Há espíritos que desde a sua origem escolhem caminho que
os exime de muitas provas. Outros há, no entanto, que
permanecem estacionários. Quando há demora para o
ajustamento, arquitetos universais estimulam os
retardatários ao progresso. Este texto se propõe a
estudar essas diligências, nem sempre agradáveis, que
aqui chamaremos de receitas libertadoras do espírito.
A receita1
Uma dona de casa queria fazer um bolo gostoso, mas não
estava conseguindo. Procurou uma amiga, que lhe deu uma
receita. A doceira, porém, a advertiu de que as medidas
deveriam ser exatas e com ingredientes certos. Falou
ainda que ela precisava ter imaginação, com bons
pensamentos na hora do preparo. Seguindo essas
instruções, o bolo ficou delicioso.
A receita do bolo é a
metáfora do planejamento para que cada criatura se torne
pessoa melhor e, por consequência, tenha uma vida
produtiva. Os ingredientes são as atitudes que devemos
adotar para enfrentar os problemas da existência e
avançar no processo evolutivo.
Escolha dos ingredientes
Desde sua criação, nos primórdios da vida, o espírito é
convidado ao bem. O livre-arbítrio faculta-lhe o acesso
à verdade e à consonância com as leis universais. Se
resolve optar pelos desvios, surgem os castigos,
isto é, os efeitos decorrentes dessa escolha,
proporcionais às faltas cometidas.
Algo parecido com a doma de uma montaria selvagem. O
domador começa com leves batidas no dorso do animal. Se
ele entende a mensagem e é obediente, tudo bem. A
comunicação foi estabelecida. No mais das vezes,
pequenas varadas não são suficientes. Quando o animal
não obedece, acresce-se o vigoroso uso do cabresto. Se
ainda assim a mensagem de obediência não é entendida,
unem-se a dor do relho, o cabresto curto e o uso das
esporas.
Guardadas as devidas proporções, podemos comparar a
figura de linguagem à evolução do espírito, que recebe
todas as condições necessárias para trilhar o caminho
reto, mas opta pelas alternativas do poder, da
sensualidade e da desonestidade. Daí tornar-se mais ou
menos tardio o surgimento da irresistível necessidade de
o espírito sair da inferioridade para ser feliz.
Essa demora de ajustamento às razões da existência,
quando catalogadas vidas após vidas, é detectada pelos
arquitetos universais, que passam a adotar efetivas
providências, a fim de despertar espíritos indolentes
para a ressonância com a jornada evolutiva. Quando o
reflexo condicionado, que auxilia o animal, é ignorado
pelo ser inteligente, o espírito encarnado sofre as
consequências, para que retome a charrua evolutiva.
Enfermidades, por exemplo, são lembretes de Deus para
que não nos esqueçamos dele. Naturalmente, a ciência e
os programas sociais auxiliam as pessoas a prevenirem e
a superarem os problemas de saúde. Mas, não basta tomar
remédios, vacinas ou seguir prescrições médicas.
Precisamos associar os recursos da medicina da Terra aos
recursos da medicina da espiritualidade.
Enfrentar egoísmo com
altruísmo, evitar atitudes nocivas como desonestidade e
maledicência, assumir atitude positiva e otimista
perante a vida, levar a religião a sério e buscar novos
conhecimentos são poderosos recursos para prevenir ou
superar doenças ou abreviar estados de convalescença.
Ingrediente estragado – um crime
O que pensar de uma criatura enterrada viva? No século
XIX isso não era incomum. Um acidente vascular cerebral
podia provocar estado de adormecimento profundo, em que
respiração, batidas cardíacas e pulsações tornavam-se
tão sutis, que o indivíduo parecia estar sem vida. Com
os avanços da ciência hoje isso é mais difícil de
acontecer. Temos, com frequência, nos hospitais,
situações de quase morte, com ressuscitamento, desde que
haja pronto atendimento através dos modernos recursos da
medicina.
Allan Kardec nos descreve, no livro O Céu e o Inferno,
um caso ocorrido em 1850, em que, quinze dias depois do
sepultamento, reconheceu-se que um corpo havia mudado de
posição e estava totalmente revirado. Constatou-se que
aquele homem havia sido enterrado vivo e teria sucumbido
em terríveis circunstâncias.
Tratava-se, em vida, de pessoa honesta e de excelente
reputação. Evocado, trouxe alguns esclarecimentos à
Sociedade Espírita de Paris:
— Numa existência anterior, eu murara minha mulher,
viva, numa pequena adega. Foi a pena de talião que devia
aplicar-me.
As dores dos homens quase
sempre são as consequências de uma vida anterior
criminosa. Naquele caso, o outrora verdugo solicitara à
espiritualidade viver dramática experiência, semelhante
à que submetera a sua vítima, para expiar seu crime.
Agora poderia, de consciência tranquila, reencontrar-se
com ela, que o esperava e já o perdoara há muito tempo.
Ingredientes estragados – más palavras
Mentira, maledicência, crítica e palavrão podem
comprometer a receita do bolo da vida? Sem
dúvida! Todas elas têm a mesma origem: egoísmo. Quando
pensamos somente em nós mesmos, prejudicamos outras
pessoas e atrapalhamos os relacionamentos, comprometemos
a vida social, com consequências que podem derivar para
a delinquência, desentendimentos e desarmonia. Se todas
as pessoas continuam a agir dessa forma, estão
contribuindo para os desequilíbrios mundiais e estão se
distanciando cada vez mais da serenidade e do bem-estar,
seja ele físico, emocional ou espiritual. Isto é,
azedando o bolo da existência.
Qual é o antídoto?
Vejamos!
Laranja – um excelente ingrediente2
Em certa ocasião o palestrante Wayne Dyer, autor do
livro Seus pontos fracos, trouxe uma laranja até
o palco e perguntou a um inteligente garoto que estava
sentado na primeira fila:
— Se
eu apertar esta laranja, o que sairá dela?
— Suco de laranja, é claro — disse o menino
sorrindo.
— Por que sai suco de laranja quando você espreme uma
laranja?
— É uma laranja e isso é o que está dentro dela —
falou o menino.
— Vamos
supor que essa laranja não seja uma laranja. Que ela é
você. Imagine que alguém aperta você, pressiona você,
diz algo que você não gosta e o ofende. E de dentro de
você vem a raiva, a ira, o ressentimento e o ódio. Por
que isso saiu? Porque é isso o que está dentro de você.
Se a raiva, a dor ou o medo saem, é porque é o que está
dentro de você. Se alguém falar algo de você que você
não gosta, o que você tem do lado de dentro vai sair. E
o que está do lado de dentro é escolha sua.
***
Amigo leitor, o que sairá de dentro de você se o
universo começar a espremê-lo? Se nada além de amor sair
de você é porque você assim permitiu. E, se você
conseguir remover as emoções que o consomem e que lhe
fazem mal — inveja, ódio, ressentimento e sentimento de
vingança —, e substituí-las pelo ingrediente do amor,
seu bolo ficará muito melhor.
Limpando a forma do “bolo”3
— Estaria você propondo uma limpeza da alma? —
poderá perguntar o caro leitor.
Isso mesmo. Somente cuidando da nossa casa mental
poderemos nos prevenir contra eventuais medidas
corretivas do plano espiritual, a fim de retomar a rota
evolutiva. Dessa forma, estaremos nos preparando para
espalhar novas ideias, que, se tomarem vulto e se
espalharem, serão capazes de nos inserir no grande
movimento de transformação que almejamos para um mundo
melhor.
Vejamos as principais medidas de limpeza da forma do
nosso bolo:
— Esquecer as ocorrências infelizes do passado.
Olhemos para o futuro com esperança e vontade de não
repetir erros passados;
— Fugir dos assuntos que tratam de guerras,
delinquência, criminalidade e notícias deprimentes.
Se ainda não podemos resolvê-los, não permitamos que
contaminem nossas vidas;
— Trabalhar.
O melhor ingrediente para superar tentações e depressões
é a ocupação nobre. A hora vazia é perigosa para a alma
e compromete a nossa saúde e a do mundo em que vivemos;
— Evitar comentários deprimentes.
Nenhum mal é digno de comentário. Procuremos pensar,
falar e agir no bem.
— Orar sempre.
Da mesma forma que a higiene do corpo mantém a saúde, a
higiene da alma é o melhor caminho para termos um mundo
melhor. Com isso, surgem boas intuições, novas
oportunidades e, acima de tudo, atraímos pessoas para
seguirem nosso exemplo. Este é o início de uma revolução
de amor que não mais vai ter fim.
O “bolo” de Belizário estava azedando
Espíritos superiores não se comprazem com nossos
sofrimentos. Ainda que se preocupem mais com nossas
dores morais, seus métodos suasórios são altamente
diversificados. Quando percebem que o espírito encarnado
está caminhando indefectivelmente para o fracasso,
quando veem que a vaca está indo para o brejo,
adotam efetivas providências de despertamento e
aclaramento, para que ele se afaste de situações
ilusórias. Como esta, narrada por Richard Simonetti,
última cartada para salvar o personagem Belizário4.
Belizário havia morrido. Ou, pelo menos, era o que
pensava. Vejamos como foi sua chegada ao plano
espiritual:
Belizário imaginava viver um pesadelo. Transitava por
região de denso nevoeiro, lúgubre, vegetação rasteira,
ouvindo gritos e clamores de gente agoniada.
– Meu Deus! Morri!
Ardentes se tornaram suas lágrimas. Sempre entendera que
sua ligação com o Espiritismo seria um passaporte
garantido para paragens mais amenas, em contato com
benfeitores e o reencontro maravilhoso com amigos e
familiares desencarnados. Jamais imaginara que a morte
lhe reservasse semelhante surpresa!
Embora inteligente e culto, nunca atentara à
responsabilidade de ser espírita, nem percebera um ponto
fundamental: o conhecimento da verdade implica
compromisso com ela! Ficara sempre em águas de
superficialidade, sem realizar o mínimo esforço no
sentido de ajustar-se aos valores do Evangelho, conforme
sinalizam os princípios codificados por Allan Kardec.
Pelo véu espesso das lágrimas, viu surgir alguém.
– Então, meu caro Belizário, está gostando deste “spa”5 da
alma?
Nosso herói identificou de pronto o velho Ferreira,
espírita sempre bem-humorado e dedicado às lides
doutrinárias.
– Ah! Ferreira, meu caro Ferreira! Sua presença confirma
minhas suspeitas de que retornei à espiritualidade, mas,
por favor, meu amigo, não brinque! Sinto-me nas
profundezas de tenebroso inferno, sofrendo torturas
intraduzíveis!
O socorrista, a sorrir, confirmou:
– Nada disso, meu caro. Aqui é, realmente, um “spa” para
queima de gorduras espirituais adquiridas nos excessos
da romagem humana.
Ferreira passou a mostrar os graves enganos que
Belizário havia cometido, orientado por interesses
pessoais, sob a inspiração do egoísmo. Mostrou que suas
ações não estavam exprimindo uma vivência cristã. A
partir desse momento, sob a indução de Ferreira,
Belizário entrou em transe profundo e passou a recordar
seu passado próximo, revivendo, em breves instantes,
suas mais recentes experiências.
Retornando do transe induzido por Ferreira, Belizário
apavorou-se ao relembrar, ante o tribunal da consciência
desperta, as experiências dos últimos dias. Belizário
chorava, desolado.
— Entendo agora por que vim parar aqui. Fui um louco
jogando fora as oportunidades que me foram concedidas. E
agora, o que vai ser de mim?
— Regozije-se, meu amigo. Você vai receber outra chance.
— Reencarnarei tão cedo?
– Não. Você continuará encarnado. Prosseguirá na jornada
humana com plena consciência desta experiência de quase
morte, com o benefício do ressuscitamento. Não obstante,
tenha o máximo cuidado! Você agora tem responsabilidade
dobrada. Está perfeitamente esclarecido do que o espera
se não mudar o rumo de sua existência.
O “spa” da alma
propiciado pelo amigo Ferreira deu outro sentido à vida
de Belizário. O desfilar de comprometimentos que o amigo
lhe propiciara abriu seus olhos e modificou para sempre
a sua maneira de ser. Compreendeu que um homem de
consciência desperta é o mais poderoso recurso em favor
de uma sociedade justa e solidária. Da espiritualidade,
o velho e querido amigo Ferreira, contemplando a
abençoada transformação de Belizário, não pôde deixar de
exclamar:
– Abençoado “spa” da alma!
Consertando uma receita desandada
Em entrevista concedida durante o Congresso Brasileiro
de Psiquiatria, realizado em São Paulo, o psiquiatra
Alexander Moreira-Almeida falou sobre o maior sentido da
vida que vivenciam os que retornam de uma EQM –
experiência de quase morte.
Repórter: — O
que são EQMs?
Dr. Alexander: — Experiências de quase morte são
situações vivenciadas por pacientes que passam por
grande risco de vida. Várias causas podem
desencadeá-las, como uma infecção grave, um acidente, a
queda de um alpinista ou uma parada cardíaca, por
exemplo.
Repórter: — É
verdade que muitos pacientes, após a experiência de EQM,
mudam a sua vida e a forma de pensar e de ver as coisas?
Dr. Alexander: — Com muita frequência a EQM gera
mudanças duradouras na personalidade do indivíduo. Em
sério estudo holandês, percebeu-se que pacientes que
voltaram da EQM tiveram ao longo dos anos seguintes um
maior desenvolvimento de altruísmo, maior
espiritualidade, maior satisfação e maior sentido com a
vida.
Reflexão culinária
Indago a mim mesmo:
— Como
está o bolo da minha vida? Estou usando os ingredientes
do bem que Jesus nos legou? Ou quando o universo me
espreme? De mim está saindo um suco doce ou amargo,
destituído de amor?
Fiquemos com estas preciosas recomendações, para que não
desandem as nossas expectativas de progresso6:
— Orar sempre, sem jamais esquecer o trabalho.
— Doar, sem saber quem será o beneficiário.
— Servir, sem perguntar até quando.
— Sofrer, sem espalhar dores.
— Progredir, sem perder a simplicidade.
— Semear, sem pensar na gratidão.
— Desculpar incondicionalmente.
— Aprender a olhar sem malícia.
— Escutar e silenciar.
— Falar sem ferir.
— Respeitar, sem considerar credo, gênero, orientação
sexual, posição social ou idade.
—Exercitar
a paciência.
A nossa vida assemelha-se a um bolo que devemos fazer
com muito cuidado, selecionando a receita, os
ingredientes e o modo de preparar. Estamos satisfeitos
com a atual encarnação? Ou poderemos melhorar a sua
massa, dar-lhe melhor tempero ou, mesmo com as
dificuldades, torná-la melhor, mais agradável e
saborosa? Usando insuperáveis produtos, saberemos
desenvolver as atitudes corretas e adquirir um selo de
inigualável qualidade para o bolo da vida. Se
assim fizermos, aplicando os ingredientes mágicos
fornecidos pelo Cristo, tenhamos a certeza de que o bolo da
nossa atual encarnação ficará muito saboroso, e, ao
mesmo tempo, estaremos balizando nossas atitudes,
habilitando-nos à felicidade dos exemplos e ensinamentos
do Mestre Jesus. Gravitar para a unidade divina, eis a
finalidade da existência.
Referências:
1 - SIMONETTI, Richard. Palestra
proferida em dezembro de 2003, no CEAC – Centro Espírita
Amor e Caridade de Bauru.
2 - DYER, Wayne Walter. Seus pontos
fracos. (Your Erroneous Zones) 1976. Editora Viva
Livros. Trecho da palestra I can do, proferida em
Toronto, Canadá.
3 - Redação do Momento Espírita.
4 - SIMONETTI, Richard. Mudança de
rumo. Edição 1. Outubro de 2008. Editora
CEAC.
5 - SPA - A sigla “spa” vem do termo salus
per aquam, que significa cura pela água, em hotéis
ou estâncias localizadas fora da cidade, buscada por
pessoas que desejam descanso e cuidados para a saúde.
6 - Redação do Momento Espírita.
Artigo publicado
originalmente pela revista REFORMADOR, da Federação
Espírita Brasileira, no mês de JANEIRO/2025.