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por Paulo Hayashi Jr.

 

Vigilância e calúnia


A vigilância é tarefa árdua e mais que necessária ao cumprimento da boa frutificação do ser na Terra. Sem ela, corre-se o risco de desperdiçar recursos, tempo e oportunidades valiosas, principalmente na retificação necessária do pretérito ou, ainda, na extensão das conquistas presentes. Isso se deve tanto por fatores internos quanto externos. Estes últimos, por meio de interesses contraditórios de terceiros, pois um mesmo problema pode afetar de diferentes pontos de vista e formas. Nem sempre eles estarão dispostos à colaboração, pois variados são os inços que coadunam com o desperdício. São exemplos destas ervas daninhas das relações humanas: a inveja, o rancor, a ira, a mágoa, o ressentimento, o ódio etc. Quanto aos fatores internos do ser, pode-se destacar a falta de confiança em si, a falta de autoconhecimento, a negligência da renovação interna, a preguiça, a vaidade, o orgulho etc.

Quem busca autoconhecer e se fortalecer naquilo que é necessário, constrói fortaleza interior que consegue superar muitos desafios. Ou nas palavras do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: “Quem tem por que viver aguenta quase todo como”.

Dentre as provas comportamentais do indivíduo, vamos destacar a questão da calúnia e a necessidade da vigilância. Caluniar é dar falsos testemunhos, de agir com leviandade e falsidade nos dizeres, de contar lorotas ou mentiras. Infelizmente, práticas não raras em épocas de fake news, assim como de vivências em organizações que valorizam apenas a pressão por resultados e, por isso, não expressam um ambiente mais salutar e espiritualizado. O que facilita o aparecimento e propagação das fofocas de bastidores. É o efeito do ‘rádio peão’ ou ‘rádio corredor’. São as conversas frívolas na hora do coffee-break ou do happy-hour. Para alguns, falar mal dos outros é hobby. Infelizmente não percebem a gravidade ou a falha moral. Nas observações de Tiago: “Assim também a língua é um pequeno membro, e gloria-se de grandes coisas. Vede quão grande bosque um pequeno fogo incendeia[1]”. Ainda, há muitas outras pessoas que se expressam de qualquer jeito, pois não conhecem o poder das palavras ou as consequências de suas atitudes, pensamentos e ações. Devido à ignorância, desconhecem que o mundo é um grande espelho e tudo que se fizer para o próximo volta para si mesmo. Além disso, o mal praticado sempre tem guarda na consciência e o peso da cobrança e do remorso vem bater à porta em algum momento. Assim, vigilância sempre! Seja por aquilo que sai da boca, seja por aquilo que se deixa entrar pelos ouvidos. No caso da calúnia, principalmente destes últimos. Faz parte da caridade aprender a escutar e não dar abrigo a tais sementes. Caso contrário, a calúnia vai crescendo na mente e no coração. Para Emmanuel, “obscurecer, falsear, iludir constituem armas invisíveis e mortíferas dos que operam a confusão[2]”. É preciso aprender a não reter o que não faz bem. Nem toda carta remetida ao destinatário precisa ser recolhida pelo mesmo, pois “ambiente limpo não é o que mais se limpa, mas o que menos se suja[3]”.  Por isso, “melhor é ouvir a repreensão do sábio, do que ouvir alguém a canção do tolo[4]”.

Quando bem usada, a língua pode ser passaporte para a construção de uma vida mais positiva e destinada ao bem geral e universal. Por outro lado, pode também se assemelhar a uma serpente que pica, mas que a eficácia do veneno depende da pessoa que o recebe. Quem se mantém em vigilância e mantém os bons valores não precisa temer. Nas boas orientações de Aniceto[5]: “a calúnia quando fere uma consciência tranquila não passa de serpente mentirosa, a transformar-se em flor de virtude nova, quando enfrentada com o valor duma coragem serena e cristã”. De maneira semelhante, aparece a recomendação de uma avó: “A calúnia, Nieta, é uma serpente que ameaça o coração; entretanto, se a encararmos de frente, fortes e tranquilas, veremos, a breve tempo, que a serpente não tem vida própria. É víbora de brinquedo a se quebrar como vidro, pelo impulso de nossas mãos. E, vencido o espantalho, em lugar da serpente, teremos conosco a flor da virtude[6]”.

Para transformar serpente em flor, valiosa é a mensagem de Cristo sobre o perdão. Perdoar de forma incondicional e ainda desejar o bem e orar para o próximo auxilia no desarme de armadilhas futuras que podem pegar desprevenido o incauto. A oração e a vigilância são imprescindíveis para a superação de tais situações, pois não é uma questão simples. Por outro lado, não se pode fazer de qualquer jeito, apesar da necessidade pedagógica do ensinamento e da aprendizagem. Neste sentido, talvez Pestalozzi seja muito mais do que um educador de crianças, mas de almas. É preciso amor e paciência para a superação das situações de atrito no cotidiano, justamente para não piorar a situação. É preciso ser exemplo vivo de Cristo, com a fortaleza interior robusta e o autoconhecimento para não deixar a serpente da calúnia nos prejudicar. De serpente a flor de nova virtude é o que se alcança com a superação de obstáculos da calúnia. O Evangelho não é simplesmente a Boa Nova no sentido formal, mas é a transformação íntima, a formação do caráter e dos exemplos. Sejamos como os portadores da Boa Nova em nosso coração, mente e pensamentos, pois na lei da afinidade, cada vez mais atraímos os que nos são semelhantes. Mesmo a calúnia não encontra brecha para quem está vigilante e com a casa em ordem. Além disso, serve como estímulo ao fortalecimento do Cristo interior, tal como espinho na carne do apóstolo dos Gentios[7]. Sejamos como aqueles que olham para o alto e buscam a paz. A paz de Deus que revigora e nos acalenta para novas tarefas e provações. Não desanimemos e continuemos a orar e vigiar, trabalhar e amar[8].


 

[1] Tiago 3:5

[2] Emmanuel. Harmonização. 2010, Não Vos Enganeis!, p. 109.

[3] Chico Xavier.

[4] Eclesiastes 7:5.

[5] André Luiz. Os mensageiros. 2008, p. 239.

[6] André Luiz. Os mensageiros, 2008.

[7] Paulo de Tarso, 2 Coríntios 12:7-9.

[8] Em homenagem aos meus queridos pais, Paulo Hayashi e Ioko Ikefuti Hayashi.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita