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por Paulo Hayashi Jr.

 

Objetivos e missões de vida


Em muitos sentidos, há semelhanças entre a vida humana e a operacionalização de uma organização. Para esta última, a literatura especializada de estratégia é comumente descrita pelo traçar de objetivos que, como uma cascata, vem dos grandes objetivos, os de longo alcance, para os de médio alcance até chegar nos objetivos de curto prazo. Estes, também conhecidos como metas, possuem duas características distintas: data limite e indicador. Por meio do alcance dos objetivos pequenos se alcançam os médios até chegar nos maiores. Como uma roda a girar ou “bola de neve”, os objetivos são alcançados de modo progressivo e com o avanço temporal. De certo modo, é a busca de ser fiel em pouco para ganhar o muito[1].

Além disso, assim como no caso do ser humano, a organização também precisa se qualificar para que se continue o avanço a ponto de estar apto para os desafios superiores. A aprendizagem é um processo contínuo também.

Para o alcance dos objetivos não adianta apenas a fixação dos mesmos, o fundamental é o seu acompanhamento. Através de averiguações periódicas que se torna possível saber se está indo na direção e velocidade certas. Sem isso, corre-se o risco de chegar no prazo final e não ter os resultados desejados. O controle quando deixado apenas no término do prazo pode receber surpresas desagradáveis. Por isso, mais do que os objetivos que se determinam a partir de sua situação atual e desejada, o acompanhamento periódico para se corrigir o que for preciso. Seja por meio da aceleração do ritmo, ou de remanejamento de materiais e maquinários conforme o possível. Sem os indicadores de medição não há comparação e o avanço torna-se confuso e moroso.

Do lado do indivíduo, são poucos os que anotam e comparam os indicadores de resultados ou até mesmo a simples mensuração temporal. Os dias passam e os resultados não vêm. Por outro lado, grandes personalidades como Marco Aurélio, o imperador filósofo do grande Império Romano e até mesmo Santo Agostinho serviram de tais marcos de indicação e progresso através de seus relatos de solilóquios, pensamentos e confissões.  “Passar a limpo” na consciência pode precisar de uma pequena ajuda, tal como passar no papel. Todavia, tal prática não ficou restrita a estas duas personalidades, mas era um modo de refletir e até mesmo com valor terapêutico de uma conversa íntima consigo mesmo[2]. A realização destes solilóquios era uma maneira de amadurecer os pensamentos, abrandar os sentimentos assim como de perceber a eficácia das estratégias pessoais adotadas e da sensação de progresso.

De certo modo, quando se encarna na terra há algo parecido[3]. Todos temos objetivos, alguns de expiações, de processos antigos que não entregaram direito e precisa refazer a entrega, outros de provas como maneiras de desenvolvimento. Outros tantos, já mais experts, vêm com missões específicas e precisam contar também com conhecimentos e inteligências prévias. São as missões que podem variar conforme a amplitude e repercussão na própria vida humana. Todavia, assim como no caso das organizações, o acompanhamento do processo, o “passar a limpo” na consciência para refletir sobre o avanço é condição ímpar para a boa entrega. Mais do que ter objetivos honrosos, as entregas seguras e confiáveis.

Pitágoras, filósofo e matemático grego que nasceu seis séculos antes de Cristo já recomendava passar em sua mente a seguinte reflexão diária: o que eu fiz de bom, o que eu fiz de mal, onde eu posso melhorar. Isso permitia detectar anomalias e corrigir seus atos e atitudes diante dos problemas, oportunidades e necessidades.

Outro importante filósofo grego foi Sócrates que viveu como nenhum outro a filosofia que pregava. Para Pierre Hadot[4], a filosofia antiga não era uma questão de informação, mas de formação de caráter. Assim, Sócrates, fiel na vivência da luz do conhecimento, fez do “conhece-te a ti mesmo” não um estandarte de orgulho e vaidade, mas de humildade, desapego aos falsos tesouros, de valorização das amizades e de aprimoramento contínuo. Não cansava de buscar melhorar seus conhecimentos, principalmente por meio da realização de perguntas que faziam aos outros perceberam algo que não havia percebido, em especial, suas contradições. Tese, antítese, síntese, o conhecimento se movimentava e a dinamicidade só podia ser vista por uma mente sagaz que se exercitava e, Sócrates, muitas vezes se fazia uso tanto das caminhadas para fazer com que seu corpo pudesse dar condições de acompanhar a sua mente ou ainda, de dialogar com seu guia espiritual, o Daemon. Em expressão mais artística, pode-se dizer que a mente é um grande universo e o conhecimento são como astros que gravitam e necessitam de inteligência para organizar o todo de um modo coerente. Assim, a companhia espiritual como legítimo educador.

Os objetivos, as missões, suas realizações acabam desenvolvendo nossa inteligência, conhecimentos e experiências. De certo modo, as provações nos levam mais próximo de Deus como a inteligência suprema do universo[5]. E não o contrário. Saber aceitar as provas e dificuldades em prol de nosso crescimento talvez seja uma das grandes dificuldades do desenvolvimento humano. Mas, como Pai Bondoso, a todo momento somos convidados a participar também como cocriadores do universo, seja por meio do desenvolvimento de nossa inteligência e ação, seja por meio dos serviços ou do amor. Aprendizagem, Serviço, Amor e Sabedoria representam as nossas asas de liberdade para o progresso infinito.[6]


 


[1] Mateus 25:21

[2] Baltussen, H. Marcus Aurelius and the therapeutic use of soliloquy: an interdisciplinary approach. In: B. Sidwell and D. Dzino (eds) Emotion, Power and Status in Late Antiquity. Papers in Honour of R.F. Newbold, Gorgias Press:  2010.

[3] Questão 132 - O Livro dos Espíritos.

[4] Pierre Hadot. Não se Esqueça de Viver: Goethe e a Tradição dos Exercícios Espirituais. São Paulo: É Realizações Ed., 2019.

[5] Pergunta 1 - O Livro dos Espíritos.

[6] Em homenagem aos meus queridos genitores Paulo Hayashi e Ioko Ikefuti Hayashi, que já se encontram na Pátria espiritual.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita