Artigos

por Claudio Rariz Siqueira

O aborto, a lei divina e a inércia espírita


Pesquisando artigos espíritas na internet, sobre o aborto, deparei-me com o seguinte texto publicado no site “justificando.com”1, na data de 28/03/2018, de autoria de Bruna Rocha Silveira2:

Título: “Espíritas e a negligência do aborto paterno”. A autora discorre sobre os direitos da mulher no caso do aborto, a negligência do homem em relação à gravidez da mulher e em determinado ponto faz uma pergunta e apresenta sua resposta:

Mas então, é incoerente ser espírita e ser a favor da legalização do aborto? Na minha visão não. Enquanto mulher, mãe e espírita, quero ser dentro da casa espírita a pessoa que acolhe quem busca informação sobre a maternidade e que apoia as decisões das mulheres sem julgamentos.

“Quero ser aquela que abraça aquelas que, por algum motivo que não cabe a mim julgar, escolheram não ser mães agora e que, com toda certeza do mundo, sofrem, sim, com essa decisão também.

“Sou contra os julgamentos morais que se fazem sobre as escolhas de cada uma de nós. Afinal, o livre-arbítrio está aí. Não acho que uma mulher que comete um aborto seja uma assassina como muitos dizem. Nem que seja uma pessoa melhor ou pior.

“Estamos todos aqui para aprender, amar e evoluir. Jesus nos disse ‘amai-vos uns aos outros’ e não, julgai-vos. Acredito que as mulheres, independente das escolhas que façam, precisam ser abraçadas, acolhidas e amadas dentro das religiões”.

A afirmação desta nossa companheira, mulher, mãe, espírita, quando ela diz que “na sua visão não há incoerência entre ser espírita e a favor do aborto”, vem de encontro aos ensinamentos da Doutrina Espírita? Está alinhada com os postulados ensinados e exemplificados por Jesus, constantes do Seu Evangelho?

Eu, particularmente, concordo com parte da afirmação da nossa companheira Bruna e, em parte discordo de sua afirmação. Mas vamos ver o que nos diz a doutrina espírita:

A lei de Deus só permite o aborto, não espontâneo, quando a gravidez colocar em risco a vida da mãe3.

Há sempre crime, quando se transgride a lei de Deus. A mãe ou qualquer pessoa cometerá sempre um crime ao tirar a vida à criança antes do seu nascimento, porque isso é impedir a alma de passar pelas provas de que o corpo devia ser o instrumento4.

O aborto espontâneo, neste caso, não entra em questão. Aqui, falamos somente do aborto provocado, isto é, da interrupção intencional da gravidez.

Então, baseado nas afirmações de Kardec, constante das questões 358 e 359 de O Livro dos Espíritos, não posso concordar com a nossa companheira Bruna, quando ela entende que não há incoerência entre ser espírita e ser a favor da legalização do aborto. No meu entender, apoiar a legalização do aborto, a interrupção intencional da gravidez, afronta a lei Divina e, portanto, é incoerente com os postulados da doutrina. Não é possível ser espírita e ser contrário aos ensinamentos da doutrina. Ela nos pede coerência no pensar, sentir, falar e agir, e em relação às leis Morais.

Mas concordo com ela em seu artigo, quando afirma: “quero ser dentro da casa espírita a pessoa que acolhe quem busca informação sobre a maternidade e que apoia as decisões das mulheres sem julgamentos”.

Dra. Marlene Nobre afirma: ...anualmente, em todo o mundo, são 60 milhões de abortos provocados, contra 90 milhões de crianças nascidas5...o aborto é o paroxismo da violência, por isso, pretendemos, [...], trabalhar pela paz6... no caso do aborto induzido, é a legalização da pena de morte para inocentes, sem defesa, sem julgamento...7.

Talvez aqui caiba uma outra pergunta: se nós espíritas somos defensores da vida por princípio, por coerência doutrinária, o que fazemos para modificar a situação do aborto em nosso país?

Paramos para pensar como se sentem: as mães que tomam a decisão de abortar por não ter o apoio do companheiro, e/ou da família? Os pais que escolhem esse caminho orientados pelos médicos, quando o feto é portador de anencefalia ou outras doenças congênitas? As meninas ou mulheres que foram estupradas e escolhem no aborto um caminho de violência para solucionar outra violência?

Nós que buscamos seguir os ensinamentos doutrinários, como conviver com situações e pessoas que defendem a liberação total do aborto, ou que praticaram aborto(s) durante suas vidas? Vamos julgar e condenar as mães e os pais que fazem os abortos contrários à lei Divina, mesmo que amparados pelas leis dos homens? Vamos julgar e condenar as mães, os pais, parentes? (Lei de Justiça, Amor e Caridade? O Livro dos Espíritos, Livro III, Cap. XI.)

Esse fato acendeu um alerta em minha consciência. O que nós espíritas estamos fazendo de prático para auxiliar:

1. As mulheres e/ou pais que estão pensando em abortar, a não fazê-lo?

2. Aqueles que já estiveram envolvidos com o aborto, a buscar reparação das escolhas equivocadas?

Cheguei à conclusão de que temos vivido a situação confortável do nosso conhecimento teórico sobre o assunto, sem nos movimentarmos para reverter esta situação no país e no mundo. Temos sido negligentes e indiferentes em relação à vida.

Kardec nos orienta8...é preciso fazer o bem no limite das próprias forças, pois cada um responderá por todo o mal que tiver ocorrido por causa do bem que deixou de fazer.

Há uma diferença grande entre ser contra a legalização do aborto e ser contra as pessoas envolvidas na prática do aborto. Não podemos nos esquecer da máxima de Jesus: “fora da caridade não há salvação”9.

...quero ser dentro da casa espírita a pessoa que acolhe quem busca informação sobre a maternidade e que apoia as decisões das mulheres sem julgamentos, é a resposta da Bruna às duas questões do item anterior.

Dra. Marlene Nobre nos propõe a primeira solução, quando defende claramente sua posição: ...a mulher tem o direito de comandar os seus próprios gametas, dar o destino que melhor lhe aprouver aos seus ovócitos (óvulos), mas não tem o direito de vida ou morte sobre o zigoto. Não tem autonomia sobre a célula-ovo resultante da fecundação. O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao homem. Com o planejamento familiar, ambos têm esse direito assegurado, uma vez que possibilita a homens e mulheres espaçarem o nascimento dos filhos, de forma racional e saudável.10 Da dor, a uma vida de amor!

O amor cobre uma multidão de pecados (I Pedro 4:8). Apropriando-me deste ensinamento de Jesus que nos é trazido por Pedro em sua primeira epístola, tomo a liberdade de exortar a todos os irmãos de ideal espírita, todas as casas espíritas e a todas as instituições espíritas federativas de nosso país para que possamos vislumbrar, na “adoção”, o caminho para auxiliarmos os Espíritos em vias de abortamento a terem a sua oportunidade reencarnatória preservada e, a todos os envolvidos na prática do aborto, a também perceberem que a opção pela vida, pela adoção, é o caminho da paz, a fim de não viverem os tormentos da culpa, do remorso. Este é um caminho prático e efetivo, sensato e amoroso, para combatermos essa violência que assola o mundo, o aborto.

Mas precisamos sair da inércia, da nossa zona de conforto, para transformarmos este ideal em prática corrente dentro da sociedade terrena. São muitos os atores envolvidos e muitas articulações precisam ser desenvolvidas, muitos preconceitos a serem superados.

_____________________

1 Confira neste Link-1

2 Publicitária, mestre em Comunicação Social, doutora em Educação, pós-doutoranda em Educação (UFRGS), blogueira, mulher, feminista, espírita, mãe do Francisco.

3 Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, São Paulo-SP, LAKE Editora, 46ª edição, janeiro/1987, Livro II, Cap. VII, Q. 359, pág. 185.

4 Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, São Paulo-SP, LAKE Editora, 46ª edição, janeiro/1987, Livro II, Cap. VII, Q. 358, pág. 185.

5 Marlene Severino Nobre, O Clamor da Vida  Reflexões contra o aborto intencional, São Paulo-SP, FE Editora,  edição, 2012, Cap. I, pág. 16.

6 Marlene Severino Nobre, O Clamor da Vida  Reflexões contra o aborto intencional, São Paulo-SP, FE Editora, 2ª edição, 2012, Introdução, pág. XI.

7 Marlene Severino Nobre, O Clamor da Vida  Reflexões contra o aborto intencional, São Paulo-SP, FE Editora,  edição, 2012, Cap. 1, pág. 22.

8 Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, São Paulo-SP, LAKE Editora, 46ª edição, janeiro/1987, Livro III, Cap. I, Q. 642, pág. 275.

9 Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, São Paulo-SP, LAKE Editora, 40ª edição, abril/1991, Cap. XV, pág. 194.

10 Marlene Severino Nobre, O Clamor da Vida – Reflexões contra o aborto intencional, São Paulo-SP, FE Editora, 2ª edição, 2012, Cap. 2, pág. 58.

 

Nota da Redação:

Claudio Rariz Siqueira, palestrante espírita, reside em Sorocaba-SP. Este texto foi contemplado no concurso A Doutrina Explica – 2020-2021, promovido pelo Jornal Brasília Espírita (www.atualpa.org.br), com o objetivo de sensibilizar para a leitura, o uso da biblioteca espírita e levar a conhecer alguma metodologia de pesquisa para apoiar o estudo doutrinário, além de incentivar os participantes para o potencial de racionalização e explicação da realidade social e espiritual pela Doutrina Espírita.

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita