O tempo voa. Voam com ele as experiências transatas de
momentos importantes e enriquecedores para o espírito,
bem como também vivências que nos levam a reflexões
interessantes.
A Doutrina Espírita nos proporcionou tudo o que temos e
somos. Desde a formação acadêmica até o interesse por
respostas que não estão nos livros doutrinários e nem
encontramos em outras literaturas (até o momento.
seguimos procurando...). Além de uma inquietação pelo
saber, por tentar traduzir aquilo que se conhece em
práticas que transformam, também.
Dedicamos algum tempo refletindo sobre a alma do ponto
de vista material (Psicologia) para chegar à conclusão
de que, embora o trabalho profundo desenvolvido pelo Dr.
Sigmund Freud e da riqueza que é estudar o inconsciente
a partir do ponto de construção do edifício
psicanalítico, o pouco caso com que o Espiritismo foi
tratado não esconde até que ponto a vaidade intelectual
é aleivosa.
Para o benemérito médico nascido na pequena Pribor,
região da Morávia, República Tcheca, as explicações dos
espiritistas para os fenômenos espirituais e as
comunicações de espíritos que foram importantes quando
encarnados, com conteúdo tão “vazio”, só demonstram a
“capacidade desses espíritos de adaptar-se ao círculo de
indivíduos que os invocam” (excerto do ensaio “Futuro da
ilusão” em que Freud analisa a origem da religião,
psicanálise e o futuro. Escrito em 1927).
As incongruências a respeito de Deus trazidas pelo pai
da Psicanálise fazem o niilismo de Nietzsche parecer
conto da carochinha, embora seja do conhecimento de
todos que a “morte de Deus” é uma crítica relevante à
sociedade e ao pensamento ocidental que insistia (e
ainda insiste) em adotar ideias religiosas convencionais
que perderam credibilidade em função das diversas crises
existenciais ao longo do tempo, enquanto a ciência e a
razão ganhavam terreno – o que não necessariamente
significa, no pensamento do filósofo, uma substituição ipsis
litteris. Contudo, para os conservadores, é melhor
creditar na conta do “homem louco” de A Gaia Ciência, do
que encarar o incômodo de um pensamento diferente.
Com Freud o movimento é contrário ao do “homem louco” de
Nietzsche. No pensamento psicanalítico de Freud, a
figura de Deus provém do nosso desamparo e daí o anseio
por um pai ou pelos deuses e justifica esse pensamento
no sentido de que os deuses passariam a cuidar das
mágoas que os homens infligem uns aos outros, velando
pelo cumprimento das normas civilizadas a que os
indivíduos tão mal se submetem.
O curioso nesse pensamento freudiano é que faz sentido,
porque, quando no Evangelho se utiliza a expressão
“Pai”, para definir Deus, é possível interpretar que a
humanidade ainda estagia numa fase em que a figura
paterna é necessária, porque o que mais se vê são
desmandos impulsionados pelo egoísmo. Todavia, não foi
muito bem nesse sentido que Freud escreveu e sim em um
valor menor para o aspecto religioso na vida da
sociedade de um modo geral. É paradoxal. Naquilo que
convém, utiliza-se o pensamento psicanalítico e quando
não é necessário, utiliza-se o pensamento doutrinário,
como se ambos se completassem. Ledo engano. São
abordagens totalmente antagônicas, visceralmente
diferentes porque o “deus” freudiano é o inconsciente,
que acabou sendo uma espécie de pasta de arquivos de
computador chamada de “outros”, em que cabe tudo,
sobretudo quando não se sabe classificar o que ocorre no
presente. Mas mesmo sendo um "imbróglio" o inconsciente,
o Espírito foi ignorado por ser visto como algo
"religioso" apenas.
Aliás, por falar em “classificar”, é comum entender-se
que a classificação científica tão necessária para se
organizar o pensamento, método e o conhecimento, quando
não empregado da forma correta, torna-se uma
“limitação”. Limita-se uma ideia e um pensamento, não
apenas pelo conhecimento daquilo que a expressa, como
também do método que a classifica. O saber é transdisciplinar,
sobretudo o conhecimento doutrinário. A
transdisciplinaridade vai além do interdisciplinar
porque integra métodos, teorias, princípios
epistemológicos e ontológicos. Um exemplo disso é a
origem da palavra “alma”. A Doutrina Espírita é
transdisciplinar porque foi além da matéria para
explicar sua origem, criando métodos capazes de
comprovar sua existência pré e pós morte, algo que
nenhuma outra ciência foi capaz de fazer igual e nem de
ir além. O máximo que conseguiram foi refutar, de acordo
com as premissas que utilizaram. Uma vez valendo-se de
princípios equivocados, o que se construirá também será
equivocado.
Mas, voltando ao pensamento freudiano sobre Deus e suas
incongruências, podemos traduzir da seguinte maneira: a
complexidade e o esforço (ginástica) intelectual, bem
como as premissas utilizadas em algumas ciências novas e
em outras ciências materialistas para justificar que
grande parte dos fenômenos que ocorrem com o homem é
fruto apenas de suas ações e que o mundo espiritual é
uma “convenção”, que atingiu seu apogeu na França do
século XIX, demonstram quão distante se está de um
trabalho produtivo na divulgação da Doutrina Espírita.
Por quê? Porque não fomos capazes, ao longo do tempo, de
levar a Doutrina Espírita para outros círculos que não
sejam os círculos religiosos convencionais. E quando
foram levados, não houve continuidade. E se houve
continuidade, não ocorreu do ponto de vista Espiritual e
sim Material. Até porque, no meio espírita, existem
divulgadores que ainda insistem no uso da “Soutane”.
