O Censo do IBGE de 2022 registrou uma queda no número de
espíritas no Brasil, passando de 2,2% em 2010 para 1,8%.
São variados os motivos para este quadro e o objetivo
deste texto é, justamente, tentar compreender o cenário.
A pretensão não é esgotar o assunto, mas trazer
apontamentos sobre esta situação.
* Lideranças
Primeiramente, é relevante constatar que o mundo está
“carente” de referências. De bons líderes; de pessoas
inspiradoras; carismáticas.
Alguns gigantes passaram por aqui e serviram de
inspiração para muitos. À guisa de exemplo, podemos
citar Mandela; Pepe Mujica; Papa Francisco; Irmã
Dulce...
Puxando a “sardinha para o nosso lado”, no Movimento
Espírita tínhamos Chico Xavier e Divaldo Franco. É do
conhecimento de todos que em Doutrina Espírita não há
corpo sacerdotal; lideranças hierárquicas; estrutura de
poder... Mas, é inegável que boas pessoas servem de
referência/inspiração para que modifiquemos para melhor
os nossos comportamentos.
A falta de lideranças, recentemente, é um dos fatores
desse decréscimo apontado pelo IBGE. O falecimento de
ícones como Chico Xavier (1910-2002) e, mais
recentemente, Divaldo Franco (1927-2025) enfraqueceu o
apelo midiático e cultural do Espiritismo, tornando-o
menos visível e atrativo para novas gerações.
* ESDE
O modelo de aulas dos Centros Espíritas precisa ser
revisto com urgência. Refiro-me aos Estudos
Sistematizados da Doutrina Espírita (ESDE). Estes
estudos, não raras vezes, configuram-se mais como
“palestras” do que aulas propriamente ditas. Ou seja, há
sempre um “facilitador” que fica a falar constantemente
e apresenta didáticas; abordagens; metodologias
extremamente tradicionais e pernósticas (com as exceções
compreensíveis), não permitindo que o os cursistas
possam se expressar; participar, enfim.
Não quero com isso dizer que todas as aulas devam ser
dinâmicas, com brincadeiras e inovadoras, mas há que
pensar numa metodologia menos “professoral” e mais
dialógica, permitindo a participação e a exposição das
ideias para a construção de um consenso em torno do que
foi estudado. Caso contrário, não há a necessidade de se
estudar em grupo. Basta que cada um estude em casa ou
noutro local de sua preferência. O ESDE é justamente
para fortalecer os laços entre os confrades e construir,
a partir das discussões salutares, uma visão sólida do
que foi estudado. É com os diferentes que se forjam os
conhecimentos e se ampliam as visões de mundo.
Portanto, repensar as aulas do ESDE, os dias e horários,
são fundamentais para torná-los mais atrativos.
* Dirigentes
Espíritas
Muitos não querem ser dirigentes de Centros Espíritas.
A tarefa é desafiadora!
Exige bom senso, estudo,
conhecimentos sólidos de
administração e noções jurídicas, para a prestação de
contas necessárias à população e ao Estado. Além, claro,
de administrar uma instituição com esmero, exige-se do
dirigente inteligência emocional, para lidar com os
adeptos da Doutrina Espírita e simpatizantes, além de
saber delegar as funções para que outros possam se
familiarizar com as atribuições da função e/ou de outras
áreas da Casa.
O dirigente deve compreender que ensinar outras pessoas
o seu ofício ou delegar função para outros departamentos
é fundamental para a continuidade da casa e da causa.
Lamentavelmente, o que ocorre é o contrário. Há
dirigentes que não “largam o osso”, para utilizar-me de
uma expressão popular. Acreditam ser os “eleitos” e que
sem eles a casa não prossegue firme no ideal. Sentem-se
“donos” de um planejamento que não são deles, mas da
espiritualidade maior.
Infelizmente, inconformados (algumas vezes), forjam o
centro espírita ao seu próprio gosto, olvidando as
diretrizes de Allan Kardec. Fazem enxertos nas casas e
nos seus ensinamentos que são transmitidos aos seus
frequentadores, que não têm qualquer relação com o
Espiritismo.
Cumpre considerar, também, que o púlpito da Casa
Espírita não deve ser utilizado para propaganda
político-partidária. Infelizmente, nos últimos anos,
dirigentes de diversos centros espíritas contaminaram-se
e passaram a propagar suas ideias políticas da tribuna.
Isso causou ruído, confusão e divisão no Movimento
Espírita.
Lamentavelmente, oradores e médiuns renomados
manifestaram-se politicamente em palestras públicas
causando profundas decepções em muitos; provocando
cizânia e incrementando o ódio em outros, em lastimáveis
pugilatos intelectuais que nada agregaram ao Movimento
Espírita.
* Tecnologias,
Redes Sociais, Streaming
Ser espírita exige escolhas. E nem sempre se está
disposto a eleger aquilo que agregará valores
espirituais.
As novas tecnologias, notadamente, as redes sociais e os
serviços de streaming são muito chamativos e
viciantes! Perdemos enorme tempo e energia com vídeos, memes,
comentários e “curtidas” das redes sociais, numa espécie
de enxurrada de dopamina fútil. Além da profusão de
filmes e séries dos serviços de streaming que são
instigantes e nos prendem mais ainda às telas.
Diante deste cenário de telas e plataformas variadas, é
compreensível que muitos não queiram ir para um centro
para assistir a uma palestra pública, sentado num banco
duro e refletindo sobre a vida ou questões
transcendentais.
De outro modo, não conseguimos adentrar este universo
das redes sociais e streaming com uma linguagem
acessível e abordagens espíritas instigantes, com
raríssimas exceções.
Trata-se de um espaço fecundo para atingir as massas,
especialmente, os jovens. Entretanto, muito da linguagem
espírita está eivada de expressões “difíceis”; uma
linguagem mais rebuscada, que não é condizente com o
anseio do grande público e isso causa estranhamento e
afastamento.
* Fim
da “onda” audiovisual espírita
Entre 2000 e 2010, telenovelas (Alma Gêmea, O Profeta,
Escrito nas Estrelas) e filmes (Chico Xavier, Nosso Lar)
colocaram o Espiritismo em destaque. Após essa década,
não surgiram grandes produções para manter o interesse
popular e nutrir o movimento.
Anteriormente, filmes espiritualistas como Ghost – Do
outro lado da vida, O Sexto Sentido e Os
Outros serviam de chamariz para as pessoas que se
sentiam curiosas sobre as questões transcendentais da
Vida e faziam-nas procurar o Espiritismo. Isso,
certamente, diminuiu com o tempo.
* Migração
de autodeclaração para religiões de matriz africana
Sempre houve uma linha tênue entre o Espiritismo e as
Religiões de Matriz Africana nessas pesquisas
populacionais, tudo era colocado “num mesmo saco”.
O salto de 0,3% para 1% de Umbanda e Candomblé sugere
que muitas pessoas que antes se identificavam como
espíritas agora se sentem mais seguras para assumir
crenças afro-brasileiras, reduzindo a fatia
espiritualista no total da população.
* Limitações
metodológicas na coleta de religião
Como o IBGE faz uma única pergunta aberta (“Qual é a sua
religião ou culto?”) e depois categoriza as respostas,
quem é espiritualista, mas sem religião, tende a não se
declarar espírita, inflando o sub-registro do movimento.
Ademais, muitos aspectos negativos de diversos segmentos
religiosos provocaram uma espécie de desencanto nas
pessoas, fazendo com que muitas se afastassem das
denominações religiosas em que foram criadas.
* Crescimento
de segmentos não confessionais e evangélicos
O recorde de pessoas sem religião (9,3%) e a expansão
dos evangélicos (26,9%) refletem um Brasil mais plural e
competitivo em termos religiosos, diminuindo
proporcionalmente o espaço do Espiritismo no censo.
Não é o intuito discutir, neste texto, o incremento das
religiões protestantes. Afinal, cada pessoa escolhe a
religião que lhe faz se sentir bem e tenha um sentido
existencial.
A religião é uma espécie de Pedagogia que nos reconecta
ao Criador. Entretanto, o incremento de pessoas sem
religião chama a nossa atenção e nos faz refletir
enquanto espíritas.
Como tem sido o acolhimento nas casas espíritas?
Quais tem sido os temas e as abordagens nas palestras
públicas?
Como tem sido a qualidade dos cursos do ESDE?
Como tem sido as relações interpessoais no bojo da Casa
Espírita?
São temas relevantes para que possamos pensar e agir, de
maneira ativa, na divulgação do Espiritismo, visto que
divulgar é servir de instrumento para que cada indivíduo
avance na reforma íntima. A fim de que o Espiritismo
cumpra seu ideal de regeneração moral da humanidade.