre da defesa (incondicional, veemente ou intransigente) daquilo que cada um acredita –, importante é o momento em si da dicotomia, da pluralidade das percepções e dos significados. Algumas vezes, a “obstrução”, a oposição do outro às nossas argumentações não são, em si, tão prejudiciais (a princípio) como possamos pensar. Elas servem para fortalecer nossa própria convicção íntima e para aperfeiçoar nossa capacidade de nos expressar perante os outros.

Mas, se mesmo assim, a presença de uma idéia ou argumentação diferente da sua lhe motivar a reestruturar seu pensamento, suas “crenças” e seus valores, aprenda com a experiência! Viva este momento como único e descubra-se! Sem o temor de ser “superado” ou de “perder o chão”, entenda que a mágica da vida é o próprio viver, e não há existência sem contato e convivência. Por isso, grandiosa é a relação que Belchior faz entre o viver e o conviver: “Amar e mudar as coisas me interessa mais”.
 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita