A linguagem contemporânea e a essência do
Espiritismo
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Natural de Carmo do Paranaíba, MG, Victor Hugo
Guimarães tem 26 anos, é professor de língua
portuguesa e vem se destacando como jovem
palestrante espírita pelo país. |
Mestrando em linguística na Universidade Federal de Juiz
de Fora, MG, cidade em que reside atualmente, Victor foi
criado em lar espírita, mas revela que somente a partir
dos 15 anos tornou-se realmente espírita, depois de uma
crise existencial. “Uma pergunta mais profunda
atravessou a minha alma: o que que eu estou fazendo
aqui?”. Participante da Fraternidade sem Fronteiras,
organização não governamental sem fins lucrativos – que
busca prover apoio social a crianças e jovens –, ele
também se empenha na divulgação do Evangelho de Jesus e
tem surgido como uma liderança no movimento jovem. Nessa
entrevista exclusiva ao Correio Fraterno, Victor,
mais conhecido como Victor Hugo Menino, analisa o papel
do jovem no Espiritismo. Para ele, muitas mensagens da
literatura espírita necessitam de uma atenção maior para
serem mais bem compreendidas nesses tempos de
comunicação mais rápida. Acompanhe.
Qual sua impressão sobre a atual participação dos jovens
no Espiritismo? Eles estão mesmo afastados?
Gente jovem trabalhando tem por toda parte. Poderia ter
mais? Sim. Agora, gente jovem sendo vista como
liderança, aí efetivamente são poucos mesmo, porque os
espaços de valorização são muitas vezes restritos, por
uma série de senões. Entendo que haja pontos de vista
diferentes, como o desejo de se construir primeiro a
base para depois ter projeção, mas eu nem falo de
reconhecimento em âmbito nacional, mas de ser
valorizado. Enxergar quem trabalha é um desafio.
O que você tem feito pelo movimento espírita, dentro das
suas possibilidades, como um espírita jovem?
Primeiro, tenho tentado ser uma pessoa melhor, o que já
é uma coisa bem difícil e que dá trabalho. Esse tem sido
o meu desafio. Além disso, tenho alguns projetos
pessoais, por exemplo o Minutos com Jesus, uma
iniciativa de se ter um Evangelho diário, compartilhado
pelo WhatsApp com várias pessoas, não somente para a
juventude, mas algo simples, tipo assim: “Olha, estou
estudando isso aqui e estou compartilhando, sem
cobranças ou explicações.”
Quantas pessoas estão nesse grupo?
Ah, tem um tiquinho bom. Acho que umas duas mil pessoas.
Comecei em 2018 e estamos fortalecendo esses vínculos
para ter mais projetos e iniciativas. Emmanuel é o nosso
autor para estudo. Começamos com a coleção Fonte viva,
fomos passando por outras diversas obras e agora estamos
estudando o livro Rumo certo¹. Tudo muito
simples, a gente vai lendo e comentando. São áudios de
no máximo cinco minutos, encerrados sempre com uma prece
para começar bem o dia.
Você acha que as mensagens de Emmanuel conseguem atingir
o coração do jovem de hoje?
Sim, se tiver um exercício de ‘transliteração...’
Uma tradução para uma linguagem mais cotidiana? Seria
esse o seu trabalho?
Sim. Entendo que um dos meus objetivos de vida é
permitir que esse bem, que às vezes parece tão difícil e
ininteligível, possa chegar aos corações. Por isso,
nessa tentativa de divulgar diariamente o Evangelho,
adotamos a postura de mostrar que o mais importante não
é um cabedal de linguagem, conhecimentos, mas permitir
que a própria linguagem seja ponte. Emmanuel tem muita
coisa interessante para colaborar para nossa trajetória,
nosso desenvolvimento enquanto seres humanos. Mas
precisamos trabalhar para a compreensão do conteúdo.
Pensando como professor de língua portuguesa, acredito
que temos mesmo um grande desafio. Hoje, no ensino
básico, o professor teria que ajudar o aluno a construir
um repertório linguístico. É tarefa da escola fazer com
que ele tenha condição de se comunicar também de maneira
informal, mas entendendo que como adulto vai ocupar
diversos espaços, que a informalidade pode ser a regra,
mas que existem espaços importantes e que ele precisa se
apropriar dos vários códigos linguísticos para que possa
atuar da melhor maneira possível na sociedade. Trata-se
de um enorme problema para as escolas, pois hoje,
geralmente, o aluno não sai proficiente no seu próprio
idioma, sabendo ao menos se portar no quesito
comunicação.
Isso reverbera na dificuldade com a literatura. Podemos
estar em outro contexto linguístico, não estamos mais no
século vinte, mas o fato de existir essa barreira nesse
momento acaba criando um grande obstáculo. Há tanta
coisa boa que a gente perde acesso simplesmente porque
não entende. Não cultuo a ignorância do ponto de vista:
“Ah, não, é velho, pelo amor de Deus, não dá pra ler
isso mais.” Espera aí: se a gente desprezar o manancial
que temos nas mãos, estaremos fazendo um desserviço ao
empenho de todo mundo, que trabalhou por nós e se
esforçou até aqui. Nosso exercício deve ser o de
fortalecer essas pontes, para que cada vez mais esse
conteúdo maravilhoso possa alcançar outros braços.
Como fortalecer essa ideia, fazer essa ponte?
Reformulando a linguagem ou ensinando melhor a estudar,
pensar, refletir?
As duas estratégias são possíveis. Podemos ajudar a ter
mais repertório, tanto quanto ir facilitando a mensagem
para chegar ao equilíbrio. Quem for produzir a partir de
agora não precisa produzir levando em conta os valores
estéticos linguísticos do século passado. Isso seria uma
tendência totalmente improvável. Agora, a gente precisa
pensar como é que a linguagem daqui para frente irá se
comportar. Precisamos entender que o pensamento espírita
é atravessado pela história, pela cultura, pelo social.
Temos o dever de não romper com as raízes. É preciso
valorizar tudo o que veio antes, para darmos
prosseguimento com maior segurança. Não repetir os erros
do passado e não esquecer a base. Se o Espiritismo
adquirir uma nova linguagem, está tudo certo, sem
problemas. Mas desprezar a essência daquilo que já foi
trabalhado seria um atestado de ignorância da nossa
parte, querendo começar o mundo de novo, quando já se
tem muita coisa pronta para se conhecer, aproveitar e
seguir progredindo.
Como chegar hoje no jovem para levar o conteúdo espírita
de uma forma atualizada, mas sem se perder a essência?
Acredito que existem caminhos para isso. A gente pode
pensar desde o ambiente espírita. O espaço de mocidade,
por exemplo, deve ter outro formato para que o
acolhimento aconteça. Mocidade e juventude, por exemplo,
não devem ser mais um espaço de palestra. Muitas vezes
se adere a esse modelo hierarquizado – um ensina e os
outros aprendem –, o que só distancia. Podemos ter rodas
de conversa, em que os jovens proponham o que queiram
estudar, compreender. Chamá-los para esse protagonismo é
uma das coisas essenciais, porque para falar nessa nova
linguagem, vamos precisar de pessoas que tenham
proficiência nesse modelo. E quem entende disso é o
jovem. Isso deve ser compartilhado em espaços mais
abertos, mais dialógicos, e um desafio que a gente tem
hoje é também a falta de conversa aberta.
A que você atribui essa falta de diálogo?
Penso que seja a falta de escuta, porque para que o
diálogo aconteça, eu preciso valorizar o mundo do outro.
O que o jovem normalmente escuta, assiste? Como
interage? Por que a gente não pode propor, por exemplo,
diálogos interculturais? A cultura espírita pode
dialogar com filmes, séries, produções artísticas que
hoje estão regendo a sociedade. O Espiritismo tem muito
a oferecer, como lei. Ele traz preciosas contribuições
para nos ajudar a viver melhor, mais conscientes já
nessa realidade presente. Isso está faltando. Sem
dúvida, o Espiritismo é necessário para o jovem de hoje,
de sempre. Seu entendimento permite aprender a reagir
àquilo que a vida está oferecendo agora, não no sentido
de ser moralista, mas de oferecer reflexões, provocações
que apontem para a criticidade. Eu preciso entender que
não posso destruir o que me serve, para eu poder
continuar e para que o outro também continue. Estamos
todos juntos, caminhando.
E você sente que o jovem está sendo bem acolhido no
Espiritismo, sendo despertado para esse esclarecimento?
Entendo que quem veio antes esteja tentando... Mas nós
temos limitações, vulnerabilidades muito expressivas,
próprias da nossa condição espiritual. E aí é preciso
repensar algumas coisas, sobretudo sobre o nosso lado
humano. A relação da casa espírita com o jovem atravessa
o relacionamento intergeracional entre pais e filhos.
Não é só a educação espírita que precisa estar atenta a
isso, mas há de existir uma maior reflexão sobre outros
modelos que também atravessam as escolas, os contextos
sociais etc. Temos falado muito sobre isso, seja com a
juventude, seja com pessoas mais velhas. Estamos
caminhando dentro dessas provocações, mas não basta
simplesmente apontar o que está acontecendo; é preciso
propor soluções.
Você acha que já esteja acontecendo um movimento por
parte dos jovens para se conseguir esse espaço?
Existem muitos jovens trabalhando para isso. Mas
normalmente as propostas vão acontecendo de forma
isolada e não tão visíveis. Existem corações preocupados
com isso. Em contato com as juventudes, vemos que tem
muita gente engajada, que tem compromisso, muita gente
sendo trabalhada para dar continuidade nesse processo.
Você sente que o plano espiritual esteja se utilizando
de algumas pessoas mais jovens, como você, para poder
fazer esse movimento?
Com certeza. A grande questão é que são corações que são
erguidos, às vezes anonimamente, sem que ninguém tenha
noção. Mas eles têm um raio de influência, vão criando
pertencimento, porque essa é uma das necessidades da
juventude, sentir-se pertencente à comunidade espírita.
Você tem esperança, tenta fazer a diferença. Mas tem
jovem que está com falta de sentido na vida, achando que
ela não vale a pena. Como o Espiritismo pode despertá-lo
para isso?
Talvez essa seja a pergunta central a se fazer,
sobretudo na juventude. Emmanuel vai dar uma imagem para
nós que é a de um barco que sai para navegar,
experimentar as águas. A juventude é esse barco, um
momento de sair do ambiente de estabilidade e ir para o
enfrentamento, para a travessia, onde a gente vai se
expor. Não é um caminho fácil.
O psicólogo Victor Frankl (1905-1997) mostrou que se
existe um porquê, um sentido na vida, a gente consegue
viver, não desistir das experiências ruins, até em um
campo de concentração. Mas quando isso falta, a vida
perde seu valor. Entendo que o Espiritismo hoje vem,
sobretudo, ajudar a encontrarmos esse sentido, ao
mostrar que é preciso darmos conta não apenas do visível
das coisas. A nossa existência tem um chamado e darmos
cumprimento a esse chamado, entender que todas as
experiências vão dialogar com ele e que a gente pode se
valer dessas experiências para catalisar aquilo que
temos de mais lindo em nós é fantástico, para podermos
construir a nossa própria história.
¹ Emmanuel, por Chico Xavier, FEB.
Texto publicado originalmente no
jornal Correio Fraterno, de São Bernardo do
Campo-SP, em 17
de agosto de 2025.