Internacional
por Thiago Bernardes

Ano 15 - N° 747 - 14 de Novembro de 2021

No Corinthian Hall, a primeira manifestação pública das heroínas de Hydesville


Num dia como hoje (14 de novembro), no ano de 1849, as irmãs Fox, cuja história está diretamente ligada ao advento do Espiritismo moderno, foram submetidas ao primeiro teste público, um ano e meio depois dos famosos fenômenos ocorridos em sua casa, no vilarejo de Hydesville. O teste ocorreu em Rochester, no Corinthian Hall, que era então o maior auditório disponível na cidade.

Para o leitor não familiarizado com a história das irmãs Fox, lembremos que foi em Hydesville, localidade pequena e muito simples situada a 32 km de Rochester (Estados Unidos), que tudo começou.

Vivia ali uma família de fazendeiros metodistas constituída então de quatro membros: o pai John Fox, a mãe Margareth e as filhas menores, Margareth, de 14 anos, e Kate, de 11 anos. Os outros filhos do casal moravam em outras cidades. Ali, a família residia desde 11 de dezembro de 1847, numa casa típica da região, feita de madeira, com dois pisos ligados por uma escada e contendo, nos fundos, uma adega.


Os fenômenos de Hydesville

Em janeiro de 1848 a família Fox notou o surgimento de ocorrências estranhas – os primeiros raps – que consistiam de ruídos de arranhadura, às vezes simples batidas, outras como um arrastar de móveis, sons ora ouvidos no teto, ora no soalho, ora nas paredes.

Os raps se tornaram habituais naquele lar e foram-se intensificando de tal modo que, ao chegar o dia 31 de março, a família já não conseguia suportá-los, visto que em algumas noites as próprias camas das meninas eram postas a tremer e elas acabavam indo dormir com os pais.

Numa sexta – 31 de março de 1848 – a família recolheu-se mais cedo e ainda não eram 7 horas da noite quando os barulhos começaram.


Kate, a mais jovem, resolveu então, entre nervosa e medrosa, dizer ao agente invisível que produzia tanto incômodo: “Senhor Pé Rachado, faça o que eu faço” e bateu palmas. Imediatamente seguiu-se o som da resposta, com o mesmo número de pancadas. Quando Kate parou, o som parou. Margareth pediu então, brincando: “Agora faça exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro” e batia palmas enquanto falava. Os ruídos se produziram como antes, repetindo suas palmadas. A jovem teve, porém, medo de prosseguir o ensaio; foi quando Kate disse, na sua simplicidade infantil: “Oh! mamãe, eu já sei o que é. Amanhã é primeiro de abril e alguém quer nos pregar uma mentira”.

A mãe, curiosa com o rumo dos acontecimentos, resolveu então fazer um teste.

“Pedi - disse ela - que fossem indicadas as idades de meus filhos, sucessivamente. Instantaneamente foi dada a exata idade de cada um, fazendo uma pausa de um para o outro, a fim de os separar, até o sétimo, depois do que se fez uma pausa maior e três batidas mais fortes foram dadas, correspondendo à idade do menor, que havia morrido. Então perguntei: - É um ser humano que me responde tão corretamente? Não houve resposta. Perguntei: - É um espírito? Se for, dê duas batidas. Duas batidas foram ouvidas assim que fiz o pedido. Então eu disse: - Se foi um espírito assassinado, dê duas batidas. Estas foram dadas instantaneamente, produzindo um tremor na casa. Perguntei: - Foi assassinado nesta casa? A resposta foi como a precedente.”

A partir daí, como já foi relatado nesta revista - clique aqui – o fenômeno se espalhou pelos Estados Unidos e, em seguida, por outros países, o que acabou resultando anos depois no advento da doutrina espírita, cujo marco inicial foi a publicação em 18 de abril de 1857 da primeira edição d´O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.


O porquê das manifestações no Corinthian Hall

Em novembro de 1849 as irmãs Fox já eram conhecidas, mas os fenômenos despertavam sentimentos antagônicos, havendo quem os aceitasse e um número maior de pessoas que os rejeitavam. Assim nasceu a ideia do teste a que as irmãs foras submetidas.

No seu livro The History of Spiritualism, traduzido para o nosso idioma por Julio Abreu Filho com o título “História do Espiritismo”, Arthur Conan
Doyle relata os pormenores do caso, e é com base no que ele registrou que apresentamos o relato abaixo.

Em uma das primeiras comunicações vindas do plano espiritual por intermédio das irmãs Fox foi dito que “as comunicações não se limitariam a elas; espalhar-se-iam pelo mundo”. Em breve essa profecia se confirmou, visto que os fenômenos espíritas, em pouco tempo, ocorreram em muitos outros centros independentes da família Fox, tanto no Norte quanto no Leste dos Estados Unidos.

As mensagens espíritas insistiam para que o pequeno grupo de pioneiros fizesse uma demonstração pública de seus poderes em uma reunião em Rochester, uma ideia que, obviamente, encheu de espanto as duas desconfiadas meninas e seus amigos. “Tão irritados ficaram os Guias de­sencarnados pela oposição de seus agentes terrenos, que ameaçaram suspender completamente o movimento durante uma geração e o interromperam por algumas semanas”, assim escreveu Conan Doyle.

Ao cabo de pouco tempo as comunicações foram restabelecidas e os crentes, castigados durante aquele intervalo, prometeram tudo fazer em benefício da causa, o que não era nada fácil. Uma parte do clero, notadamente o reverendo metodista A. Jervis, pôs-se ao seu lado; mas na sua maioria os líderes religiosos trovejaram do púlpito con­tra aqueles e a massa prontamente os apoiou na tarefa covarde de atacar os chamados heréticos.


No dia 14 de novembro, o primeiro teste

A 14 de novembro de 1849 realizou-se então a primeira reunião, tendo por local o Corinthian Hall, em Rochester.

A assistência – informa Conan Doyle (foto) – ouviu com atenção a exposição feita por Mr.
Capron, de Auburn, o orador principal. Foi então escolhida uma comissão de cinco cidadãos representativos para examinar o assunto e fazer um relatório na noite seguinte, em nova reunião da assembleia. Tão certos estavam de que esse relatório seria desfavorável, que o Rochester Democrat, ao que se veri­ficou, já havia preparado seu artigo de fundo, com o título: “Exposição Completa da Mistificação das Batidas”.

O resultado, porém, obrigou o editor a sustá-lo, porquanto a comissão rela­tou que as batidas eram indubitavelmente verdadeiras, embora as respostas dadas às perguntas “nem fossem todas certas, nem todas er­radas”. E acrescentou que as batidas se produziam nas paredes, nas portas, a alguma distância das meninas, produzindo uma sen­sível vibração, não sendo encontrado nenhum processo pelo qual elas pudessem ser produzidas.


O segundo teste público

O relatório foi recebido pela assistência com sinais de desagrado; então, em consequência disso, formou-se uma segunda comissão composta exatamente pelos descontentes. As investigações foram feitas no escritório de um advogado. Por qualquer motivo Kate es­tava ausente e só contaram com Leah e Margareth. Nem por isso os ruídos deixaram de se manifestar como antes, apesar de estar presente o doutor Langworthy, com o objetivo de controlar a possibilidade de ventriloquia. Conforme dito no relatório final, os sons tinham sido ouvidos e uma investigação completa tinha mostrado que nem eram produzidos por máquina nem pela ventriloquia, embora não tivesse sido possível determinar qual agente os teria produzido.


O terceiro e derradeiro teste

A assistência, insatisfeita com essas conclusões, devolveu o relatório à comissão e escolheu uma nova, constituída pelos mais extremamente oponentes, um dos quais jurou que se não descobrisse qualquer truque ia atirar-se nas cataratas do Genesee. A inspeção realizada pela comissão foi minuciosa e contou com a participação de um grupo de senhoras que despiram as meninas, submetendo-as a investigações aflitivas e até mesmo brutal. Seus vestidos foram amarrados apertados nos corpos e elas colocadas sobre vidros e outros isolantes. Findo o teste, a comissão viu-se obrigada a relatar que todos haviam ouvido distintamente as bati­das, tanto nas paredes quanto no soalho, e as perguntas propostas às médiuns, algumas formuladas mentalmente, tinham sido respondidas corretamente.


A reação do público

Diz Conan Doyle que o público, enquanto olhava o movimento como uma espécie de jogo, estava preparado para algo apenas divertido. Quando, porém, os três relatórios mostraram que se tratava de uma questão muito mais séria, uma onda de indignação varreu a cidade, chegando a tal ponto que Mr. Wiletts, um valoroso quaker, antes que se realizasse uma quarta assembleia pública, foi obrigado a declarar que “a corja de bandidos que pretendiam linchar as moças pode­ria fazê-lo, mas depois de passar sobre o seu cadáver”. Houve então um grande tumulto e as meninas tiveram de ser salvas pelas portas do fun­do.

Concluindo, escreveu Conan Doyle: “Muitos aceitaram as conclusões das sucessivas comissões como boas e, na verdade, é difícil ver como os fatos apontados poderiam ter sido mais severamente verificados. Ao mesmo tempo, esse vinho novo, forte e fermentado começou a se derramar dos velhos odres onde havia sido posto, para escusável desgosto do público”.
 

 


O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita