Especial

por Rogério Coelho

Qual é a utilidade do aspecto filosófico no Espiritismo? (Parte 2 e final)

A Filosofia permite o desvelamento do que está encoberto pelo costume


“A Filosofia é a possibilidade da transcendência humana”. 
M.L.A. Aranha e M.H.P. Martins[1]


A filosofia é a procura da verdade, não a sua posse, como disse Jaspers, filósofo alemão contemporâneo, concluindo que: “fazer filosofia é estar a caminho; as perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta”.

Perguntar, perguntar e perguntar!... Não foi o que Kardec fez?!... E não é isso que aconselham os Espíritos Superiores? [2]

Para penetrarmos com segurança as fronteiras e meandros da Filosofia Cristã Espírita, acompanhemos o lúcido esclarecimento do confrade Victor Leonardo da Silva, que pinçamos do “Jornal Espírita”, órgão de divulgação da Federação Espírita do Estado de São Paulo, edição do mês de novembro/2000:

“(...) Desde tempos remotos, o Ser humano sempre tentou explicar os fenômenos da Natureza através de causas não naturais. Usava seus parcos conhecimentos aliados ao pensa­mento mágico. Disso, decorreu a criação de mitos para a explicação de fenômenos naturais como chuva, trovão, ter­remoto, vento etc...

Por volta do Século V antes de Cristo, a Grécia tinha várias colônias na Ásia Menor (atual território da Turquia). Nessas cidades, havia pessoas de várias culturas, como gregos, judeus, babilônicos, egípcios, medas, persas...  Os pensadores gregos, que aí viviam, notaram que, para um mesmo fenômeno, havia diversas explicações, conforme a cultura.  Eles concluíram então que tais explicações, para serem verdadeiras, tinham que se basear em ele­mentos “naturais”. Esse raciocínio levou-os a abandonar os mitos e a entender a realidade através de causas produzidas pela Natureza.  Deveria haver um princípio primitivo “arché” originando todas as coisas. O primeiro pensador foi Tales, da cidade de Mileto, que atribuía à água a causa de tudo. Apareceram outros que apontaram o fogo, a terra e o ar como causa. Empédocles e Aristóteles adotaram esses quatro ele­mentos juntos.  Houve outros que idealizaram uma “arché” teórico como as “homoeomerias”, o “apeíron” e o átomo.

Durante a Idade Média, o Cristianismo, que recebera in­fluência religiosa do Judaísmo, precisou adaptar-se à Filosofia grega para se firmar no mundo greco-romano. Santo Agostinho acrescentou a Patrística a essas duas doutrinas como filosofia, pois acham que, uma vez que elas têm in­fluência religiosa, não explicam a realidade somente por causas naturais. Essa “explicação da realidade” é uma visão de mundo [cosmo visão ou Weltanschauung].  Como visão de mundo, é plausível a aceitação da ideia de um Deus criador. Por isso, elas são admitidas pela maioria, que não é materialista, como filosofias.

O Espiritismo seria a tercei­ra filosofia cristã.   Ele teria sido revelado a fim de dar uma nova visão de mundo à humanidade que se prepararia para ingressar na fase de regeneração.   Normalmente “O Livro dos Espíritos” é apontado como o de conteúdo filosófico na Codificação feita por Allan Kardec. Na realidade, toda a Codificação apresenta seus aspectos filosóficos. A primeira parte desse livro, que é estendida no livro “A Gênese”, apresenta a Metafísica, a Teodiceia, a Antropologia Filosófica e a Cosmologia espíritas. A segunda parte, aprofundada em “O Livro dos Médiuns”, expõe nova­mente a Antropologia Filosófica e a Cosmologia espíritas. A terceira parte, pormenoriza­da em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, fornece noções da posição filosófica do Espiritismo sobre Ética, Teoria do Conhecimento, Filosofia Espírita da Educação, Filosofia do Direito, Filosofia Econômica, Filosofia Social, Filosofia da História.  A quarta parte, que fala das penas e gozos futuros, estando desenvolvida no livro  “O Céu e o Inferno”, aborda características da Teodiceia espírita.         

A Codificação Espírita possui um vasto conteúdo filosófico que pode muito bem ser aproveitado por essa humanidade sem fé e esperança...

Os cristãos tradicionais afirmam que o Espiritismo não é uma doutrina cristã por não aceitar o trinitarismo (incompreensível e ilógica teoria originária na Índia e introduzida pelos Pais da Igreja no Cristianismo na qual se crê que Deus é constituído de três pessoas chamadas de “Santíssima Trindade”: Pai, Filho e Espírito Santo).  Lembremo-nos de que o trinitarismo é estranho tanto à Filosofia Grega como ao Judaísmo, doutrinas que fundamentaram o Cristianismo.  O trinitarismo foi introduzido na Grécia durante a fase helenística pelo filósofo neo­platônico Amônio Sacas, que vivera quinze anos na Índia, de onde trouxera esse conceito.  No início da Era Cristã, existiam duas correntes opostas: a liderada pelo bispo Arius [arianismo], que admitia Deus único e uno; e a dos neoplatônicos [trinitarismo], que admitia também Deus único, porém, trino.  Quando Constantino resolveu adotar o Cristianismo como a religião oficial de seu império, visando ao fim político de evitar sua fragmentação, provocou o Concílio de Niceia, em 325, e resolveu essa querela inclinando-se para a posição neoplatônica, visto que muitos de seus nobres dos quais dependia politicamente, esposavam tal doutrina. Por isso, afirmamos que, para ser cristão, não há obrigatoriedade de ser trinitarista.  Em toda a obra de Allan Kardec há constante referência ao Cristianismo e recomendações para segui-lo. A existência do livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, que interpreta as parábolas e as boas novas, é uma prova suficiente de sua fidelidade aos ensinamentos do Cristo, que é o Modelo e Guia mais perfeito e singular que já existiu. O que não aceitamos é que os outros grupos cristãos julguem como autênticas apenas suas interpretações. Assim, podemos então afirmar, sem sombra de dúvida que o Espiritismo é a Terceira Filosofia Cristã que veio completar e explicar as duas anteriores”.

Não fica difícil concluirmos que se hoje existe o Catolicismo e não o Arianismo, isso se deve única e exclusivamente a Constantino e suas manobras políticas que visavam o fortalecimento e unificação de seu império...

Finalizemos com as sábias palavras de Vianna de Carvalho (espírito)[3]:

“(...) A busca da verdade tem sido intérmina, laboriosa, complexa... Qual Fênix, ressurge a verdade das cinzas onde parece haver-se consumido, apresentando-se mais vigorosa e brilhante a cada renascimento, no incessante intento de permanecer no mundo.

 Foi o que sucedeu com Allan Kardec ao apresentar o Espiritismo, numa síntese de ciência que comprova a imortalidade, a reencarnação, a vida estuante antes do berço e depois do túmulo; na condição de filosofia equacionadora dos enigmas que perturbam as mentes e o comportamento dos seres, e como religião destituída de fórmulas, de mística, de rituais, ensejando a identificação do homem com a sua realidade em permanente ligação com o seu Criador.

No momento das investigações em torno do micro e do macrocosmo, do desdobramento das doutrinas científicas, nelas o Espiritismo se apoia para a confirmação dos seus postulados doutrinários.   Partindo do fato, que a si mesmo se explica, expõe conteúdos de filosofia otimista que dão sentido à existência terrenal, no conjunto harmônico da vida; remontando à Biologia, à Antropologia, à Embriogenia, à Física nuclear e às doutrinas psíquicas, complementa-as com os seus esclarecimentos, que constituem a causalidade dos acontecimentos, contribuindo com valores sociológicos enriquecidos, capazes de modificarem a constituição e a estrutura da coletividade humana.

Baseada na moral do Cristo, assim como dos Seus predecessores, especialmente Sócrates e Platão, torna-se a religião cósmica do Amor, que alberga todos os seres sencientes irmanando-os ante a Paternidade Divina e Única. Pairando, racional e demonstrável, nos céus tumultuados do século das luzes, alcança a atualidade, cada vez mais clara e vigorosa, face às conquistas crescentes da investigação científica em várias áreas, que a demonstram e lhe confirmam a legitimidade.

Quando o homem com as suas bólides espaciais busca estudar os astros do arquipélago estelar que nos cerca, o Espiritismo, confirmando as Moradas da Casa do Pai, conforme a lúcida e feliz expressão de Jesus sobre a pluralidade dos mundos habitados, mantém a certeza da transcendentalidade da vida, não apenas nas sombras do abençoado planeta terrestre, mas, também, noutras esferas que gravitam no Cosmo, cantando hinos de louvor ao Criador do Universo.

Assim, a verdade lentamente desvelada em fragmentos, através dos séculos, pelas várias Doutrinas Espiritualistas, no Espiritismo esplende e triunfa, cantando a glória de Deus e convidando o espírito humano ao crescimento, à libertação, à plenitude”.      

 


[1] - Do livro: Filosofando – Introdução à Filosofia – Ed. Moderna – 2ª edição, revista e atualizada.

[2] - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, q. 919a, § 5 e 6.

[3] - FRANCO, Divaldo. Antologia espiritual.  Salvador: LEAL, 1993, cap. 47.


     

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita