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por Paulo Hayashi Jr.

 

Igualdade aos desiguais?


A métrica da igualdade tornou-se de alguns anos para cá um autêntico mantra que vem sendo repetido com um objetivo social a ser perseguido por diferentes setores da sociedade, em especial na questão dos ganhos econômico-financeiros. Entretanto, até que ponto é um objetivo que se alinha com o cerne do Espiritismo, cuja doutrina codificada por Allan Kardec expressa de forma clara a existência de espíritos de classes diferentes e que o mundo é formado tanto por espíritos de início de jornada, quanto outros mais avançados? Será que a busca da igualdade por espíritos tão diferentes não viria ferir a questão da justiça?

Por exemplo, isso é uma questão que todo professor, independente da série ou do nível escolar enfrenta. Será que todos os estudantes de uma mesma sala de aula merecem a mesma nota? Será que alguns não conseguiram vencer melhor os seus desafios? Há alunos que gostam de acordar cedo, outros não. Há alguns com mais talento natural para certas tarefas, outros não. Há alunos que se esforçam mais, outros não. Há alunos com pais comprometidos com a educação dos filhos, outros não. Há alunos que criam afinidades com a escola e com os professores, outros não. Então, há uma miríade de razões que podem afetar o estudo e o desempenho do alunado, bem como suas notas. Nivelar as notas por uma igualdade artificial pode desestimular os alunos mais vibrantes e esforçados, bem como não estimular ao crescimento o aluno mais fraco. Em outras palavras, toda a turma seria prejudicada e o prejuízo seria percebido com o passar do tempo.

Outro ponto de difícil resolução é a questão de combinar a igualdade com alguns versículos bíblicos, como por exemplo, a parábola dos talentos. Neste caso particular, há o trabalho e a recompensa proporcional aos esforços, sendo aqueles que tinham recebido uma quantidade maior de talentos também conseguiu obter maiores recompensas. Por outro lado, aquele servo que apenas tinha ganho um único talento e resolveu “enterrar” aquele tesouro e não multiplicou foi punido no final pelo Senhor:

 

“Mau e negligente servo; sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei?

Devias então ter dado o meu dinheiro aos banqueiros e, quando eu viesse, receberia o meu com os juros. Tirai-lhe pois o talento, e dai-o ao que tem os dez talentos.  Porque a qualquer que tiver será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver até o que tem ser-lhe-á tirado. Lançai, pois, o servo inútil nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes.” - Mateus (25, 26-30).


Conforme comentários sobre a parábola dos talentos presentes em O Evangelho segundo o Espiritismo
[1], Deus não impôs uma prova impossível chamada riqueza ao ser humano. Apesar das dificuldades devido às tentações extremadas do egoísmo, orgulho e vaidade, quando bem utilizada por servir como elemento de salvação. Além disso, condenar e abolir a fortuna pode desestimular o trabalho, bem como a lei do progresso. “A riqueza sendo o primeiro meio de execução, sem ela não mais grandes trabalhos, não mais atividade, não mais estímulo, não mais pesquisas; é, pois, com razão, considerada como um elemento do progresso” (p.200). Dando continuidade ao tema da riqueza, Allan Kardec questiona: “Por que todos os homens não são igualmente ricos? [...] Cada um deve possuí-la, para experimentar servir-se dela e provar o uso que dela sabe fazer; mas como há a impossibilidade material de que todos a tenham ao mesmo tempo; que, aliás, se todo mundo a possuísse, ninguém trabalharia e o aprimoramento do globo com isso sofreria” (p. 201). Ou seja, a riqueza é uma forma tanto de estimular o progresso pessoal, em especial do desenvolvimento intelectual, quanto também da questão moral. A riqueza torna-se legítima prova de resistência as tentações e de abnegação. O mau uso da riqueza é deplorável, assim como também o uso inadequado de outros recursos da própria encarnação.

Deste modo, tanto a riqueza, quanto a pobreza tornam-se provas diferentes que buscam enfatizar diferentes aspectos na longa caminhada do progresso e da perfeição. Esperar a igualdade entre seres desiguais tornam-se legítima utopia, tal como esperar que um espírito avançado em filosofia e outro, por exemplo, ainda no período da pré-escola tenham igualdade de desempenho em uma prova de escrita e literatura.

Assim, a desigualdade por espíritos desiguais torna-se o mundo mais desafiador ao progresso, assim como mostra tanto a pluralidade de nossos mundos, quanto à própria variedade de provas, desafios e de diferenças entre os próprios espíritos.

Mais do que a igualdade, a equidade deveria ser posta em destaque para que, através da lei da Ação e Reação, o indivíduo possa se esforçar e trabalhar para a melhoria de si e do mundo. A equidade de receber conforme os esforços, ou suas semeaduras e assim, acumular o conhecimento e as experiências necessários para o seu desenvolvimento. É o voluntarismo do espírito encarnado para o seu aprimoramento e que aceita as suas provas de encarnação sem lamúrias ou arrependimentos.

Assim, as idas e vindas em diferentes encarnações darão chance as diferentes lições e caberá a cada um de nós avançar nas diferentes provas, bem como de nos purificarmos para fazer, conforme o primeiro servo da parábola dos talentos: “Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor.” (Mateus 25, 21).

 


[1] Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Catanduva: Ed. Boa Nova, 2004.

 
  
    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita