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por André Ricardo de Souza

 

Madalena havia sido mesmo prostituta, qual o problema?


Maria Madalena ou Maria de Magdala, antiga vila próxima de Cafarnaum, tem a trajetória mais enigmática e controversa da história do cristianismo. Não por acaso, foi abordada em vários livros e filmes, além de uma popular série televisiva. Sua peculiaridade se deve ao fato de o Papa Gregório I (Gregório Magno, 540-604) ter feito determinada confusão. Afirmou ele, em 591, que Madalena seria tanto a mulher anônima que - dentro da casa do fariseu Simão, na cidade de Naim - lavou em lágrimas, ungiu com perfume e secou com os seus cabelos os pés de Jesus (Lucas 7, 33-50), quanto Maria, a irmã de Marta e Lázaro, que fez algo semelhante na cidade de Betânia, porém sem prantos e com um perfume mais caro, conforme: 
Mateus 26, 6-13; Marcos 14,3-9 e João 12,1-8  (Maisch, 1998; Haag, 2018; Tomaso, 2020). A partir da pregação daquele pontífice em prol do valor do arrependimento, Madalena, passou a ser reconhecida como prostituta convertida ou “pecadora arrependida”, deixando de ter o título de “apóstola dos apóstolos”, algo que seria retomado somente em 2016 pelo Papa Francisco.

É bastante veemente e frequente a negação de que Madalena foi prostituta. No meio espírita, é comum a acusação à Igreja Católica pela deturpação ocorrida na imagem daquela que acompanhou Jesus na crucificação e foi a primeira a avistá-lo, já ressuscitado, sofrendo desconfiança dos apóstolos, também pelo baixo valor então atribuído à palavra das mulheres em geral.

Mas no livro Boa Nova, o Espírito Humberto de Campos (2013, p. 127-128) explicita que a apóstola havia sido efetivamente não só prostituta, mas também a mulher sofredora retratada apenas no Evangelho de Lucas.

Maria de Magdala ouvira as pregações do Evangelho do Reino, não longe da vila principesca onde vivia entregue a prazeres, em companhia de patrícios romanos, e tomara-se de admiração pelo Messias. (...) Decorrida uma noite de grandes meditações e antes do famoso banquete em Naim, onde ela ungira publicamente os pés de Jesus com os bálsamos perfumados de seu afeto, notou-se que uma barca tranquila conduzia a pecadora a Cafarnaum. Dispusera-se a procurar o Messias, após muitas hesitações. Como a receberia o Senhor, na residência de Simão? Seus conterrâneos nunca lhe haviam perdoado o abandono do lar e a vida de aventuras. Para todos, ela era a mulher perdida, que teria de encontrar a lapidação na praça pública.

Ali na casa de Simão Pedro - que lançou sobre ela um “olhar glacial, quase denotando desprezo” - Madalena ouviu de Jesus algo profundamente marcante que o apóstolo reproduziria, mais tarde, em sua primeira epístola: “o amor cobre a multidão de pecados” (1 Pedro, 4:8). E Humberto de Campos (2013, p. 132-133), complementa sobre ela:

Humilde e sozinha, resistiu a todas as propostas condenáveis que a solicitavam para uma nova queda de sentimento. Sem recursos para viver, trabalhou pela própria manutenção, em Magdala e Dalmanuta (...) Certo dia, um grupo de leprosos veio a Dalmanuta. Procediam da Idumeia aqueles infelizes, cansados e tristes, em supremo abandono. Perguntavam por Jesus Nazareno, mas todas as portas se lhes fechavam. Maria foi ter com eles e, sentindo-se isolada, com amplo direito de empregar a sua liberdade, reuniu-os sob as árvores da praia e lhes transmitiu as palavras de Jesus, enchendo-lhes os corações das claridades do Evangelho.

E foi em Dalmanuta que Paulo de Tarso a conheceu enquanto ele voltava a Jerusalém, após converter-se, reunindo relatos sobre a vida de Jesus, conforme o livro Paulo e Estêvão (2013, 466). Como sabemos, o ex-rabino - que havia sido responsável pela execução de Estêvão e outros cristãos - deixou de ser grande pecador para se tornar um dos maiores servidores do Cristo na história. E tanto ele quanto Madalena foram desacreditados inicialmente pelos apóstolos quando anunciaram seus respectivos encontros espirituais com o mestre divino. Importante ainda lembrar que na referida obra de Emmanuel (2013, p. 466) e de modo coerente com Jesus, o convertido de Damasco se contrapõe à hipocrisia frequente na avaliação da conduta feminina: “Irmãos, é indispensável compreender que a derrocada moral da mulher, quase sempre, vem da prostituição do homem”.

Verifica-se, portanto, que Gregório I não estava de todo enganado. E quanto às prostitutas, que, hoje, recebem, em alguns lugares, auxílio da católica Pastoral da Mulher Marginalizada, nós observamos uma arraigada discriminação, algo que é manifestado na indignação quando se refere ao caso de Maria Madalena. Por que ela não poderia ter sido uma meretriz? Qual o problema disso? Por que ainda depreciar, indiretamente, tanto as prostitutas? Precisamos reconhecer honestamente todos os nossos preconceitos. Cabe, por fim, lembrar que o mais importante, de fato, não é o que fomos, mas sim o que nos tornamos. Ao olhar para ela, assim como para Paulo de Tarso e para Públio Lêntulo, o senador romano retratado no livro Há dois mil anos, de Emmanuel - tendo sido uma reencarnação dele - Jesus não viu a meretriz obsediada, o assassino perseguidor e o patrício orgulhoso, mas sim seres humanos, além de missionários da luz que eles viriam se tornar. Tanto quanto pudermos sem ingenuidade, mas com a firme humildade, procuremos sempre ver nossos irmãos marginalizados com os olhos verdadeiramente cristãos. [1]

 

Referências bibliográficas:

TOMMASO, Wilma Steagall. Maria Madalena: história, tradição e lendas. São Paulo, Paulus, 2020.

XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45ª edição. Brasília, FEB, 2013.

_______. Há dois mil anos. Pelo Espírito Emmanuel 46ª edição. Rio de Janeiro. FEB, 2009.

_______. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 37ª edição. Brasília, FEB, 2013.


 

[1] O autor é professor de sociologia da UFSCar e colaborador do paulistano Núcleo Espírita Coração de Jesus.

 

 

 

     
     

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 Revista Semanal de Divulgação Espírita