A poesia e a sensibilidade de Victor Hugo
a serviço da espiritualidade
Enquanto Allan Kardec fazia suas pesquisas e preparava
os livros básicos da doutrina espírita, outro francês,
seu contemporâneo, também buscava respostas do mundo
invisível para suas inquietações existenciais e um drama
pessoal.
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O grande escritor Victor Hugo – nascido em 26 de
fevereiro de 1802 – buscava consolo para a perda de sua
filha mais velha, Léopoldine, |
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desencarnada em um naufrágio no rio Sena, em
1843. Já consagrado como romancista, poeta,
dramaturgo e defensor de causas sociais, Victor
Hugo organizou sessões espíritas em sua casa, na
Ilha de Jersey, entre 1853 e 1855, período em
que ficou exilado após o golpe de estado de Luís
Napoleão Bonaparte. |
Nessas sessões, observando as chamadas mesas girantes, o
autor dos grandes clássicos Os miseráveis e O
corcunda de Notre Dame conseguiu se comunicar com
sua filha. E fez também contato com espíritos como
Molière, Shakespeare, Rousseau, Mozart, Galileu, Lutero,
Rafael e Maomé, dentre outros, com quem interagiu
fazendo perguntas e registrando as respostas que
resultaram em uma vasta documentação. Esse material pôde
ser resgatado em O
livro das mesas: as sessões espíritas da Ilha de Jersey,
publicado na França em 2014 e em 2018 no Brasil. O
registro do diálogo do escritor com os espíritos mostra
que ele tratou de temas como a condição humana, o crime
e a punição, o sofrimento e a morte, o destino da alma,
a vida no além, a importância do amor e do perdão. Além
do livro, os cadernos com as anotações sobre as
comunicações fazem parte atualmente do Catálogo da
Biblioteca Nacional da França.
Para Victor Hugo, a descoberta do mundo invisível trouxe
a confirmação de suas ideias filosóficas e religiosas e
o levaram a afirmar que a ciência deveria dar atenção e
seriedade para os fenômenos das mesas. Disse ele: “A
mesa girante ou falante foi bastante ridicularizada.
Falemos claro. Esta zombaria é injustificável.
Substituir o exame pelo menosprezo é cômodo, mas pouco
científico.”
O seu posicionamento em defesa da doutrina levou Allan
Kardec a reconhecer, em 1863, Victor Hugo como um
expoente no movimento espírita. Nesse ano, a Revista
Espírita publicou uma carta de Hugo para o escritor,
político e poeta francês Alphonse de Lamartine
(1790-1869), em face da desencarnação de sua esposa.
O compromisso continua
Mas a jornada que ele começou enquanto encarnado
prosseguiu na espiritualidade com os livros que escreveu
através da psicografia dos médiuns brasileiros Zilda
Gama e Divaldo Franco. Foi para Divaldo que Victor Hugo
declarou que Zilda Gama era a reencarnação de sua filha
Léopoldine. Através de Zilda, ele escreveu romances
como Na sombra e na luz, Redenção e Do
calvário ao infinito. Pela psicografia de Divaldo,
escreveu: Párias em redenção, Sublime expiação, Do
abismo às estrelas, Calvário de libertação e
Árdua ascensão¹.
E o compromisso desse pensador com a humanidade se
mantém vivo, segundo o depoimento de Yvonne Pereira no
livro Devassando o invisível², de 1963. A grande
médium disse que essa missão envolve o músico Frédéric
Chopin, que se interessa profundamente pelas questões
espirituais e que tem planos de reencarnar no Brasil, um
país que, a seu ver, “futuramente muito auxiliará no
triunfo moral das criaturas necessitadas de progresso”.
Segundo ele, isso só aconteceria a partir do ano 2000,
quando desceria à Terra brilhante falange de espíritos
com o compromisso de moralizar e sublimar as artes. Ele
não disse a data exata, mas afirmou que essa falange
seria capitaneada por Victor Hugo, espírito experiente e
capaz de executar missões dessa natureza, a quem Chopin
se achava ligado por afinidades espirituais seculares.
Busca por respostas
Na atualidade, um outro francês, o cineasta Karin
Akadiri Soumaïla, também buscou na doutrina espírita
respostas para a morte de sua filha Ifa. E nessa busca,
percorreu a França, a Suíça e o Brasil. Em Paris,
descobriu o interesse de Victor Hugo pelas mesas
girantes, após a morte da filha Léopoldine. O resultado
desse trabalho de pesquisa foi o documentário Em
Busca de Kardec, exibido no Brasil em 2021, em oito
episódios, na TV Cultura. Narrado pelo próprio cineasta,
o documentário mostra entrevistas com historiadores,
antropólogos, médiuns e líderes do movimento espírita
brasileiro. No episódio final, Karin declama o poema
“Amanhã, ao amanhecer”, que Victor Hugo fez para a
filha, mostrando que espera encontrá-la. O poema começa
assim:
“Amanhã, ao amanhecer, quando de branco o campo se
banha,
Eu partirei. Sei que você me vê, e sei que espera por
mim...
Seguirei pelas florestas e cruzarei a montanha.
Não posso ficar longe de você tanto tempo assim...”
¹ Publicados pela FEB.
² Idem.
Rita Cirne é jornalista e
colaboradora do Grupo Espírita Batuíra, em São Paulo, e
do jornal Valor Econômico.
Esta matéria foi
publicada originalmente no jornal Correio Fraterno, de
São Bernardo do Campo-SP, em 9 de junho de 2025.