Especial

por Paulo Neto

Allan Kardec e sua curiosa relação com Emanuel Swedenborg

 

Não é possível convencer um fanático de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar.” (CARL SAGAN)

 

O primeiro capítulo da obra História do Espiritismo, autoria de Arthur Conan Doyle (1859-1930), que, em vida, foi membro da Sociedade de Pesquisas Psíquicas – S. P. R de Londres, é dedicado ao sueco Emanuel Swedenborg (1688-1772), cujo nome encabeça o rol de médiuns precursores do Espiritismo.

Por curiosidade, fomos consultar nas obras publicadas por Allan Kardec (1804-1869) para ver se encontrávamos alguma referência ao nome dele. Constatamos que, já a partir da 1ª edição de O Livro dos Espíritos, temos menção a ele:

 

Vários Espíritos concorreram simultaneamente a estas instruções, às quais assistiam, tomando alternadamente a palavra e falando um em nome de todos. Entre os que animaram personagens conhecidas citaremos JOÃO EVANGELISTA, SÓCRATES, FÉNELON, VICENTE DE PAULO, HAHNEMANN, FRANKLIN, SWEDENBORG e NAPOLEÃO PRIMEIRO; os demais habitam Esferas elevadas e, ou nunca viveram na Terra ou aqui apareceram em época imemorável. [1] (caixa alta do original, negrito nosso)

 

A partir da 2ª edição, quase todos esses nomes passam a constar da lista de signatários da mensagem inserida em “Prolegômenos”: “João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, o Espírito de Verdade, Sócrates, Platão, Fénelon, Franklin, Swedenborg e outros.” [2]

Na Revista Espírita de 1859, mês de novembro, foi publicada uma nota biográfica sobre Swedenborg, preparada pela Senhora P…, membro da Sociedade Espírita de Paris; no segundo parágrafo, lemos:

 

Emanuel Swedenborg nasceu em Estocolmo, em 1688, e morreu em Londres, em 1772, aos 84 anos de idade. Seu pai, Joeper Swedenborg, bispo de Scava, era notável pelo mérito e pelo saber. O filho, porém, o ultrapassou. Destacou-se em todas as ciências, sobretudo na Teologia, na Mecânica, na Física e na Metalurgia. Sua prudência, sabedoria, modéstia e simplicidade lhe valeram a alta reputação que ainda hoje goza. Os reis o chamaram para os seus conselhos. Em 1716, Charles XII o nomeou assessor na Escola de Metalurgia de Estocolmo. A rainha Ulrica o fez nobre, e ele ocupou os mais destacados postos, com distinção, até 1743, época em que teve a primeira revelação espírita. Tinha então 55 anos. Pediu demissão e não quis mais ocupar-se senão de seu apostolado e do estabelecimento da doutrina da Nova Jerusalém[3] (grifo nosso)

 

Nessa oportunidade, o Codificador comenta vários documentos a respeito de Swedenborg, apresentados pela Senhora P…, vejamos o parágrafo inicial:

 

Swedenborg é um desses personagens mais conhecidos de nome que de fato, ao menos pelo vulgo. Suas obras muito volumosas, e em geral muito abstratas, são lidas quase só pelos eruditos. Assim, a maioria das pessoas que delas falam ficariam muito embaraçadas para dizer o que ele era. Para uns, é um grande homem, objeto de profunda veneração, sem saberem por quê; para outros, um charlatão, um visionário, um taumaturgo.

Como todos os homens que professam ideias contrárias à maioria, ideias que ferem certos preconceitos, ele teve e tem ainda os seus contraditores. Se estes se tivessem limitado a refutá-lo, estariam no seu direito. Mas o facciosismo nada respeita, e as mais nobres qualidades não são reconhecidas por ele. Swedenborg não poderia ser uma exceção.

Sua doutrina, sem dúvida, deixa muito a desejar. Ele próprio, hoje, está longe de aprová-la em todos os pontos. Entretanto, por mais refutável que seja, nem por isso deixará de ser um dos homens mais eminentes do seu século[4] (grifo nosso)

 

Ao longo da publicação, Allan Kardec vai tecendo comentários sobre a doutrina de Swedenborg, “elaborada entre 1745 e 1772, ou seja, a partir de 57 anos de idade de seu autor até sua morte, aos 84 anos” [5], em dado momento ele diz:

 

Ele cometeu equívoco imperdoável, apesar de sua experiência das coisas do mundo oculto: o de aceitar muito cegamente tudo quanto lhe foi ditado, sem o submeter ao controle severo da razão. Se tivesse pesado maduramente os prós e os contras, teria reconhecido princípios inconciliáveis com a lógica, por menos rigorosa que ela fosse.[…][6] (grifo nosso)


E finaliza, observando:

 

A doutrina de Swedenborg fez numerosos prosélitos em Londres, na Holanda e mesmo em Paris, onde deu origem às Sociedades de que tratamos no número de outubro, a dos Martinistas, dos Teósofos, etc. Se não foi aceita por todos em todas as suas consequências, teve, contudo, o resultado de propagar a crença na possibilidade da comunicação com os seres de além-túmulo, crença aliás muito antiga, como todos sabem, mas até agora oculta ao público pelas práticas misteriosas que a tinham envolvido.

O incontestável mérito de Swedenborg, seu profundo saber e sua alta reputação de sabedoria foram de grande influência na propagação dessas ideias, que hoje mais e mais se popularizam, pois crescem em plena luz e, longe de buscar a sombra do mistério, apelam à razão. Apesar dos erros do seu sistema, Swedenborg não deixa de ser uma das grandes figuras cuja lembrança ficará ligada à História do Espiritismo, do qual foi um dos primeiros e mais zelosos pioneiros[7] (grifo nosso)

 

Esse reconhecimento do Codificador de que Swedenborg foi precursor do Espiritismo é algo que precisamos destacar, pois fará sentido com o que apresentaremos mais à frente.

No artigo “Jean Reynaud e os precursores do Espiritismo”, publicado na Revista Espírita de 1863, mês de agosto, destacamos este parágrafo:

 

Jean Reynaud nada tinha visto; tudo hauriu em sua profunda intuição. O Espiritismo viu o que o filósofo não fez senão pressentir; acrescenta assim a sanção da experiência à teoria puramente especulativa, e a experiência lhe fez naturalmente descobrir os pontos de detalhe que só a imaginação pode entrever, mas que vêm completar e corroborar os pontos fundamentais. Como todas as grandes ideias que  revolucionaram o mundo, o Espiritismo não eclodiu subitamente; germinou em mais de um cérebro, mostrou-se, aqui e ali, pouco a pouco, como para habituar os homens a essa ideia; uma brusca aparição completa teria encontrado uma resistência muito viva: teria deslumbrado sem convencer. Cada coisa, aliás, deve vir a seu tempo, e toda planta deve germinar e crescer antes de atingir seu inteiro desenvolvimento. Ocorre o mesmo em política; não há nenhuma revolução que não tenha sido elaborada de longa data, e alguém que, guiado pela experiência e pelo estudo do passado, seguindo atentamente essas preliminares, pode, quase infalivelmente, sem ser profeta, prever-lhe o desenlace. Foi assim que os princípios do Espiritismo moderno se mostraram parcialmente e sob diferentes faces em várias épocasno século último, em Swedenborgno começo deste século, na doutrina dos teósofos, que admitiam claramente as comunicações entre o mundo visível e o mundo invisível; em Charles Fourier, que admite os progressos da alma pela reencarnação; em Jean Reynaud, que admite o mesmo princípio, sondando o infinito, a ciência à mão; há uma dúzia de anos, nas manifestações americanas que tiveram uma tão grande repercussão e vieram provar as relações materiais entre os mortos e os vivos, e, finalmente, na filosofia espírita, que reuniu esses diversos elementos em corpo de doutrina e deduziu-lhes as consequências morais. Quem teria dito, então, quando se ocupavam das mesas girantes, que desse divertimento sairia toda uma filosofia? Quando essa filosofia apareceu, quem teria dito que, em alguns anos, ela faria a volta ao mundo e conquistaria milhões de adeptos? […]. [8] (grifo nosso)

 

Aqui Allan Kardec, incontestavelmente, coloca Emanuel Swedenborg na condição de um destacado precursor do Espiritismo, esclarecendo sobremaneira o que já havia dito em dezembro de 1859.

Após essas explicações, chegou o momento de falarmos sobre a curiosa relação entre Swedenborg e Allan Kardec.

Voltemos à Revista Espírita de 1859, mês de outubro, no tópico “Boletim da Sociedade Parisiense de Estudos Espírita” no qual se menciona a leitura da ata e dos trabalhos da sessão do dia 9 de setembro, ocorrida na Sociedade:

 

Evocação de Swedenborg.

À evocação feita pelo Sr. Allan Kardec, ele responde: “Falai, meu velho amigo”.

Honrais-me com o título de vosso velho amigo. Estamos, entretanto, longe de ser contemporâneos; só vos conheço pelos vossos escritos.

– É verdade, mas eu vos conheço desde muito tempo.

– Desejamos fazer várias perguntas sobre diversos pontos de vossa doutrina; mas a hora está adiantada e nosso objetivo é apenas perguntar se poderíeis fazê-lo na próxima sessão.

– Com prazer. […]. [9] (grifo nosso)


Em 1743, quando teve a sua primeira revelação espírita, Swedenborg contava com 55 anos de idade [10], idade bem próxima à de Allan Kardec quando este iniciou seus estudos sobre os fenômenos espíritas. Ora, se Swedenborg afirma “eu vos conheço desde muito tempo”, acreditamos não ser impróprio concluir que Allan Kardec e ele foram companheiros em alguma vida passada, fato corroborado por tratá-lo de “meu velho amigo.

Supomos ter dois períodos para que os nossos personagens – Swedenborg e Allan Kardec – tenham convivido como amigos:

1º) Poderíamos admitir como sendo entre um pouquinho mais que dois lustros para o final do século XVII e meados do XVIII, período em que Emanuel Swedenborg estava encarnado. Nessa época, consolidou-se a sua relação de amizade com Allan Kardec, e certamente, de seus diálogos, teve algum conhecimento sobre estes dois pontos os emanados da doutrina do médium sueco: 1º) “a existência de um mundo invisível” e 2º) “a possibilidade de nos comunicarmos com ele”. [11]

Isso para nós faz todo o sentido, pois Allan Kardec já tendo algum conhecimento dessas duas realidades, acessando-as através de reminiscências, seria mais fácil aceitar as manifestações ocorridas a partir de Hydesville (EUA) com a família Fox. E com toda a sua capacidade intelectual, pode elaborar os princípios fundamentais do Espiritismo, a partir dos ensinamentos dos Espíritos superiores, comandados pelo Espírito de Verdade, que, após pesquisa profunda [12], identificamos como sendo Jesus.

2º) Considerando que, em nossas pesquisas anteriores [13], as informações de vários Espíritos apontam que entre os anos de 1415 e 1804, respectivamente, data da desencarnação de Jan Huss e do nascimento de Allan Kardec não há outro personagem, pois a reencarnação do primeiro para o segundo é direta. Portanto, seremos forçados a encontrá-los em data anterior ao ano de 1368, época do nascimento do reformador tcheco, descontado o período de gestação, o que, certamente, tornará extremamente difícil a identificação desses dois personagens ligados por forte laço de amizade.

 

Referências bibliográficas:

DOYLE, A. C. História do Espiritismo. São Paulo: Pensamento, 1990.

KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Brasília: FEB, 2013.

KARDEC, A. O primeiro Livro dos Espíritos, trad. Canuto de Abreu. São Paulo: Companhia Editora Ismael, 1957.

KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Sobradinho (DF): Edicel, 2010.

KARDEC, A. Revista Espírita 1863. Araras (SP): IDE, 2000.

MIRANDA, H. C. Swedenborg: uma análise crítica. Rio de Janeiro: CELD, 2014.

SILVA NETO SOBRINHO, Allan Kardec e suas reencarnações, disponível em: PAULO NETO-1. Acesso em: 13 set. 2024.

SILVA NETO SOBRINHO, Jan Huss renasceu como D.H.L. Rivail, disponível em: PAULO NETO-2. Acesso em: 13 set. 2024.

SILVA NETO SOBRINHO, P. Espírito de Verdade, quem seria ele?, disponível em: PAULO NETO-3. Acesso em: 13 set. 2024.

 


[1]   KARDEC, O primeiro Livro dos Espíritos, p. 170.

[2]   KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 49.

[3]   KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 351.

[4]   KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 350-351.

[5]   MIRANDA, Swedenborg: uma análise crítica, p. 35.

[6]   KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 354.

[7]   KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 356.

[8]   KARDEC, Revista Espírita 1863, p. 231-232.

[9]   KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 316.

[10] KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 351.

[11] KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 354.

[12] SILVA NETO SOBRINHO, Espírito de Verdade, quem seria ele? Link: PAULO NETO-3

[13] SILVA NETO SOBRINHO, Allan Kardec e suas reencarnações. Link: PAULO NETO-1

Jan Huss renasceu como D.H.L. Rivail. Link: PAULO NETO-2

    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita