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Crônicas e Artigos
Ano 2 - N° 52 - 20 de Abril de 2008

JOSÉ CARLOS MONTEIRO DE MOURA
jcarlosmoura@terra.com.br
Belo Horizonte, Minas Gerais (Brasil)
 

 
O infanticídio


De um modo geral, a atenção dos que se empenham na luta pela preservação da vida humana se acha quase toda voltada para os três temas que despertam um maior interesse nos meios de comunicação: o aborto, a eutanásia e a pena de morte. Existem, contudo, alguns fatos que atentam violentamente contra a existência do homem e que, por não ultrapassarem os limites mais restritos das Varas e Câmaras Criminais, não causam o mesmo impacto que os outros, embora sejam tão condenáveis quanto eles.

Entre eles se encontra o infanticídio, um dos quatro crimes contra a vida definidos pelo Código Penal. Trata-se de uma das figuras delituosas que, doutrinariamente, integra o rol dos chamados “crimes próprios”, uma vez que somente pode ser praticado pela mãe e, mesmo assim, em face de certas circunstâncias especiais. Constitui, inegavelmente, uma modalidade de homicídio, embora com nome diferente.  O seu caráter sui generis trouxe-lhe como conseqüência um tratamento penal duplamente privilegiado: pena de detenção, cujas implicações são bem mais suaves do que a cominada ao homicídio, e quantum  excepcionalmente brando.

Para este último a lei penal estabeleceu uma graduação tríplice das sanções privativas da liberdade: a  mais grave, doze a trinta anos de reclusão, para as formas qualificadas; a básica,  seis a  vinte anos de reclusão,  para a forma simples;  e uma menos  severa,  redução facultativa de um sexto a um terço,  para as formas privilegiadas. Via de regra, em  mais de noventa por cento dos casos,  a pena que se toma como referencial para a diminuição retro mencionada é a cominada ao homicídio simples. Isso importa dizer que o réu condenado por essa espécie de crime estará sujeito a uma condenação nunca inferior a quatro anos, que, matematicamente, corresponde à operação correspondente à redução de um terço, do mínimo de seis anos estabelecidos pelo Código. 

No caso de infanticídio, a situação é bem diferente.  A pena é de detenção e os limites mínimo e máximo foram excepcionalmente reduzidos para dois e seis anos.  Para tanto é necessário que a mãe, sob a influência do estado puerperal, mate, durante ou logo após o parto, o próprio filho, nos termos do artigo 123 CP: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de 2 a 6 anos” 

Conquanto a expressão infanticídio, em sua concepção comum, signifique a morte de qualquer criança, sendo inclusive empregada para designar o aborto, do ponto de vista do Direito Penal ela se contem nos limites da definição acima.   

O crime integra o ordenamento jurídico brasileiro desde a época do Código Criminal do Império, editado em 1830.  De lá até esta data, constou, embora com variações, de todos os Códigos que vigoraram no país e deverá permanecer no que se encontra em votação no Congresso. Nele é repetido, quase que literalmente, o atual artigo 123, mas a pena, em seu grau máximo, é reduzida para quatro anos.  O privilégio concedido às mães permanece atrelado ao chamado critério fisiopsicológico, em que se leva em conta a influência do estado puerperal.

A situação criada por esse posicionamento do legislador penal parece entrar em choque com as normas que regulam a imputabilidade penal, cujo requisito básico repousa exatamente no fato de o agente, ao tempo do cometimento do crime, ser inteiramente capaz de entender o seu caráter ilícito ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Se, em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ele não sabia ou não entendia o que estava fazendo, será isento de pena (artigo 26, caput, CP.). Mesmo nos casos em que essa sua capacidade de agir ou de entender é reduzida, em decorrência de alguma perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ele será considerado semi-imputável e a pena, diminuída de um a dois terços (artigo 26, parágrafo único, CP).  

Em face desses dispositivos legais, a mãe que viesse a matar o filho, durante logo após o parto e sob a influência do puerpério, ou estaria isenta de pena (no caso inimputabilidade plena) ou sujeita à pena cominada para o homicídio (simples ou qualificado), com a redução retro mencionada, (se portadora de semi-imputabilidade). No caso de ela não se enquadrar em uma das duas hipóteses, responderia por homicídio, simples ou qualificado, conforme fossem as circunstâncias em que tivesse agido.

Todavia, não é o que se verifica à luz da lei penal em vigor (e da que possivelmente entrará em vigor ),  porquanto o artigo que disciplina o infanticídio  é, em relação ao que cogita da imputabilidade, uma “norma especial”, cuja prevalência  sobre aquela,   de natureza geral,  constitui ponto pacífico no âmbito do Direito Criminal: especialia derogant generalia.  Por isso, conforme já visto, na vigência do atual Código, a pena variaria de dois a seis anos de detenção. Nos termos da reforma em andamento no Congresso, seria de dois a quatro anos de detenção.

Do ponto de vista teórico-penal, esse delito tem ensejado o aparecimento de inúmeras controvérsias e disputas, principalmente no que tange à figura do terceiro que participa do crime e que, por força da teoria adotada pelo Código quanto ao concurso de agentes, responde pelo seu cometimento, mesmo que se trate de pessoa do sexo masculino e que, por absoluto impedimento natural, jamais poderá sofrer qualquer influência do estado puerperal!

O tema, no entanto, foge inteiramente ao objetivo destas considerações. O que realmente importa e está a exigir uma maior reflexão dos espíritas é a lamentável conclusão a que se é conduzido:  os penalistas brasileiros  dão a entender que  atribuem   uma importância muito pequena  à vida  dos que estão  reiniciando uma nova jornada evolutiva no plano físico, tendo em vista o verdadeiro “paternalismo” com que tratam os autores dos crimes contra eles. Embora a severidade da penas nem sempre implique uma sociedade realmente justa, é inegável que, no estágio atual da civilização, ela ainda é um fator primordial para que se possam aferir os valores sobre os quais se assenta a organização social. Uma sociedade que não se importa com a vida de seus cidadãos, a ponto de consagrar, em sua legislação, situações que permitem o reconhecimento, implícito ou explícito, do pretenso direito de matar, não conseguirá sobreviver às intempéries que fatalmente cairão sobre ela.

Alega-se, em defesa da posição do Código, que “a mulher em conseqüência das circunstâncias do parto, referentes à convulsão, emoção causada pelo choque físico etc, pode sofrer perturbação de sua saúde mental” (DAMÁSIO E. DE JESUS, Direito Penal, Ed. Saraiva São Paulo, 1991, Vol. 2, p. 93).

Outros países preferem adotar como fator determinante do benefício o motivo de honra. Neste caso, a morte do recém nascido terá que ter como fim a ocultação da gravidez, que se pressupõe ilegítima e capaz de ocasionar a desonra da mãe.

Não obstante, nenhum dos dois merece o respaldo da ética, sobretudo da que é perfilhada pelos autênticos seguidores do Cristo. Não se cogita, no caso, de uma permissão para matar, como as que se encontra em algumas inovações relativas ao aborto e à eutanásia e que se pretende introduzir no Brasil no anteprojeto da reforma penal. Todavia, a benignidade do tratamento penal, inteiramente incompatível com a brutalidade e a covardia do crime, acaba por se transformar em incentivo à sua prática, já muito comum em alguns segmentos da sociedade em que o instinto ainda fala mais alto.

Daí resulta que já é hora de os espíritas adotarem uma postura corajosa no sentido de se dotar o país de uma legislação penal consentânea com os verdadeiros valores éticos e na qual o enorme abismo, que se estende entre o Direito e a Moral, vá, progressivamente, diminuindo o seu espaço. Só assim será possível estabelecer uma maior e efetiva aproximação dos campos de ação dos dois, o que implicará um grau de convivência e harmonia em que estarão plenamente identificados.

Trata-se de um empreendimento difícil e de longo prazo, mas quanto mais tempo se deixar passar, mais problemático ele será. Ademais, os hábitos e costumes, que irão sendo formados sob o pálio de uma legislação materialista, imediatista e destituída de um conteúdo ético superior, acabarão por se transformar em poderosos entraves a essa tentativa e as conseqüências que advirão desse estado de coisas serão, inevitavelmente, muito mais dolorosas.

A promessa de uma futura liderança espiritual do Brasil não poderá servir de desculpa para o adiamento de uma ação que já se revela tardia. Os que se iludem com a cômoda idéia de que a Espiritualidade providenciará para que tudo ocorra há seu tempo, esquecem-se de que é indispensável a concreta participação de todos quantos se acham comprometidos com a causa do Evangelho, sem o que o objetivo final não será alcançado.

Caso contrário, a advertência feita por Jesus aos príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo, “o reino de Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos (Mat. 21: 43), não estará longe de ter como destinatário o próprio povo brasileiro.   


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita