Artigos

por Paulo Hayashi Jr.

 

Autoconhecimento e desenvolvimento pessoal


Para o filósofo Pierre Hadot
[1], a filosofia antiga enfatizava a formação do ser e de seu caráter em busca das condutas que acreditavam corretas para uma existência feliz. Vivenciar o que se pregava era um dos destaques do filósofo ateniense Sócrates, bem como a busca pelo autoconhecimento. Todavia, conhecer a si mesmo não é exclusividade da escola socrática, mas linha comum em muitas tradições. Por exemplo, nos templos de Luxor no Egito e de Apolo em Delfos na Grécia havia inscrições semelhantes.

O autoconhecimento permite que o ser humano lance luzes em sua verdadeira natureza, bem como em reunir condições para a superação dos problemas e dificuldades através de saber a história por inteiro. Ou pelo menos em partes de modo útil. Não é de se estranhar que Tereza d’Àvila vá se debruçar no ano de 1577 d.C. para escrever sobre o castelo interior. Conhecer a si mesmo permite não apenas ter a consciência da riqueza íntima, como também ter condições de explorar com propriedade os diferentes cômodos e possibilidades. Não raro, os cômodos podem guardar surpresas. Além disso, como observa a Santa Tereza, mesmo conhecendo todas as moradas interiores, em algumas delas só será permitido com o convite de Deus. E ainda, mesmo àqueles que já foram convidados para moradas superiores, o exercício do autoconhecimento é tarefa contínua.

Para Santo Agostinho, o autoconhecimento é “a chave do progresso individual[2]”. Através de conhecer seus pontos fortes e fracos, pode-se criar um programa de autodesenvolvimento tal como jardineiro fiel que arranca os inços de modo regular. Nas recomendações de Agostinho, é essencial que o presente seja de trabalho e disciplina para que o futuro seja certo no sentido desejável. Não se deixam espaços para a inércia, tampouco para o mal.  Quando há o esforço para consertar as más tendências e vícios, há também a conspiração favorável do universo. Ou seja, o importante é que o progresso venha, mesmo que de forma diminuta, mas que com o tempo, o acúmulo será precioso. Não é por acaso que na alquimia se diz: “o ouro vem da ferrugem[3]”.

Já na área organizacional, o exercício de autoconhecimento pode ser resumido no planejamento estratégico através da ferramenta SWOT (Strengths, Weakness, Opportunities and Threats) ou também chamada de FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças).  Forças e fraquezas são da organização (ou indivíduo), enquanto que oportunidades e ameaças são do meio externo e da situação. Forças e oportunidades representam as fortalezas e os pontos de aproveitamento, enquanto que as fraquezas e ameaças às áreas de preocupação e reforço. Com a análise desses elementos é possível traçar determinadas estratégias de atuação, conforme o contexto. 

Entretanto, no nível do indivíduo, o autoconhecimento precisa ser trabalhado de modo mais amplo e profundo, pois há características ímpares e que torna o ser algo mais complexo e mutável.

O conhecimento de si permite que o indivíduo explore sua condição intervalar entre o desvínculo do instinto animalesco e o alinhamento com a intuição superior. De certo modo, é vivenciar a condição de passagem entre o animal e o ser angélico. Ou como preferia dizer Nietzsche, o ser humano é esta corda entre o animal e o ser transbordante.

Para a desidentificação com o lado animal é necessário que o indivíduo perceba que ele não é certos elementos. Por exemplo. O indivíduo não é a sensação do corpo. Ele também não é o corpo físico material, mas apenas tem essa veste carnal como um instrumento de vivências. O indivíduo também não é o que se tem. Ter objetos materiais, riqueza, posse não é o indivíduo em si. Também a pessoa não é sua persona ou máscaras sociais. Há o uso de facetas para adaptação social, mas que isso não faz dela o próprio ser. Por outro lado, as sombras, as repressões, os traumas, as negligências não são o indivíduo, apesar de poderem elas vir a reclamar seu reconhecimento e participação em algum momento. Também o indivíduo não é cristalizado em seu passado e inconsciente, apesar de influenciarem eles a vida, em especial quando não se tem consciência e não se propõe ao aprimoramento e melhoria.

Por outro lado, identificar-se com o lado superior é essencial para que a pessoa tenha um propósito digno e nobre. Uma vida ideal exige ideais de aspiração. E ideias para inspirar sua busca. Mas somente com a transpiração em seus ideais e ideias permite a devida execução. Transpirar através do exercício de suas fortalezas, virtudes e aptidões, bem como de sua fé consegue otimizar o ser em sua condição. É a passagem do ser menor para o maior que consegue, assim como na parábola dos talentos, não ter medo e fazer mais em prol dos outros.

De modo complementar, o autoconhecimento permite que a pessoa tenha noção de sua missão de vida, de seus objetivos e que o tempo e os recursos disponíveis possam ser utilizados sem desperdício. Saber o que fazer da existência é condição essencial para que o indivíduo tenha uma direção válida como porto seguro da existência. Estar no caminho já faz parte da satisfação íntima. Ou nas palavras do instrutor espiritual Gúbio[4]: “a coroa da sabedoria e do amor é conquistada por evolução, por esforço, por associação da criatura aos propósitos do Senhor”.

De modo geral, é sair da condição de egocentrismo (lado animal) para Self-centrismo (lado superior) para que se possa equilibrar com dignidade as várias facetas e dimensões que surgem durante a existência. Se o egocentrismo separa o indivíduo dos outros e de Deus, o Self-centrismo permite este equilíbrio dinâmico, sem deixar brechas para a inércia ou para o mal. O Self como o caminho para o reconhecimento da partícula divina, assim como dos diferentes pedidos e necessidades exteriores. É vital não neutralizar o indivíduo, mas que ele possa se fortalecer e se expressar na vida, tal como Carl Jung propunha com o processo de individuação. A plenitude reclama a totalidade do ser sem a sua anulação, tampouco unilateralidade das aptidões e experiências. Os resultados precisam aparecer, tal como os frutos validam os esforços da semente. Neste sentido, na seara do trabalho, “quanto mais tempo a alma progride, mais tempo passa em companhia deste bom Jesus[5]”.

Ou seja, o ser humano precisa se autoconhecer para que saiba se proteger e fortalecer naquilo que importa. Se para Santo Agostinho o autoconhecimento é o ponto crítico do progresso, então pode-se dizer que ela serve como legítima bússola íntima e que direciona às principais questões existenciais. De onde eu vim. Quem eu sou. Para onde eu vou. Com o autoconhecimento é permitido então acertar o comportamento válido de modo a chegar no final da jornada sem surpresas desagradáveis. Como bem expressou o mestre Jesus: “Ainda que eu mesmo testemunhe em meu favor, o meu testemunho é válido, pois sei de onde vim e para onde vou” (João 8:14).

Em outras palavras, somente com o conhecimento de si o indivíduo consegue ser senhor de seu destino e rumar sem medo de volta às estrelas. Não há medo, tampouco separação. A partir do momento que se conhece sabe que fazer o bem para os outros é fazer para si. [6]


 


[1] Pierre Hadot. Não se Esqueça de Viver: Goethe e a Tradição dos Exercícios Espirituais. São Paulo: É Realizações Editora, 2019.

[2] Allan Kardec. O Livro dos Espíritos. Araras: IDE, 2021, p. 319.

[3] Murray Stein. No meio da vida. São Paulo: Paulus, 2007, p. 122.

[4] André Luiz. Libertação. Brasília: FEB, 2008, p.99.

[5] Santa Tereza de Jesus. O Castelo Interior. Curitiba: VSFortes, 2019, p. 176.

[6] Em homenagem aos meus queridos genitores, Paulo Hayashi e Ioko Ikefuti Hayashi, que já se encontram na Pátria Espiritual.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita