Artigos

por Ricardo Baesso de Oliveira

 

Autocontrole: evidências neurofisiológicas


Allan Kardec considerou o autoconhecimento e o autocontrole como as ferramentas indispensáveis ao melhoramento pessoal. Segundo ele, todos os nossos esforços deveriam se concentrar em estudarmos as próprias imperfeições, a fim de nos desembaraçarmos delas.
[i]

O neurocientista Robert Sapolsky acredita que o autocontrole consiste em se fazer o que deve ser feito, quando isso é o mais difícil.[ii]

Fazer o que deve ser feito deve ser entendido em uma dimensão ética, ou seja, fazer o que é certo do ponto de vista moral, condicionando nossas atitudes aos princípios de não prejudicar ninguém, sendo útil sempre que possível. A expressão quando isso é o mais difícil está implícita na necessidade do controle pessoal, porque se for fácil, dispensa o esforço da sua mediação.

Estudos de neuroimagem mostraram que isso é possível, ou seja, fazendo uso da ferramenta da vontade, podemos evitar que emoções, tendências e inclinações venham a se concretizar. O neurocientista canadense Mario Beauregard se reporta a dois estudos, ancorados no exame de Ressonância Magnética Funcional (IRMf) que atestam, pelo estudo da fisiologia do cérebro, a validade do autocontrole.[iii]

Um deles examinou o autocontrole na excitação sexual e o outro na emoção da tristeza. O primeiro estudo envolveu 10 homens jovens expostos a breves filmes eróticos. Inicialmente, eles foram liberados para vivenciarem naturalmente as emoções. A IRMF mostrou ativação da amígdala cerebral e do hipocampo, regiões naturalmente envolvidas na excitabilidade sexual. Em outro momento, assistiram a filmes equivalentes, após a solicitação dos experimentadores, que tentassem controlar as próprias sensações. Nessa oportunidade a IRMf mostrou significativa ativação do córtex pré-frontal, uma região do cérebro localizada na parte frontal do lobo frontal, que desempenha um papel fundamental em diversas funções cognitivas superiores, como o planejamento, tomada de decisões, controle de impulsos e regulação emocional, dentre outras.

O outro estudo, feito com cerca de 20 moças jovens relacionava-se ao controle da emoção da tristeza, ao assistirem a filmes relacionados à perda de entes queridos. Os resultados foram muito semelhantes. Quando solicitadas a evitarem se envolver emocionalmente com os filmes, ativaram as mesmas áreas do cérebro relacionada ao autocontrole.

Kardec demonstrou lucidez e sabedoria ao apresentar a vontade como força motriz do melhoramento humano.

Kardec se valeu do vocábulo vontade cento e quinze vezes em O Evangelho segundo o Espiritismo e cento e trinta e seis vezes em O Livro dos Espíritos, e admitiu ser a vontade o mais eficaz instrumento no combate às más inclinações. [iv] Colocou, também, que devemos resistir com toda a nossa energia aos arrastamentos que podem enfraquecer a vontade.[v]

Mas, para Kardec, o que significa vontade? Kardec definiu vontade em um discurso pronunciado na Sociedade espírita de Paris, e reproduzido na Revista espírita, de dezembro de 1864:

O pensamento é o atributo característico do ser espiritual; é ele que distingue o espírito da matéria; sem o pensamento, o espírito não seria espírito. A vontade é o pensamento chegado a certo grau de energia; é o pensamento transformado em força motriz. É pela vontade que o espírito imprime aos membros e ao corpo movimentos num determinado sentido. Mas se tem a força de agir sobre os órgãos materiais, quanto maior não deve ser essa força sobre os elementos fluídicos que nos rodeiam!

Da conceituação de Kardec extraímos alguns conceitos:

1- A vontade deve ser considerada como o resultado de um pensamento que se move no sentido da uma realização, da concretização de algo, que existiu inicialmente apenas no campo mental.

2- A vontade se expressa quando faz acontecer: força motriz, ou seja, uma energia que move, que age, que gera alguma coisa, que tem consequências.

3- Devemos diferenciá-la do desejo, porque o desejo é um querer adiado, postergado, que ainda não se deu; enquanto a vontade é um querer materializado, acontecido, finalizado.

Exemplificando com dois exemplos: O fumante que deseja parar de fumar, mas ainda não o fez. Está na dimensão do desejo, programado apenas, mas não concretizado. O gordinho, que fazendo uso da vontade, perdeu dez quilos. Trata-se de vontade, porque fez acontecer.

Um grande desafio para todos nós espíritas: deixarmos a dimensão do desejo (querer adiado) e mergulharmos na dimensão da vontade (querer concretizado). Agindo assim, estaremos dando passos seguros rumo ao real desenvolvimento espiritual.


 

[i] LE item 14.

[ii] Determinados, R. Sapolsky.

[iii] O cérebro espiritual, Mario Beauregard.

[iv] LE item 909.

[v] ESE cap. 5 item 25.


 

 
  
    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita