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por Ricardo Baesso de Oliveira

 

A fé segundo Allan Kardec


Fé é um sentimento que comporta entendimentos diferentes. Examinando o capítulo XIX de O evangelho segundo o Espiritismo, reconhecemos, no pensamento de Allan Kardec, três significados distintos:

1- Fé como crença

Segundo Kardec, do ponto de vista religioso, a fé consiste na crença em dogmas especiais, que constituem as diferentes religiões. Como espíritas temos fé, ou seja, cremos na existência de Deus, na existência da alma e na sua sobrevivência após a morte, na possibilidade dos Espíritos se comunicarem com os vivos e na reencarnação. São artigos de fé, porque ainda não foram “provados” pela comunidade científica. Nesse particular, o que diferencia a fé de um fato são as evidências científicas. A fé é uma crença não baseada em evidências.

Esse conceito transparece na Carta aos Hebreus, 11,1: a fé é um meio de demonstrar as realidades que não se veem.

Examinando a fé como crença, Kardec reconhece que, sob esse aspecto, pode a fé ser raciocinada ou cega. Fé cega é aquela que tudo admite, até mesmos os maiores absurdos, como a ressuscitação de um morto, a abertura do mar vermelho ou alguém passar dias no estômago de uma baleia. A fé raciocinada, lembra o codificador, é aquela que pode encarar a razão face a face.

Comenta, ainda, Kardec, que, em certas pessoas, a fé parece de algum modo inata; uma centelha basta para desenvolvê-la. Essa facilidade de assimilar as verdades espirituais é sinal evidente de anterior progresso. Em outras pessoas, ao contrário, elas dificilmente penetram, sinal não menos evidente de naturezas retardatárias. As primeiras já creram e compreenderam; trazem, ao renascerem, a intuição do que souberam: estão com a educação feita; as segundas tudo têm de aprender: estão com a educação por fazer. Ela, entretanto, se fará e, se não ficar concluída nesta existência, ficará em outra.

2- Fé como confiança

Nesta acepção, escreve Kardec, entende-se como fé a confiança que se tem na realização de uma coisa, a certeza de atingir determinado fim. Ela dá uma espécie de lucidez que permite se veja, em pensamento, a meta que se quer alcançar e os meios de chegar lá, de sorte que aquele que a possui caminha, por assim dizer, com absoluta segurança. Essa fé, quando sincera e verdadeira, é sempre calma; faculta a paciência que sabe esperar, porque, tendo seu ponto de apoio na inteligência e na compreensão das coisas, tem a certeza de chegar ao objetivo visado

A Carta aos Hebreus (11,1) define essa acepção da fé como uma posse antecipada do que se espera.

Tomemos um exemplo: um pai de família perde o emprego e não possui reservas para manter a família. Via de regra, diante do acontecido, esse cidadão será acometido por sentimentos de medo, angústia, insegurança, preocupação e até mesmo desespero ou revolta. A existência da fé dá ao indivíduo a serenidade esperançosa, decorrente da absoluta confiança na Providência Divina. A posse antecipada do que se espera está presente na certeza de que o problema será solucionado e o novo emprego virá. Assim, não abrirá em seu coração, espaço para o medo e as demais emoções negativas.

3- Fé como determinação, coragem, força interior

A terceira dimensão da fé pode ser identificada em uma mensagem mediúnica recebida em 1863, assinada por um espírito protetor e que Kardec inseriu, no capítulo XIX do E.S.E.  O autor define fé como a vontade de querer e a certeza de que essa vontade pode obter satisfação. Segundo ele, a fé robusta dá a perseverança, a energia e os recursos que fazem se vençam os obstáculos, assim nas pequenas coisas, que nas grandes.  Essa dimensão da fé pode ser classificada, segundo o autor mediúnico, em fé humana ou divina, conforme o homem aplica suas faculdades à satisfação das necessidades terrenas, ou das suas aspirações celestiais e futuras.

O homem de gênio, que se lança à realização de algum grande empreendimento, triunfa, se tem fé, porque sente em si que pode e há de chegar ao fim colimado, certeza que lhe faculta imensa força.    

O homem de bem que, crente em seu futuro celeste, deseja encher de belas e nobres ações a sua existência, haure na sua fé, na certeza da felicidade que o espera, a força necessária, e ainda aí se operam milagres de caridade, de devotamento e de abnegação.

E conclui o autor espiritual:

Se todos os encarnados se achassem bem persuadidos da força que em si trazem, e se quisessem pôr a vontade a serviço dessa força, seriam capazes de realizar o a que, até hoje, eles chamaram prodígios e que, no entanto, não passa de um desenvolvimento das faculdades humanas.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita