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por Paulo Hayashi Jr

 

Vigilância e o canto das sereias


A palavra vigilância tem origem no latim vigilare e significa estar atento, em vigília, de prontidão. A vigilância permite que o soldado não seja ‘pego de surpresa’, por exemplo. Ou ainda, com vigilância em seus atos, pensamentos e ações que não realizem algo contra si mesmo. Com isso, o ato de vigilância precisa ser distinguido entre a cautela e precaução com terceiros e contra seus próprios hábitos antigos.

Para tanto, é favorável rememorar a façanha do herói Ulisses, do poeta grego Homero. Em sua Odisseia, na viagem de volta para a ilha de Ítaca, o herói foi advertido do perigo iminente das sereias. Estas eram seres mitológicos que encantavam as pessoas com sua beleza e canto, mas as levavam para a perdição. Todavia, Ulisses conseguiu superar tal prova devido ao reconhecimento inicial da sua fraqueza. Ele se conhecia bem. Assim, pediu para que os seus marujos o amarrassem ao mastro do navio para evitar sucumbir ao canto e encanto das sereias: “Mas ao longo do mastro em rijas cordas. E se pedir me desateis, vós outros. De pés e mãos ligai-me com mais força[1]”.

Ulisses sabia do poder das sereias, seduções estas que fizeram tombar tantos outros grandes navegadores. São as ilusões do mundo, as tentações da matéria, as paixões e fascinações da carne que atraem e conseguem dissipar boas oportunidades de realizações. Seja pela perda de energia e tempo, seja pelas direções e recursos. Por isso, a vigilância constante é algo tão importante quanto à disciplina. É evitar as portas largas das paixões no mundo, pois “o espírito está pronto, mas a carne é fraca[2]”. 

Das lições de Ulisses, observa-se a coerência dos ensinamentos do apóstolo Marcos[3]: “olhai, vigiai, orai”. Olhai inicialmente para dentro de si.

O autoconhecimento. Observe seus pontos fortes e fracos. Crie um projeto de renovação e melhorias. Naquilo que se tem baixa probabilidade de sucesso, reforce ainda mais a vigilância. Tal como fez Ulisses ao ser amarrado no navio. É o cuidado com o “calcanhar de Aquiles”, nossas dívidas mais relevantes ou falhas morais que ainda necessitam de atenção. As aquisições mais valiosas são justamente aquelas que retificam nosso “calcanhar de Aquiles”. Vitórias que vêm por meio de esforços hercúleos e sacrifícios, pois certamente tivemos quedas em muitos outros momentos de nossa história e passagens pela Terra. São as sombras internas, nossas áreas ainda pouco iluminadas que precisam ser reconhecidas e confrontadas, tal como na passagem do herói grego. Os equívocos, enganos e erros do pretérito sempre vão requisitar a liquidação no momento oportuno.

Mais do que um simples poema, a Odisseia é a vitória do ser sobre suas próprias inclinações e tendências. É a iluminação do ser pelo conhecimento, vigilância e trabalho. Nas palavras de Emmanuel[4]: “se a própria pedra deve sofrer o burilamento para refletir a luz, que dizer de nós mesmos, chamados, desde agora, a exteriorizar os recursos divinos?”. Todavia, poucos se aventuram sobre suas más inclinações, pois indubitavelmente são mares bravios. É necessário adentrar esse mar, este deserto interior e se fortalecer por meio da aquisição de novos conhecimentos edificantes e do trabalho para o bem. Apenas com o trabalho no bem, a aproximação com Jesus e a renovação interior é possível contar com a boa providência e a esperança da paz interior, de forma ampla e irrestrita. É se fortalecer para não sentir o balanço do mar. Todavia, não é possível esperar a transformação sem passar novamente pela provação das sereias. É preciso vigilância constante, mas sem temor. Na complementação dos versos de Marcos[5]: “Olhai, vigiai e orai; porque não sabeis quando chegará o tempo”. 

Outro ponto de destaque é a necessidade de bons amigos e pessoas que complementam a realização da tarefa. Ulisses, caso estivesse sozinho e não contasse com valiosos companheiros, provavelmente não teria tido o mesmo sucesso em relação ao desafio. É preciso saber cultivar as boas amizades como prova de vigilância também. Nas palavras dos Provérbios: “Aquele que anda com os sábios será cada vez mais sábio, mas o companheiro dos tolos acabará mal[6]”. Ou ainda, pelas observações do apóstolo dos Gentios: “as más companhias corrompem os bons costumes[7]”.

Autoconhecimento, fortalecimento dos pontos fortes, aproximação com Jesus, vigilância ao “calcanhar de Aquiles”, boas companhias são alguns pontos de destaque da vigilância. Mais do que simples lições de atenção, a vigilância se transforma em incontestável programa de renovação interior e de progresso. Se há mares bravios, sejamos como o continente de sabedoria e amor que percebe as ondas, mas as abraça com paciência e generosidade. Por meio das vitórias sobre as sereias do mundo, conquistaremos as estrelas do céu.8


 

1. Odisseia, Homero, Livro XII: 120.

2. Mateus 26:41.

3. Marcos 13:33.

4. Fonte Viva. Cap. 54 - Procuremos com zelo.

5. Marcos 13:33.

6. Provérbios 13:20.

7. 1 Coríntios 15:33.

Este texto foi escrito em homenagem à minha mãe
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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita