Tema: Não mentir
Encrenca para Miguelzinho
Enquanto, na Grande Clareira, Ferdinando Leão conduzia a
reunião geral dos bichos de selva, algo acontecia em
Margem-de-lá...
- ... E só se levante desta mesa quando terminar a
lição! - ordenou Neide Esquilo.
- Tá bom, mãe - Miguelzinho Esquilo apontava o lápis, e
ia começar a cópia, quando Juquinha esquilo apareceu na
janela:
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- Oi, Miguel. Vamos brincar de "pega-nozes"?
- Puxa! Bem que eu queria. Mas a mãe não vai deixar...
- Diz que vai fazer
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um trabalho de ecologia na minha casa. Uma
mentirinha à toa. |
- Então, "tá". Espere aí.
Em menos de cinco minutos estavam fora, divertindo-se
numa competição para ver quem conseguia apanhar mais
nozes. A brincadeira durou pouco, pois eles logo se
cansaram e resolveram voltar para casa, com muitas nozes
para comer.
De repente, Miguelzinho parou:
- Só tem uma coisa: como é que eu vou chegar em casa com
todas estas nozes? Minha mãe vai querer saber de onde
vieram...
- Você diz que encontrou no caminho - sugeriu Juca. -
Uma mentirinha à toa.
E Miguelzinho fez isto mesmo. Acontece que Neide
estranhou:
- Estas nozes estão verdes, meu filho. Não iriam cair
sozinhas. - O olhar carinhoso da mãe de Miguel indicava
que eles poderiam dizer a verdade e enfrentar, quem
sabe, uma leve reprimenda.
Os esquilinhos hesitaram, a princípio, mas Miguel
explicou:
- F... Foi o furacão. ("Uma mentirinha à toa", pensou.)
- Ora, meninos! Não há vento o bastante para mover uma
folha!
- É que o furacão ainda está chegando - remendou
Juquinha.
- Furacão chegando? Vou avisar seu pai!
- E saiu Neide Esquilo correndo, assustada, em busca do
marido, Fabrício.
Miguel e Juca ficaram olhando um para o outro, olhos
arregalados, sem saber o que fazer, mas pressentindo que
estavam encrencados. E que confusão tinham arranjado!
Fabrício Esquilo era o líder, na ausência de Arnaldo, e
ao receber a alarmante notícia determinou:
- Temos de arrumar nossas coisas e partir para as
cavernas. Neide, avise os outros. Eu vou avisar o
Arnaldo... - E, sem terminar de falar, saiu correndo em
direção ao Rio.
Neide Esquilo foi alertando todos que encontrava:
- Cida, temos de partir. Julieta, vamos evacuar
Margem-de-Lá. Amélia, vamos embora, chame o Adamastor.
Primeiro as crianças! - E todos correram para juntar
tudo de que podiam precisar.
Chegando à beira do Rio, Fabrício pediu ao Chico Jacaré
para levar o recado até a Reunião dos Bichos. Chico
Jacaré nadou depressa, correu quanto pôde (com suas
pernas curtinhas!) e chegou à Grande Clareira gritando:
- Furacão! Furacão!!
Todos os animais entraram em pânico. As aves levantaram
voo, desorientadas e aos gritos, trombando umas com as
outras. Os elefantes bramiram. Os carneiros baliram. As
doninhas guincharam. Os cisnes grasnaram. Arnaldo
levantou-se ligeiro, pensando na sua família.
Finalmente, Ferdinando conseguiu conter o tumulto, e
depois de ter consultado Arlindo Cavalo, anunciou:
- Arlindo Cavalo confirma que não há nenhum furacão. Se
houvesse, o Serviço Meteorológico dos Cavalos Selvagens
saberia. Ordem na assembleia. Vamos prosseguir com a
nossa pauta.
Diante dos duzentos e noventa e cinco olhares sisudos
dos animais (quinhentos e noventa olhos!), o Jacaré
justificou-se:
Mas... foi o Fabrício Esquilo que falou. E, cabisbaixo,
foi-se.
- Vou com você - decidiu Arnaldo. - Que história foi
esta?
No caminho de volta, Chico disse tudo o que sabia ao
líder dos esquilos. Este, de carona no lombo do Jacaré,
chegou à Margem-de-Lá e encontrou o povo em franca
movimentação. Imediatamente, perguntou a Fabrício como
soubera do furacão.
- Foi minha mulher que avisou. - E, já na casa de
Fabrício:
- Eu... inventei? - protestou Neide. Foi o Miguel que me
disse...
Fabrício e Arnaldo chamaram Miguelzinho num canto, e ele
teve de contar a verdade. O pai, vendo que era preciso
fazer valer a disciplina, disse ao filho muitas coisas.
E concluiu:
- Você apavorou sua mãe, mobilizou todos os esquilos,
interrompeu uma reunião importante, gerou pânico em toda
a selva e nada disso tem justificativa. Um mês sem sair
para brincar. E vou conversar com o pai do Juca.
Miguelzinho, com lágrimas nos olhos, foi para o seu
quarto, calado.
Este não é um final feliz. É que a história de uma
mentira jamais vai terminar bem...
Do livro Continente Imaginário,
de Rita Foelker.