Internacional
por Rogério Miguez

Ano 15 - N° 742 - 10 de Outubro de 2021

Há 160 anos a Inquisição tentou conter a marcha do Espiritismo


No século XIX, o periódico parisiense Le Siècle – O Século -, um jornal intitulado político, literário e de economia social, na sua Seção Política, assim registrou, na edição de segunda-feira, 14 de outubro de 1861, fato insólito acontecido em uma praça da cidade de Barcelona, alguns dias atrás:1


[…]

A Igreja da Espanha iniciou uma grande cruzada contra os espíritos; o tempo não está bom para eles na Península: espíritos batedores, espíritos girantes, simples espíritos, estão sendo caçados como merecem. Enquanto se esperava que ela os apreendesse fisicamente, o que parece bastante difícil, a inquisição fez com que os jornais, livros e revistas espíritas ou espiritistas que circulavam na Espanha fossem apreendidos e queimados.

No dia 9 de outubro de 1861, às dez e meia da manhã, na esplanada da cidade, no local onde são executados os criminosos condenados à morte pelo torniquete, foram queimados, por ordem do Bispo de Barcelona, ​​trezentos volumes ou brochuras apreendidas na casa de um livreiro mais ou menos infestado de espiritismo.

O auto-de-fé era presidido por um sacerdote vestido com vestes sacerdotais, carregando a cruz numa das mãos e a tocha na outra. Um notário e seu escrivão, responsáveis​​pela redação do processo verbal; um alto funcionário da alfândega ficou ao lado do padre, enquanto três moços mantinham a fogueira acesa.

Quando os trezentos volumes foram consumidos, o sacerdote e seus acólitos retiraram-se em meio aos gritos da inumerável multidão que cobria a praça, e, enquanto o povo clamava com todas as suas forças: Abaixo a inquisição! o livreiro apreendido conseguiu aproximar-se da fogueira e recolheu alguns fragmentos das cinzas deste burlesco auto-de-fé. Isso é tudo que lhe restou de seus trezentos volumes.

Há muitos livros queimados; agora é sobre aqueles que os leram; como a inquisição lidará com eles? Sem dúvida não os queimaremos: os tempos, Ah...! não o permitem mais; mas cuidado com a reparação honorável!2 Em qualquer caso, neste momento, não somos nós que nos divertiremos fazendo as mesas girarem na Espanha.

[…]

 

Considerando mais este infame ato, se denota como a História está repleta de episódios praticados por Espíritos retrógrados visando interromper a marcha evolutiva do planeta.

Neste caso em exame, a Igreja Católica Apostólica Romana, tentou sem sucesso, mais uma vez, através de uma prática – a Inquisição -, que, certamente, impôs pesadas expiações aos seus atores, atrapalhar os anseios do povo em se libertar das condutas medievais, que vigoraram durante o milênio em que a Terra esteve mergulhada nos abismos da superstição, da ignorância e mesmo da crueldade, e que ainda insistiam em se fazer presentes no século XIX, tentando manter pela força e o terror, suas estruturas caducas e desgastadas por tantas iniquidades perpetradas.

Em parte, a Idade Média se estabeleceu devido ao afastamento gradual da vivência na essência dos ensinos Crísticos, quando interesses materiais e a ânsia pelo domínio territorial, instigaram o egoísmo de desorientados religiosos a trabalhar espontânea e alegremente em nome das forças das trevas, em lugar de aplicar o amai-vos uns aos outros às suas próprias vidas e a dos seus partidários, máxima tão bem divulgada e, principalmente, exemplificada pelo Meigo Rabi da Galileia.

Este período é considerado como a Idade das Trevas e, uma das práticas de controle da “fé” adotadas pela religião dominante no mundo ocidental, era a morte ou o suplício de todos que não comungassem com os seus deturpados interesses, pois este seguimento religioso representado pela Igreja Católica Apostólica Romana, fez de tudo para destruir os ensinos de Jesus, culminando com a indecorosa venda das indulgências, uma das causas motivadoras do nascimento da Reforma.

Não há dúvida, enfrentamos tempos tenebrosos e, o Espiritismo, nascido em 18 de abril de 1857, embora já distante da nociva influência das práticas medievais, não escapou dos ataques de religiosos atormentados para, mais uma vez, tentar frear o progresso moral da Terra.

Como se denota na descrição do periódico O Século, o povo, cansado de tantas iniquidades perpetradas pela Igreja, mas ainda impotente para dar um basta a tanta ignominia, fez o que estava ao seu alcance, e, espontaneamente, vaiou o ato inquisitório, pedindo o fim da famigerada Inquisição, o tribunal eclesiástico instituído pela Igreja católica no começo do século XIII visando investigar e julgar sumariamente supostos hereges e feiticeiros, e, os médiuns estavam incluídos neste rol de infortunados, acusados de crimes variados contra a chamada crença católica.

É interessante destacar como a espiritualidade superior age com sabedoria. Os esclarecidos Espíritos poderiam ter impedido mais este ato tresloucado de fanáticos religiosos compromissados com o mal, contudo, nada fizeram, se limitaram a assistir, pois sabiam que a queima das 300 obras espíritas em praça pública provocaria o efeito contrário ao esperado e, ardentemente desejado pela Igreja. O ser humano é curioso, é da sua natureza, e, diante de demonstração tão extemporânea como aquela, mais uma tentativa vã de proibir o acesso a um tipo específico de literatura pela força e não pela dissuasão e o raciocínio, acabou provocando o interesse geral, e, em consequência, houve uma procura mais acentuada por obras espíritas. Fez-se presente o conhecido ditado popular: deram um tiro no pé, aliás, 300 tiros!

Há uma curiosidade interessante no artigo do periódico no que tange a nomenclatura dos adeptos da Doutrina dos Espíritos. O autor do texto demonstrou conhecer a opção dos seguidores de Allan Kardec se dizerem espíritas ou espiritistas,3 possibilidade que nem todos conhecem, entretanto, vale destacar que o Codificador ainda sugeriu outra palavra, esta então conhecida por pouquíssimos, para designar os partidários do Espiritismo: espiritain,4 que significa espiritano.

Poderíamos aproveitar este inesquecível ato e tecer alguns comentários, fazendo um paralelo entre o ocorrido há 160 anos, e a verdadeira enxurrada de obras, surgindo aqui e ali, insistindo em se dizer espíritas, contudo, jamais o serão.

No passado, como sabemos, a Igreja se sentindo ameaçada pela novel Doutrina dos Imortais, ajuizou que, acendendo o fogo do destempero, destruindo algumas centenas de livros versando sobre o Espiritismo, poderia infligir sérios danos à caminhada, nas plagas europeias, da nova Filosofia Espiritualista, recém-nascida na França, o coração da Europa.

Há bom tempo, o movimento espírita brasileiro vem sendo atacado, fustigado, invadido frontalmente por obras pseudoespíritas, ou mesmo, totalmente dissociadas dos postulados espíritas. São duas grandes correntes de mistificadores e perturbados médiuns que se associam para produzir uma literatura apócrifa, contudo, têm sido empregadas largamente pelos espiritistas, provocando disputas doutrinárias intermináveis e “ensinando” aos novatos conceitos errôneos sobre o Espiritismo.

A nossa atitude jamais será queimar tais obras, e, podemos acrescentar que, se fossemos agir como os celerados de então, a fogueira alcançaria as alturas, não, esta nunca será a conduta espírita. A melhor postura espírita para manter a Doutrina sem possíveis indesejadas interferências, é estudar as obras de Allan Kardec, não só as cinco obras fundamentais, mas todo o conjunto de livros escritos pelo mestre de Lyon.

Além disso, buscar informações sabidamente irretocáveis sob o ponto de vista doutrinário, as ditas obras complementares, tais como: todo o conjunto de livros psicografados por Francisco Cândido Xavier, igualmente pela obra de Divaldo Pereira Franco, ou mesmo de Raul Teixeira. Lembramos também da literatura produzida pelas médiuns Ivone do Amaral Pereira e Zilda Gama. Isto só para citar cinco médiuns.

As obras de Allan Kardec, somadas as destes cinco médiuns, já somam várias centenas de livros, oferecendo material para se estudar até o final desta existência.

Entretanto, há outros autores médiuns ou não que também escreveram obras irretocáveis: Waldo Vieira quando esteve militando nas fileiras espíritas, José Herculano Pires, Cairbar Schutel, Abel Glaser, Carlos Imbassahy, Hermínio Miranda, Terezinha Oliveira, Wallace Leal Rodrigues, José Jorge, Rodolfo Calligaris, Bezerra de Menezes, Alírio Cerqueira Leite, Vinícius.

Não esquecer os autores clássicos, tais como: Léon Denis, Gabriel Delanne, Camille Flammarion, Alexander Aksakof, Ernesto Bozzano, Paul Gibier e William Crookes.

E, não são todos, há incontáveis nobres e sérios escritores que dignificam e engrandecem todo o esforço coordenado pelo Protetor da Terra - Jesus o Cristo -, em trazer à Humanidade o Consolador Prometido.

Mas, para facilitar o sincero aprendiz, sugerimos também consultar este portal O Consolador e o e-book: Livros que, propositadamente ou não, denigrem o Espiritismo.5 Neste trabalho, de autoria do criterioso José Passini, cita-se uma série de autores, com suas respectivas obras ditas espíritas, livros estes indignos de compor qualquer biblioteca, livraria ou feira espíritas.

Como se denota, não há necessidade de preparar fogueiras para impedir que as doutrinas apócrifas atentem contra a Doutrina, basta que os espiritanos não comprem e não divulguem os autores sabidamente desvirtuados da excelente Doutrina dos Imortais.

Honremos a memória de Allan Kardec, não queimando seus ensinos nas fogueiras da vaidade, orgulho e destempero. A chama da intemperança não deverá continuar acesa em nossas vidas, pois, por nós acesa no passado, já arde há bom tempo em nosso íntimo, em todas as nossas anteriores existências distanciadas do amor puro do Criador. Contudo, já é hora de zelarmos por manter a flama doutrinária imaculada, como tantos outros já o fizeram no passado, alguns, à custa de suas próprias vidas. Desta forma, façamos, hoje, este serviço em favor, e pela libertadora, consoladora e inigualável Doutrina dos Espíritos.

Seja a nossa Cruzada diversa daquela ocorrida há tempos longínquos, pois o Rabi da Galileia aguarda há milênios, pacientemente, que os nossos atos e palavras carreguem apenas o fogo da verdade e do amor.

 

Referências:

1 Acesso em 19/09/2021: Link-1

2 Acesso em 19/09/2021: Link-2

Reparação honorável é, na França, e sob o Ancien Régime – Regime antigo, nos termos da lei, uma penalidade infame, mais grave do que a reprimenda, mas menos do que a exposição pública, o chicote, a mutilação, as galés, o banimento.

KARDEC, Allan. Instruções práticas sobre as manifestações espíritas. Tradução Wallace Leal V. Rodrigues. 5ª ed. Editora: O Clarim, 1978. Vocabulário espírita.

4 _________. O Livro dos Espíritos. 1ª edição de 18 de abril de 1857 com 501 perguntas. Introdução.

Acesso em 19/09/2021: Link-3

 

 

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita