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por Hugo Alvarenga Novaes

A política no Espiritismo


No Centro Espírita que frequento, opinando acerca de um determinado tópico, um sujeito deu o seu parecer sobre a questão proposta por mim, discordando, coisa que acho até saudável, pois afinal não sou o “dono da verdade” e esta é uma oportunidade de nós aprendermos com as nossas divergências.

Triste foi ver que, inopinadamente, o meu interlocutor distorceu o assunto e o levou para o lado político, indo de encontro ao  que o emérito professor lionês nos orientou, ou seja, que nós não devemos falar de política estando em um ambiente espírita.

Vejam bem, toda pessoa pode e deve ser politizada e até debater sobre o tema. O que não é admissível pelo Codificador é que uma polêmica nasça e cresça nos Centros Espíritas.

Quem não segue essa orientação, seja quem for, definitivamente não conhece a fundo Kardec, como deveria, e até se deixa passar por grande estudioso e sabedor do Espiritismo.

Penso que o mais incorreto é a ordem em que a maioria lê os livros espíritas. Primeiramente deveriam ler as obras básicas, depois as fundamentais, para só então conhecer as complementares. Mas não acontece assim. É por isto que Kardec é pouco conhecido. Quando muito, a pessoa já deu uma passada de olhos em O Livro dos Espíritos ou já foleou O Evangelho Segundo o Espiritismo. Falar em A Gênese ou Revista Espírita? Isto é uma grande novidade para eles. Nunca ouviram isto.

Infelizmente o Movimento Espírita está cheio de pessoas deste jeito.

Na maravilhosa lista de livros que o ínclito francês, Codificador do Espiritismo, publicou, lemos que os obsessores muitas vezes usam destes estratagemas para lhes imputar confiança e fazer com que o foco seja o político ou o religioso. Os Espíritos bons não alimentam esta fogueira[1].

Creio que o referido indivíduo que dialogou comigo no Centro Espírita e se denominava kardecista tinha apenas um conhecimento superficial de Kardec. Pois, se ele realmente conhecesse o que foi deixado pelo Codificador, jamais teria aventado um tópico no qual a cizânia é espalhada entre os profitentes desta Augusta Doutrina que seguimos. Na verdade estas controvérsias nos afastam do Espiritismo, o que se torna uma tática muito ardilosa a favor dos nossos antagonistas[2].

Kardec nos adverte para que não nos deixemos cair nessa manobra ardilosa dos nossos irmãozinhos inferiores; que vigiemos e não caiamos na cilada deles, ou seja, não devemos discutir sobre política ou questões irritantes, as quais não nos levarão a lugar algum. Que nós nos prendamos à constante melhora de nossa moral. No Espiritismo, devemos ter cuidado com aqueles que querem nos induzir a caminhos tortuosos[3].

No ano seguinte, o Codificador diz que essa “legião de Espíritos” se compraz em nos incitar a contestações mútuas e polêmicas, assuntos que são controversos, como a política e a religião, para que nós nos digladiemos e consequentemente nos desarmonizemos. Estes “falsos espíritas” são os bajuladores do Espiritismo[4].

No mesmo artigo Kardec continua dizendo que alguns acham que leem muito sobre o Espiritismo, mas acontece que suas leituras são desordenadas e conseguintemente erradas[5].

Fica claro a seguinte especificação de Kardec: “O objetivo da Sociedade é o estudo da ciência espírita, principalmente no que concerne à sua aplicação à moral e ao conhecimento do mundo invisível. As questões políticas e de economia social lhe são interditas, bem como as controvérsias religiosas”.[6]

Kardec não se furta em alertar os espíritas de que o assunto da política é um meio que os nossos opositores usam para nos afastar do Espiritismo em geral, de fazer com que nos separemos. Mais ainda, é uma forma que Deus permite para experimentar a fé, a coragem e a perseverança de seus verdadeiros servidores[7].

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, primeiro Centro Espírita dos tempos, tinha por meta o estudo de todos os tipos. Mas, de forma alguma, haveria ali lugar para a política e demais dissertações que tragam contendas entre seus partícipes[8].

Para o insigne Codificador, a “política e a religião” eram como se fossem barreiras materiais, obstáculos morais, que deveriam ser apagados para o reinado da fraternidade imperar[9].

Vale dizer que dentro do Centro Espírita ou no periódico espírita a “política e a religião” acima citados possuem o sentido de embate, discussão, desarmonia, clima ruim, à diferença dos princípios de amor e fraternidade que emolduram esta Doutrina, que é o Consolador Prometido por Jesus[10], que esposamos.

Nós trabalhamos para dar a fé aos que em nada creem; para espalhar uma crença que os torne melhores uns para os outros, que lhes ensine a perdoar aos inimigos, a se olharem como irmãos, sem distinção de raça, casta, seita, cor, opinião política ou religiosa; numa palavra, uma crença que faz nascer o verdadeiro sentimento de caridade, de fraternidade e deveres sociais. (KARDEC, Allan. Revista Espírita de 1863 – 1. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. – Janeiro de 1863.)

Certamente a política em si é um tema polêmico. Agora, como bem disse Kardec, no Centro Espírita ou mesmo em um periódico Espírita, ela não é apenas polêmica, mas sim inadmissível. Pois, além de desrespeito e falta de caridade para com o irmão que tenha uma opinião diferente, mostra que essa pessoa até pode concordar com o Espiritismo, achar lógica na reencarnação, assistir às palestras espíritas no Centro Espírita, “tomar passe” regularmente, vibrar com as mensagens ditadas por Emmanuel, André Luiz, Joanna de Ângelis etc. Contudo não se preocupa com o principal, que é estudar e analisar Kardec e praticar seus ensinamentos.

Triste!

 


[1] KARDEC, A. Revista Espírita, 12/1859, FEB, Aforismos Espíritas e Pensamentos Avulsos, (.pdf).

[2] KARDEC, A. Revista Espírita, 02/1862, FEB, Resposta Dirigida aos Espíritas Lioneses por ocasião do Ano Novo, (.pdf).

[3] KARDEC, A. Revista Espírita, 02/1862, FEB, Votos de Boas Festas, (.pdf).

[4] KARDEC, A. Revista Espírita, 03/1863, FEB, Falsos Irmãos e Amigos Inábeis, (.pdf).

[5] KARDEC, A. Revista Espírita,03/1863, FEB, Falsos Irmãos e Amigos Inábeis, (.pdf).

[6] KARDEC, A. Viagem Espírita, FEB, Proposto pela Sociedade Central de Paris, tendo em vista manter a unidade de princípios e de ação, item 1, (.pdf).

[7] KARDEC, A. Revista Espírita, 01/1864, FEB, Estado do Espiritismo em 1863, (.pdf).

[8] KARDEC, A. O Livro dos Médiuns, FEB, cap. XXX, Regulamento da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cap. I, Fins e formação da Sociedade, Art. 1º. (.pdf).

[9] KARDEC, A. O Livro dos Médiuns, FEB, cap. XXXI, item II, Sobre o Espiritismo, (.pdf).

[10] KARDEC, A. A Gênese, FEB, cap. I, Caráter da Revelação Espírita, (.pdf).

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita