Ensinar a ver a beleza e o bem
“O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de
generosidade, as pequenas covardias do cotidiano, tudo
isso contribui para essa perniciosa forma de cegueira
mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo,
ou só ver dele o que, em cada momento, for suscetível de
servir os nossos interesses.” José
Saramago
A criança é naturalmente curiosa. Espanta-se diante de
uma árvore frondosa, uma formiga em marcha no gramado da
pracinha. Ah, que bonito é o bem-te-vi, o gato ágil do
vizinho!…
Em uma sociedade bombardeada pelos excessos – coisas
belas e coisas feias, é preciso ter o cuidado de mostrar
para os nossos filhos os encantos do mundo, as
delicadezas que permeiam nossa casa, nosso jardim, os
vasos de plantas, o céu ensolarado, a tranquilidade do
bairro.
Há tanto para desfrutar no parque! O silêncio, o vento,
as borboletas. Reconhecer, por exemplo, no decorrer da
semana, o valor da limpeza do pátio da escola…
“A primeira tarefa da Educação é ensinar a ver”,
sustentou Rubem Alves. Sim, pois a criança precisa criar
conexão estreita com a beleza e o fascínio do mundo.
Aprender a sentir gosto por tudo o que encanta: o voo do
passarinho, o seixo de rio, a flor amarela, uma pipa no
céu.
Se cabem às escolas os conteúdos classificatórios, as
teorias, as atividades matemáticas e gramaticais, aos
pais é solicitado a prática de “boa visão”: alegrar-se
com o sossegado cão a passear na rua, a sombra fresca da
mangueira no quintal da avó, o voo do urubu no céu da
tarde na cidade.
Há sempre tanto para ver, tanto para aprender, uma boa
palavra, uma atitude graciosa na hora da refeição, que
desperte na criança tanto o apetite como o costume da
gratidão…
“Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu”,
aclarou Rubem Alves. É tarefa do pai e da mãe desvelar,
com paciência, o mundo e as coisas do mundo para o filho
pequeno, ajudando-o a manifestar assombros, descobertas,
a aventura de crescer norteado por cultura e natureza, a
alegria de viver e expandir bons hábitos e eficientes
saberes.
Recordo bem o dia em que levamos minha filha para
conhecer uma praça em Campinas. Ela, pequenina,
encantou-se com um pé de amora, cujos frutos a cativaram
de imediato. O lugar ganhou o apelido de “praça da
amora”. Brincamos muito ali e, juntos, descobrimos que
além do pé de amora havia uma bela paineira, algumas
pitangas e flores diversas. Bichos e aves foram vistos e
aclamados, a alegria do viver, a beleza do instante.
Tudo isso marcou a nossa vida, ajudando nossa filha a
crescer consciente da necessidade de harmonia e sossego
para compor seus dias, sua rotina…
“Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem… O
ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido”,
insistiu Alves.
É tarefa nossa, dos pais, ensinar a ver o bem, a beleza
– nas pessoas (os atos de bondade, as atitudes
generosas), no mundo, nas coisas. Pois será isso que nos
estimulará a melhorar o mundo. Ou seja, torná-lo mais
harmonioso, mais norteado pela paz e pelo bem…