(1)
Percebe-se, com isso, que o pensamento
psicanalítico-terapêutico tem sido acolhido, e com boa
dose de razão, pelo movimento espírita, mas o contrário
não é verdadeiro. Freud ignorou aquilo que talvez
pudesse ter sido uma excelente entrada para o
Espiritismo no mundo acadêmico. É bem verdade que a
Psicanálise possui os seus “fantasmas” e até hoje é
criticada como uma “pseudociência”. De fato, desde os
primórdios, pelo que pudemos analisar, assim como
ocorreu com a Doutrina Espírita, a comprovação da
eficácia dos métodos empregados pela ciência nova são
passíveis de questionamento. Isso foi dito por
profissionais da área.
Aplicando a compreensão cristã, pode-se perceber
semelhanças na luta psicanalítica séria, científica, em
comprovar a eficácia do seu método, assim como da
Doutrina Espírita em apresentar as evidências das
manifestações dos Espíritos na atualidade. Com uma
diferença prática relevante. Na psicanálise o tratamento
é individual. A defesa de Freud para que assim seja é
digna de nota, por mais óbvio que seja, tornando o
processo científico mais difícil de ser compreendido,
medido e sobretudo aperfeiçoado. Já com relação às
manifestações espirituais, esquadrinhou-se por todos os
ângulos seu método de comunicação, respeitando a
privacidade e a individualidade do comunicante.
E isso tudo nos remete a outro pensamento. Em uma casa
espírita que conhecemos, a missão e o trabalho que é
desenvolvido por mais de mil voluntários é extremamente
transparente, lúcido e feliz: o ser humano. Nós. A Casa
divulga a Doutrina Espírita com o objetivo de auxiliar
as pessoas, ou seja, não faz sentido ter compromisso com
a Doutrina Espírita em estudá-la e divulgá-la se não for
para que ela seja aplicada no próximo e em si mesmo. Ou
seja, não faz sentido ter compromisso doutrinário que
não seja para o benefício das pessoas! A prova disso é o
quanto se tem malogrado na divulgação da Doutrina
Espírita na atualidade (e isso nos remete a outras
reflexões que serão abordadas em outra oportunidade:
ainda cabem a existência de instituições de divulgação
da Doutrina Espírita como proposto por Allan Kardec no
seu Projeto de 1868? Seria o momento de reformulação?)!
Muita conversa para inglês ver e pouco resultado
efetivo. Após mais de cem anos de existência da Doutrina
Espírita, ainda não é claro para muitos divulgadores que
a melhor maneira de divulgá-la é preparando estudos que
possam fazer as pessoas refletirem, absorverem e se
sentirem estimuladas a aprofundar e a sentirem-se
seguras para a transformação individual almejada, aqui
ou alhures.
Poderíamos continuar tecendo reflexões para o amigo
leitor que chegou até aqui, mas por respeito, não
prolongaremos, embora entendamos que há espaço para
continuarmos a prosa.
O que fica claro, ou melhor, à luz da razão, é que se
tem ainda muito trabalho a ser feito para que, de fato,
a Doutrina Espírita seja divulgada e alcance mais
corações; assim como também precisamos compreender
melhor o que divulgamos e imputamos como “doutrinário”
porque nem sempre as conexões estão sendo felizes. A
transdisciplinaridade citada anteriormente é importante
quando acolhemos na divulgação espírita o pensamento de
outras áreas do conhecimento para ilustrar o que a
Doutrina Espírita já evidencia em seus postulados desde
o século XIX. Podemos falar sobre o niilismo de
Nietzsche, contudo, é necessário apresentar o pensamento
doutrinário para que minimamente se saiba a diferença e
os pontos de convergência, bem como a inflexão
indispensável que a Doutrina Espírita proporciona de bem
e bom para a “cura” do Espírito (por que não?!).
Por isso, caros companheiros do ideal espiritista, será
que esgotamos o saber doutrinário em seu aspecto
esclarecedor, consolador e educativo? Será que chegamos
em um momento em que não há mais nada a fazer pela
Doutrina Espírita em termos de conciliar a divulgação
com a vivência doutrinária? Acreditem, já ouvimos que
são “coisas diferentes”, pasmem! Enquanto a divulgação
for tratada como uma “profissão de fé”, não sairemos da
superfície da compreensão doutrinária. Já houve época em
que a divulgação Espírita acontecia em termos práticos,
independente do fenômeno, para consolar e confortar
corações. O movimento espírita precisa resgatar isso. É
de suma importância que se divulgue aquilo que se
acredita, para se iniciar uma jornada restauradora da
credibilidade doutrinária ante aqueles que buscam
conforto e esclarecimento para a alma, independente de
vivermos plenamente aquilo que se propaga. O “esforço”
por praticar é mais importante nesse estágio do que o
resultado final (que só acontecerá no futuro). Por isso,
mais vale aquele que se apresenta, de fato, como
aprendiz do processo de divulgação do que aquele que se
mostra catedrático repetindo conceitos de uma religião
convencional.
Não seria a hora de
amadurecermos a compreensão de Deus, como causa primeira
de todas as coisas, substituindo gradualmente a figura
paterna interpretada ainda por convenções sociais que
representam o descrédito pelo uso indevido do Seu nome
nas práticas religiosas? Estariam Nietzsche e Freud
equivocados quando nos fazem refletir na forma como
continuamos repetindo convenções sem questionar? É
apenas uma singela
provocação, "não-herética" (talvez...), mas sempre
respeitosa.
Espiritismo: “bem
compreendido, mas sobretudo bem sentido...”
(1) Soutane é uma palavra que
designa uma batina ou casacão usado por sacerdotes e
cantores de coro da Igreja Católica.