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por Bruno Abreu

 

A ilusão do vir a ser


Como imagina que serão os Espíritos evoluídos aqui na Terra?

Já passaram alguns com que pudemos conviver e ver seus exemplos?

A resposta que temos na ponta da língua é a de sabermos amar, perdoar, sermos indulgentes, aprendermos a resignar-nos.

Isto é uma teoria, que descreve o que pensamos, mas, na prática, como iremos ser no dia em que evoluirmos?

Veja a indulgência, na prática. Na teoria, é aceitar plenamente, como o outro é. Perceber que os seus erros são as suas necessidades de aprendizado.

Na prática, tente imaginar. Recorde-se quando alguém teve uma má atitude consigo, ou que um familiar seu cometeu um erro. Como seria, na prática, ser indulgente?

Será a indulgência, na prática, uma abstinência de medição, o que chamamos de julgamento?

Será um silêncio mental? Mais do que simples palavras de que “eu aceito como o outro é e fez”. Quem nos fez juízes de nossos irmãos, para dizermos que aceitamos?

O silêncio mental é a aceitação profunda do que está a acontecer. Não foi este o ensinamento do silêncio de Jesus em frente de Pilatos?

O silêncio profundo, que não existirá se o pensamento estiver em funcionamento, é a indulgência, a fé, a paciência, o perdão, o amor e a resignação.

Pegue na paciência, o que precisa de fazer para desenvolver a paciência?

Dirá que é necessário ser mais paciente em situações que lhe tiram a calma, ou em frente dos que lhe tiram a paciência.

Volte à prática. Acredito que, se está a ler este texto calmamente, nem se lembrou da paciência, pois só nos lembramos quando estamos impacientes.

Nesta altura queremos regressar à “casa”, onde nos sentimos em paz, ao nosso interior calmo e sereno. Ao silêncio mental, que acontece naturalmente em nós, nos dias de paz.

Este silêncio é a paciência, que só lembramos quando entramos em impaciência.

Vamos ver o ódio, o que é este sentimento terrível?

Alguém fez algo que nos magoou e nós arquivamos como forma de pensamento este sentimento por aquela pessoa.

Cada vez que a vimos ou pensamos na pessoa, reaparece este feio sentimento automatizadamente, tirando-nos da paz e da serenidade. Tal como a impaciência.

Nós achamos que é importante perdoarmos para não termos ressentimento com a outra pessoa, mas toda a importância dessa ação é para nos permitir estar em paz com nós próprios.

Ao perdoarmos sinceramente, estamos a eliminar do nosso corpo mental um bloqueio terrível que nos está a causar sofrimento.

O perdão é uma limpeza mental e emocional, ao nosso corpo energético, para que possamos estar em paz, em silêncio com nós mesmos.

As maiores das virtudes humanas estão em nós, e nós fugimos delas, pelo amor às emoções mundanas. Gostamos de vidas agitadas, do poder, da detenção de matéria, de uma boa discussão, de impormos nossas vontades, o que nos leva para longe de nosso ser em silêncio.

Quando realmente procura paz, tenta fugir inadvertidamente destas emoções mundanas. Num dia de praia, numa atividade de caridade, num ginásio, num pouco de música ou em frente da televisão, existem muitas formas. Como não percebe que é em silêncio que está em completa paz, entretém a mente para que esta se acalme.

Se um dia perceber na prática que é o silêncio mental que lhe transporta instantaneamente as virtudes humanas, começará a fazê-lo propositadamente, sem procurar qualquer distração para a mente, pois torna-se mais intenso.

O único exercício que Jesus exemplifica em seu evangelho é o de Vigiar, na passagem em que ele sobe ao monte com seus discípulos, pede a Deus para afastar o cálice e fica uma hora em vigia. E vigia a sua mente, em silêncio, uma prática que devemos seguir se quisermos ser senhores do nosso crescimento espiritual.

No pensamento nasce o orgulho, o egoísmo e todas as outras más tendências; no silêncio existem as virtudes, como acima vimos.

Não podemos agradar a dois senhores, a Deus e a Mamon.

Nós podemos ver por nós próprios que o nosso caminho ao crescimento espiritual não está na aquisição de hábitos, mas na libertação de más tendências. O que o Mestre chamou de desapego.

Segundo ele, o Reino de Deus está em nós e, segundo a Espiritualidade Superior, as Leis de Deus estão escritas em nós, apenas as esquecemos. Então, acreditamos que ainda as vamos adquirir.

A pergunta que a maioria coloca é: Por que temos tanta dificuldade, se parece tão simples?

Vou colocar uma pergunta parecida. Por que a pessoa depressiva não sai da depressão se é a cabeça dela que a causa? Porque o pensamento não funciona como nós acreditamos.

Nós acreditamos que o pensamento é uma criação nossa, logo, o que aparece não precisa de ser “medido”, foi feito por nós. Mas não é isso que Jesus diz ao aconselhar-nos a vigiar e a orar.

Muitas pessoas já perceberam que é impossível parar o pensamento, mas continuam a agir como se este fosse de sua criação, não vigiando o que surge.

Aonde nos leva esta falta de vigilância, se não à depressão e a todos os outros conflitos internos e externos!

Muitos já afirmam, se desculpando, “é o meu caráter”, “não consigo fazer de outra forma”, “surge em minha cabeça”, mas continuam a agir após tal pensamento.

Corremos atrás das virtudes, para crescermos espiritualmente, porque as rotulamos, criamos ideias sobre elas e corremos atrás destas ideias. É como matar a sede mastigando o rótulo da garrafa de água.

Por que corremos atrás da paciência se ela está em nós, sempre que estamos em paz? Ou da indulgência, se ela está em nós quando vemos a vida em silêncio? Ou da resignação?

Não seria mais simples e eficaz praticarmos o silêncio, a vigilância, e desenvolvermos em nós esta forma de estar?


Bruno Abreu reside em Lisboa, Portugal.

 

 

     
     

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