Precisamos educar os sentimentos
Ver uma criança rebelde, egoísta, violenta não é
agradável; imaginá-la com a mesma personalidade quando
adulta também não é nada agradável, ainda mais porque
seremos impactados socialmente. Em algum ponto estamos
falhando na formação das novas gerações, e não temos
nenhum receio em dizer firmemente que estamos falhando
no que é mais importante: a educação. Isso porque
delegamos a educação à aquisição de conhecimentos, às
provas e títulos, à formação técnica e profissional.
Sabemos que pessoa intelectualizada, com muitos saberes,
certificados os mais diversos e sólida carreira
profissional, não é sinônimo de pessoa honesta,
solidária, ética, de bom caráter, humanizada. Mesmo
assim, insistimos em abordar o assunto apenas pelo viés
da instrução cognitiva, retirando a discussão sobre
valores humanos, ética e solidariedade da escola,
insistindo que isso é um problema exclusivo da família,
é uma questão que pertence à ação dos pais. Insistimos
em separar a educação em fragmentos, quando a abordagem
deveria ser de totalidade, considerando o ser integral
que somos, dotados de inteligência e sentimento.
Como estamos muito preocupados conosco mesmos, vivendo
de forma individual e, muitas vezes, egoisticamente, não
sabemos dar espaço à solidariedade e à ética, mesmo
porque não aprendemos a ser solidários e éticos nem com
nossos pais, nem com nossos professores. Também não
aprendemos a pensar por conta própria utilizando o bom
senso, seguimos o que os outros pensam, é mais cômodo.
Por tudo isso vivemos uma sociedade egoísta, violenta,
mergulhada em paixões e vícios de toda ordem, lembrando
que quando falamos em sociedade, em humanidade, estamos
falando no conjunto das pessoas, dos seres humanos, dos
indivíduos. Quando estes se melhorarem, melhorarão a
sociedade.
Qual o instrumento que pode fazer com que o ser humano
melhore? Não temos nenhuma dúvida: a educação. Mas,
temos que nos posicionar sobre o que entendemos por
educação, que não exclui a formação intelectual, a
aquisição de conhecimentos, entretanto, vai além, pois
deve igualmente propiciar o desenvolvimento afetivo, dos
sentimentos, o que temos descurado, colocado em segundo
plano, deixando que as crianças e os jovens cresçam sem
saber o que é pensar no coletivo, o que é respeitar o
direito do outro. Queremos que tenham autonomia e
protagonismo, mas não nos importamos se assim serão com
ética e responsabilidade. Ora, se não trabalhamos a
educação dos sentimentos, nem nos importamos com os
valores humanos que nortearão seu viver, como nos
queixarmos do egoísmo, dos preconceitos, das violências
de toda ordem que nos atormentam incessantemente?
Há décadas assistimos os índices de suicídio crescerem
entre crianças e jovens. As drogas tomarem conta do
mundo juvenil. A sexualidade precoce com a transmissão
de doenças, gravidez e abortos se multiplicando entre
adolescentes. A criminalidade infantojuvenil em escalada
vertiginosa. O que temos feito para mudar esse quadro
assustador e extremamente preocupante? Muito pouco!
Continuamos a dizer que escola é lugar de aprender
conhecimentos intelectuais, e família é lugar de
aprender boas maneiras. A educação dos sentimentos, que
equivale a compreendermos o processo de desenvolvimento
das qualidades morais ou virtudes, ou seja, desenvolver
a ética, a solidariedade, a bondade, o respeito, o amor
ao próximo, passa longe tanto da escola quanto da
família.
Existe uma regra fundamental que deve nortear todos os
esforços em educação: fazer com que as novas gerações,
crianças e jovens, aprendam a fazer ao outro somente o
que desejam que o outro lhes faça. Esse aprendizado
somente pode acontecer quando os educadores - pais e
professores - se conscientizarem que, igualmente, devem
aplicar a regra fundamental a si mesmos. Não se ensina
por palavras, mas por exemplos.
A necessidade da educação dos sentimentos é urgente.
Infelizmente só nos damos conta disso quando o mal nos
atinge. Então reclamamos das autoridades públicas e
varremos tudo para debaixo do tapete, porque, lá no
fundo da consciência, sabemos que a culpa também é
nossa, mas fazer o exercício do autoconhecimento e da
autoeducação dá trabalho, sendo mais cômodo transferir
responsabilidades e continuar na zona de conforto, mesmo
que a dor e o sofrimento continuem a nos castigar. Até
quando vamos continuar assim?
Desenvolver a educação moral numa visão transcendente
sobre a vida é dever do espírita, pois abraça uma
doutrina eminentemente educativa, e esse desenvolvimento
deve acontecer em todos os grupos sociais em que atua,
principalmente na família, na escola e na instituição
espírita, não apenas ensinando, mas principalmente dando
o exemplo de reta conduta, de honestidade, de
fraternidade, de solidariedade e de respeito. Sendo o
Espiritismo uma doutrina cujos alicerces estão
assentados também no Evangelho, o espírita deve ter em
Jesus o Mestre que lhe serve de guia e modelo, que nos
trouxe a lei divina do amor, o maior dos sentimentos.
Está faltando amor nos corações, está faltando
sentimento nas pessoas.
Mais dia, menos dia, faremos o retorno ao mundo
espiritual e, depois de um tempo, receberemos a notícia
da próxima encarnação. Seria muito bom sermos recebidos
por pais evangelizados, sensíveis, humanizados. Para que
isso venha a acontecer, a educação dos sentimentos
precisa, com urgência, acontecer a partir de agora.
Marcus De Mario é escritor, educador, palestrante;
coordena o Seara de Luz, grupo on-line de estudo
espírita; edita o canal Orientação Espírita no YouTube;
é editor-chefe da Revista Educação Espírita; produz e
apresenta programas espíritas na internet; possui 39
livros publicados.
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