Mensagem de um sacerdote
Irmãos.
A experiência dos mais velhos é auxílio para os mais
jovens. Quem atravessou o vale da morte pode ajudar aos
que ainda transitam nos trilhos obscuros da existência
carnal… A gratidão, por isso, impele-me a trazer-vos
algo de mim.
Quando de meu primeiro contato convosco, saí vencido,
não convencido… Acreditei fôsseis magnetizadores
socorrendo um enfermo difícil. E eu despertava de um
pesadelo horrível…
Acordava, identificando a mim próprio e, reconhecendo-me
o sacerdote categorizado que eu era, ressurgia,
revoltado e impenitente. Debalde benfeitores espirituais
estenderam-me os braços. Em vão, consoladoras vozes se
me fizeram ouvir.
As ordenações e convencionalismos da Terra jaziam
petrificados em minha cabeça-dura. Fizera da autoridade
a minha expressão de força. Usara a mitra com o orgulho
do padre invigilante que se eleva nas funções
hierárquicas, com o propósito de dominar o pensamento
dos próprios irmãos. E por mais que a piedade me
dirigisse cativantes exortações, recalcitrei,
desesperado…
Não supunha fosse a morte aquele fenômeno de
reavivamento. Minhas impressões do corpo físico
mostravam-se intactas e minhas faculdades, intangíveis…
Reclamei meus títulos e exigi minha casa e,
naturalmente, para se não delongarem através de
conversação inútil, companheiros espirituais tomaram-me
as mãos. Num átimo, vi-me à porta selada de meu
domicílio, mas, agora, sem ninguém… Decerto, meus
caridosos condutores entregavam-me à própria
consciência. Aflito, gritei por meus servidores,
contudo, minhas vozes morreram sem eco.
A noite avançara… Desrespeitosa algazarra alcançou-me os
ouvidos. Desafetos gratuitos pronunciavam
sarcasticamente o meu nome, em meio da sombra espessa:
— “Abram a porta ao senhor bispo!”
— “Assistência para o dono da casa!…”
— “Atendam ao visitante ilustre…”
— “Lugar para Sua Eminência!…”
Isso tudo de permeio com irreverentes gargalhadas.
Receando o ridículo, busquei a igreja que me era
familiar. Sacerdotes amigos vigiavam em oração. Contudo,
por mais que apelasse para a minha condição de chefe,
ninguém me assinalou as súplicas aflitivas.
Ajoelhei-me diante das imagens a que rendia culto, no
entanto, jamais como naquela hora havia reparado com
tanta segurança a frieza dos ídolos que representavam
objetos sagrados de minha fé.
Desejava fazer-me sentido, ouvido, tocado… Então, como
se um ímã me provocasse, retrocedi apressadamente… Em
passos ligeiros, desci à pequena câmara escura. Fora
atraído por meus próprios restos. Ali descansava, na
escuridão silenciosa, o corpo que me servira.
O bafio repelente do túmulo obrigava-me a recuar… Algo,
porém, me constrangia a compulsória aproximação. Toquei
as vestes rotas e senti que minhalma se justapunha aos
ossos desnudados… Queria reassumir a posição vertical
entre os homens. Mas apenas vermes e mais vermes eram,
ali, a única nota de vida.
Dominado de terrível pavor, tornei ao altar para as
orações mais íntimas… Orações que brotassem de mim,
diferentes daquelas que decorara para iludir o tempo.
Procurei um velho crucifixo. Ali, estava a cruz do
Senhor. Não era um ídolo, era um símbolo.
Via-me sozinho, desanimado, e orei, compungidamente.
Rememorei os ensinamentos do Mestre Divino, que recolhia
as almas desarvoradas e enfermas para restituir-lhes o
alento… E uma voz à retaguarda, cuja inflexão de energia
e brandura não conseguiria traduzir, exclamou para meu
Espírito fatigado:
— Amigo, tua casa na Terra cerrou-se com teus olhos!…
Teus poderes eclesiásticos estão agora reduzidos a um
punhado de cinzas… E de todas as atividades sacerdotais
que exerceste, permanece tão só esta de agora, — a de
tua própria fé ressuscitada na humildade do coração!
Cristo não permanece crucificado nos altares de pedra,
disputando a reverência daqueles que supõem
prestigiar-lhe a memória, a preço de incenso e ouro…
Jesus está lá fora! Com as mães que se sentem
desamparadas, com os discípulos que sustentam em si
mesmos duro combate!… O Senhor caminha ao longo da velha
senda que o homem palmilha, há milênios, procurando
aqueles que anelam amealhar fraternidade e luz, serviço
e renovação… Avança ao encontro das almas fiéis que
repartem o tempo entre a lição que educa e o trabalho
que santifica… Busca as crianças sem ninho, asilando-as
nos braços daqueles que lhe recordam a amorosa
exortação… Respira nas fábricas, onde o suor dos
humildes pede socorro… Ora nos círculos atormentados da
luta redentora, onde corações restaurados no Evangelho
intentam a construção de nova estrada para o futuro…
Cristo vive lá fora, reconfortando os caluniados e
enxugando as lágrimas de quantos se sentem morrer na
solidão dos vencidos… O Senhor, ainda e sempre, é o
Celeste Peregrino do mundo… Nas noites frias, é o
agasalho dos que não receberam a graça do lar… Junto ao
fogão sem lume, é o calor que regenera as energias dos
que não puderam adquirir uma côdea de pão… Enfermeiro
nos hospitais, conchega de encontro ao peito os doentes
em abandono… Amigo infatigável dos cegos e dos leprosos,
dos cansados e dos tristes, instila-lhes, generoso, a
bênção da esperança… O Mestre jamais envergou a túnica
da ociosidade que lhe quadraria ao coração como um
sudário de morte… Vamos! Vamos em busca do Senhor
Ressuscitado! Procuremos o Cristo, além da cruz, tomando
a cruz que nos é própria, a fim de encontrá-lo na grande
ressurreição!…
Aflito, mas devolvido a mim mesmo, senti frio… Minha
igreja estava gelada, mas, ao calor da prece, roguei ao
Céu permissão para esposar novo roteiro, sob a luz viva
do Evangelho restaurado, na religião do esforço
humanitário e social, com o templo guardando a fé por
base e a caridade por teto…
E abraçando convosco a senda renovada, tento agora
avançar para o futuro sublime!…
Que o Senhor nos ampare.
Do livro Instruções
psicofônicas, comunicação
transmitida psicofonicamente pelo médium Francisco
Cândido Xavier.
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