O cérebro triúno, a família e o
Espiritismo
Desde Darwin, os estudiosos do cérebro e da mente
perceberam que a necessidade de adaptação às mudanças do
ambiente fez com que o organismo criasse mecanismos
capazes de responder à altura das necessidades. Neste
sentido de investigação, Paul MacLean desenvolveu sua
teoria do cérebro triúno. Seu artigo de 1949 representa
o ponto de partida pessoal para avançar sobre o
desenvolvimento do cérebro, os quais, em uma certa
licença poética, o autor (MacLean, 1977) vai dizer que
há três computadores biológicos com estruturas, funções
e químicas diferentes dentro do ser humano. Estes três
“computadores” são: o cérebro reptiliano, o cérebro
paleomamífero (ou límbico) e o cérebro neomamífero (ou
neocórtex). Tais cérebros representam a tríade clássica
dos instintos, emoções e pensamentos (Levine, 2017). Do
lado do Espiritismo, algo semelhante vai ser expresso
por André Luiz e seu mentor Calderaro no livro No
mundo maior, de 1947. Ou seja, dois anos antes dos
trabalhos de MacLean, que somente a partir da década de
1960 teria condições de trazer à tona e reunir sua
teoria do modelo do cérebro triúno. Para André Luiz e
Calderaro, a casa mental é composta por três andares,
com correspondência aos cérebros propostos por MacLean.
O cérebro reptiliano é a estrutura mais antiga e com
conexões relacionadas aos instintos, as atividades
automáticas do corpo como respiração, digestão, sistema
circulatório, regularização da temperatura, etc. O
cérebro reptiliano também é chamado de Complexo R e está
presente nos répteis, aves e mamíferos modernos. Isso é
devido que há ancestrais comuns, tais como o réptil
primitivo cotilossauro (MacLean, 1985). Ou seja, dos
répteis primitivos devido às mudanças ambientais e as
adaptações, foram dando lugar para animais mais
diferenciados, tais como as aves e mamíferos.
Entretanto, a natureza não despreza a estrutura antiga,
mas passa a integrá-la de uma forma que continue ainda
útil e ativa. Assim, o cérebro reptiliano é como uma
espécie de camada mais interna que irá acomodar as
estruturas mais recentes, tais como o cérebro límbico e
o neocórtex (MacLean, 1985). Dos répteis para os
mamíferos primitivos, teve que existir as necessidades
ambientais para que houvesse este desenvolvimento, bem
como talvez a possibilidade de escolhas. Uma delas
parece ter sido a família. Assim, as diferenças mais
significativas entre répteis e mamíferos em termos
comportamentais são: o cuidado maternal, a comunicação
vocal entre pais e filhos para manter a ligação parental
e as brincadeiras (MacLean, 1985). De modo geral, os
répteis botam seus ovos e seus filhotes já estão prontos
para lidar com as aventuras do meio ambiente desde o seu
nascimento. Apenas os filhotes estão privados das
atividades reprodutivas. Praticamente todas as outras já
se encontram prontas e ativas através dos instintos. Não
há necessariamente o cuidado parental e até mesmo a
falta de comunicação vocal favorece a sobrevivência dos
filhotes para não serem comidos pelos adultos da
espécie. Já nos mamíferos, há o cuidado dos pais para
com os filhos. Há também certa vocalização e o chamado
dos filhos para com os pais quando se tem problemas,
tais como a fome ou até mesmo perigo iminente. Este
cuidado entre pais e filhos também repercute na questão
do cérebro e há, assim, a necessidade de uma estrutura
capaz de lidar agora com as emoções, mesmo que
primitivas. É o cérebro límbico que ganha importância e
representativa nos mamíferos (Corey, 1999). Não se pode
dizer quem surgiu primeiro, se a ligação pais-filhos, ou
o cérebro límbico que criou esta necessidade.
Entretanto, percebe-se que junto com este
desenvolvimento há também uma mudança e sofisticação do
sexo da procriação para a questão do afeto e do amor. A
prole não apenas como o repositório genético dos pais
para o mundo, mas também fonte para amar, seja através
do amor filial, parental e também, entre o casal. É a
família que aparece agora não apenas como um número na
multidão da espécie, mas algo personalizado. Entretanto,
como observa MacLean (1985, p. 415): “Quando os
mamíferos optaram por um estilo de vida familiar, eles
criaram as condições para uma das formas mais
angustiantes de sofrimento. Uma condição que, para nós,
torna tão doloroso ser um mamífero é ter que suportar a
separação ou o isolamento dos entes queridos e, no
final, o isolamento total da morte” (tradução nossa).
Romper com esta separação talvez seja o desafio para o
Espiritismo e para o futuro do próprio aparato
mente-cérebro.
Para MacLean (1985), a rota que os mamíferos tiveram ao
adotar uma estratégia coletivista voltada para a família
fez com que ganhasse de um lado a capacidade das
emoções, bem como também maneiras de lidar com as dores
dessas emoções e as possibilidades futuras de
desenvolvimento. Não é de se estranhar que vontade e
esforço sejam colocados nesta região do cérebro por
Calderaro.
Neste mesmo sentido, quando houve o aparecimento da
questão do cuidado e da solidariedade entre indivíduos é
que se pode dizer que houve o aparecimento da
civilização (Fiorillo, 2023). Tanto no cérebro
reptiliano, quanto no límbico as comunicações não são
verbais. E foi necessário este aparecimento do cérebro
intermediário para que as emoções primitivas, bem como a
linguagem, mesmo que não verbal, pudesse ter sido
inicializada para ganhar a maturidade na próxima região.
E somente com o aparecimento do neocórtex é possível a
comunicação falada, que mais tarde será também
registrada na forma escrita.
No neocórtex, também chamado de cérebro neomamífero, tem
o ser humano como rei. O neocórtex, localizado no lobo
frontal, representa a última parte de desenvolvimento do
modelo de cérebro atual. Com ele vem as questões da
comunicação e da motricidade mais sofisticadas, dos
cálculos, da possibilidade de planejamento para o
futuro, bem como as questões da aprendizagem e
idealização de forma mais ampla. Por meio do neocórtex,
a aprendizagem é dinamizada, bem como a própria
personalidade. No neocórtex, as expressividades do afeto
agora se tornam cada vez mais sofisticadas, como
historicamente lemos nas primeiras músicas dos
trovadores medievais, nos poemas de amor, nos romances.
Por meio da comunicação, agora o afeto não é mera
sensação física provinda dos cinco sentidos, mas é
testado e destilado pelo tempo e pode ser sentido também
pela mente. Através do avanço da família, vemos que o
aparelho cognitivo, mente-cérebro, precisa estar cada
vez mais calibrado e apto para dar suporte a consciência
e suas escolhas do livre arbítrio e para o futuro ideal.
É preciso ser cada vez melhor observador, seja das
coisas ditas e não ditas, do nosso mundo exterior e
interior para termos condições de nos adaptar cada vez
melhor às exigências e pedidas do meio. Seja agora meio
externo, seja interno.
Para Darwin, a adaptação é o mecanismo de evolução. Foi
a família como chave mestra que levou os seres mais
primitivos a estruturar suas emoções, sentimentos e
agora pensamentos e razão para o bem estar maior.
Sacrificar-se pela família, dedicar o seu presente para
o futuro do outro é talvez a grande chave para a próxima
revolução. Não é de estranhar que os autores Prada,
Iandoli e Lopes (2020) destacam que não somente o
cérebro triúno mostra as pegadas de desenvolvimento do
ser humano, como também deixa pistas sobre as “cenas dos
próximos capítulos”. Harmonia e luz. Equilíbrio e
serviço ao próximo. Balanço e alteridade ao invés de
desequilíbrio e egoísmo. Cada vez mais, desde pontos de
vistas espirituais e até mesmo materialistas como é o
caso dos estudos na neurociência, há a percepção do ser
humano abraçar o próximo como a si mesmo para seu
próprio benefício. Fazer as boas semeaduras para que as
colheitas venham a contento.
Neste sentido, mesmo com o avanço tecnológico, é
essencial que o ser humano não desvie de seu rumo à luz.
O cérebro reptiliano, o límbico e o neocórtex
representam o estado atual da arte do aparato cognitivo
cérebro-mente. É vital que cada vez mais abracemos tanto
a família, seja de sangue, seja de afinidades, como
caminho para a vida e a verdade. Nas palavras de MacLean
(1985, p. 416): “as estruturas orientadas para a família
em consideração devem permitir-nos obter uma visão
holística do mundo e trabalhar para o futuro da família
humana como se fosse uma extensão da nossa própria
família imediata” (tradução nossa).
As lições do nosso senhor Jesus Cristo retratam
justamente esta estrada a ser percorrida. Amor, perdão e
trabalho, seja para aqueles que temos afinidades, seja
também para os nossos desafetos que, na visão espírita,
tem conexões estreitas com os parentes consanguíneos. Em
outras palavras, sejamos bons para com todos, pois
somente aquilo que doamos de amor para os outros, aquilo
nos pertence. Ou nas palavras de Emmanuel: “Possuímos
aquilo que damos”. Que o nosso próximo cérebro nos
auxilie a ver, a observar e a estar juntos no trabalho
com as pessoas que amamos e com as maravilhas do
universo como uma polifonia de reverência e amor ao
nosso Deus criador.
Referências:
Cory, G. A. (1999). MacLean’s triune
brain concept: In praise and appraisal. In G.A. Cory
(Auth.),
The reciprocal modular brain in economics
and politics (pp.
13–27). Springer, Boston, MA
Emmanuel. Fonte viva. Cap. 117.
Brasília Feb.
Fiorillo, M. (2023). Conflitos e
diálogos. 07/08/2023.
Levine, D.S. (2017). Modeling the
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MacLean, P.D. (1985). Brain Evolution
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Prada, I.L.S., Iandoli Jr, D., Lopes,
S.l.S. (2020). O cérebro triúno a serviço do espírito.
São Paulo: AME Brasil.