Brasil
por Thiago Bernardes

Ano 15 - N° 763 - 13 de Março de 2022

Há 38 anos Yvonne Pereira regressava à pátria espiritual

 

Na última quarta-feira, dia 9, fez 38 anos que ocorreu a desencarnação da médium e estudiosa espírita Yvonne do Amaral Pereira. Nascida em 24 de
dezembro de 1900 na pequena Vila de Santa Tereza de Valença (hoje Rio das Flores), estado do Rio de Janeiro, ela estava com 83 anos de idade. Corria então o dia 9 de março de 1984.

Primogênita do casal Manoel José Pereira Filho e Elisabeth do Amaral Pereira, Yvonne teve cinco irmãos, além de outro mais velho, filho do primeiro casamento de sua mãe. Seu pai, pequeno comerciante, homem generoso de coração e desprendido dos bens materiais, faliu por três vezes por favorecer a clientela em prejuízo próprio. Mais tarde tornou-se funcionário público, de cujos modestos proventos viveu até sua desencarnação, ocorrida no ano de 1935.

Fontes ligadas à família dizem que, com apenas 29 dias de idade, após um acesso de tosse, sobreveio-lhe uma sufocação que a deixou como morta, em estado de catalepsia. Depois de seis horas nesse estado, a criança foi dada como morta e o velório foi preparado. Sua mãe, que não acreditava que a menina estivesse morta, retirou-se para um aposento, onde orou fervorosamente a Maria de Nazaré e, momentos depois, a criança acordou aos prantos.


A infância

Yvonne viveu em lar pobre e modesto e aprendeu com os pais a servir os mais necessitados, pois em sua casa eram acolhidos com carinho pobres criaturas sem recursos, inclusive mendigos.

A infância de Yvonne foi recheada de fenômenos espíritas, como ela narrou no livro Recordações da Mediunidade, em cuja Introdução, datada de 29 de junho de 1966, a médium escreveu:

 

Disseram-nos os nossos Instrutores Espirituais há cerca de seis meses, quando aguardávamos novas ordens para o que ainda tentaríamos no ângulo da mediunidade psicográfica:

“Narrarás o que a ti mesma sucedeu, como médium, desde o teu nascimento. Nada mais será necessário. Serás assistida pelos superiores do Além durante o decorrer das exposições, que por eles serão selecionadas das tuas recordações pessoais, e escreverás sob o influxo da inspiração."

E por essa razão aí está o livro Recordações da Mediunidade, porque estas páginas nada mais são que pequeno punhado de recordações da nossa vida de médium e de espírita.

Muito mais do que aqui fica poderia ser relatado. Podemos mesmo dizer que nossa vida foi fértil em dores, lágrimas e provações desde o berço. Tal como hoje nos avaliamos, consideramo-nos testemunho vivo do valor do Espiritismo na recuperação de uma alma para si mesma e para Deus, porque sentimos que absolutamente não teríamos vencido, nas lutas e nos testemunhos que a vida exigia das nossas forças, se desde o berço não fôramos acalentada pela proteção vigorosa da Revelação Celeste denominada Espiritismo.

 

Aos quatro anos, ela já se comunicava com os Espíritos, que ela imaginava que fossem pessoas normais, encarnadas. Dois deles lhe eram particularmente caros: Charles, que fora seu pai em sua penúltima existência e a quem considerava como tal, devido a lembranças vivas de uma encarnação anterior à atual, e Roberto de Canalejas, que fora médico espanhol em meados do século XIX e pelo qual ela nutria profundo afeto, decorrente de ligações espirituais de longa data. Charles foi seu orientador durante toda a sua vida, inclusive nas atividades mediúnicas.

Quando adulta, ela manteve contatos mediúnicos regulares com outras entidades evoluídas, como o Dr. Bezerra de Menezes, Camilo Castelo Branco, Léon Denis e Frédéric Chopin.


Afloramento da mediunidade

Aos oito anos, repetiu-se o fenômeno de catalepsia, associado a um desprendimento parcial. O fato se deu à noite e a visão que teve marcou-a para sempre. Desprendida do corpo, ela se viu, em espírito, diante de uma imagem do Senhor dos Passos, na igreja que frequentava. Ela pedia socorro, pois sofria muito. A imagem, como que adquirindo vida, disse-lhe: “Vem comigo, minha filha; será o único recurso que terás para suportar os sofrimentos que te esperam”. Ela aceitou a mão que lhe era estendida, subiu os degraus e não se lembrou de mais nada.

Infeliz em sua infância, Yvonne vivia acossada por uma imensa saudade do ambiente familiar que tivera em uma encarnação na Espanha e de que se lembrava com clareza. Por causa disso, considerava seus familiares atuais, principalmente seu pai e irmãos, como estranhos, visto que, para ela, o pai verdadeiro era Charles e sua casa era a da Espanha.

Esses sentimentos desencontrados, acrescidos do afloramento das faculdades mediúnicas, faziam com que tivesse comportamento considerado anormal por seus familiares, motivo pelo qual até os dez anos passou a maior parte do tempo na casa da avó paterna.

Aos oito anos, ela teve o primeiro contato com um livro espírita. Aos 12, o pai deu-lhe de presente O Evangelho segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos, obras que a acompanharam pelo resto da vida, sendo sua leitura um bálsamo que a confortou nos momentos difíceis. Aos 13 anos, começou a frequentar as sessões práticas de Espiritismo, que muito a encantavam, pois via os espíritos comunicantes.

No tocante aos estudos escolares, só pôde cursar o primário, uma vez que, por motivos econômicos, foi impedida de fazer outros cursos, o que representou para ela uma grande frustração, pois amava o estudo e a boa leitura, tanto que, aos 16 anos, já tinha lido obras de grandes autores como Goethe, Bernardo Guimarães, José de Alencar, Alexandre Herculano e Arthur Conan Doyle. Além do mais, desde cedo precisou trabalhar para garantir o seu próprio sustento.


Os labores mediúnicos

O fenômeno de catalepsia repetiu-se várias vezes, tornando-se comum em sua vida a partir dos 16 anos. A maior parte das reportagens de além-túmulo, dos romances, das crônicas e contos escritos por ela foi coletada no mundo espiritual através desse processo.

Suas faculdades mediúnicas foram, porém, diversificadas. Médium psicógrafa e receitista, possuía também mediunidade de efeitos físicos, chegando a realizar algumas sessões de materialização, embora nunca sentisse atração por essa modalidade mediúnica. Os trabalhos de que mais gostava no campo da mediunidade eram os de desdobramento, incorporação e receituário homeopático. Nesta última atividade trabalhou em diversos centros espíritas nas várias cidades em que morou durante seus 54 anos de labor mediúnico.

Como médium psicofônica, pôde atender obsessores, obsidiados e suicidas, aos quais devotava um carinho especial, sendo que muitos deles tornaram-se Espíritos amigos. Costumava ler nos periódicos e jornais nomes de suicidas e orava por eles constantemente, catalogando-os num livro de preces criado por ela. Era o que fazia como forma de reparação pelo que ela mesma fizera quando cometeu suicídio por afogamento.

De acordo com o livro Leila, A Filha de Charles, do espírito Arnold de Numiers, psicografado por Denise Corrêa de Macedo, Yvonne chamara-se, em sua penúltima reencarnação, Leila de Vilares Montalban Guzman, uma jovem espanhola que acabou por suicidar-se no rio Tejo. Charles era seu pai e Roberto de Canalejas, seu marido.

Como forma de reconhecimento, muitos dos Espíritos por quem ela orava vinham agradecer-lhe as orações e davam-lhe forte abraço, passeando com ela de braços dados pelo casarão em que morava, sem que ela soubesse distinguir se o visitante era encarnado ou desencarnado.


O legado doutrinário
 

Yvonne deixou-nos vários livros de sua própria autoria e cerca de 20 obras de origem mediúnica, entre as quais Memórias de um Suicida, considerada por Chico Xavier a que melhor retrata a
profundeza do Umbral. Esse livro, ditado pelo espírito Camilo Castelo Branco, que usou o pseudônimo Camilo Cândido Botelho, foi recebido em 1926, mas publicado somente 30 anos depois, em 1956, pela Federação Espírita Brasileira (FEB).

Dentre suas principais obras mediúnicas citam-se os livros Nas Telas do InfinitoAmor e ÓdioNas Voragens do PecadoO Drama da BretanhaO Cavaleiro de NumiersRessurreição e Vida, Sublimação, Dramas da Obsessão, Devassando o Invisível e Recordações da Mediunidade, tendo como autores espirituais Bezerra de Menezes, Charles, Leon Tolstoi e Roberto de Canalejas.

Foi esperantista convicta e trabalhou arduamente em sua propaganda e difusão, através de correspondência que mantinha com outros esperantistas, tanto no Brasil quanto no exterior.

Yvonne A. Pereira serviu como médium de 1926 a 1980, quando um acidente vascular cerebral impossibilitou-a para a atividade mediúnica. Sempre humilde, terna e vivaz, morava num casarão em Piedade, subúrbio do Rio de Janeiro, em companhia de sua irmã casada, Amália Pereira Lourenço, também espírita.

Na noite de 9 de março de 1984, vitimada por trombose, desencarnou durante uma cirurgia a que se submetera no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro. Seu corpo foi sepultado no Cemitério de Inhaúma. Tinha 83 anos e mantivera-se solteira, cumprindo dignamente o mandato mediúnico exercido com amor e total devotamento ao semelhante.


 
  


O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita