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por Paulo da Silva Neto Sobrinho

 

Mensagem de Georges sobre os Espíritos puros

(Parte 2 e final)

 

Dito isso, vamos ao que nos interessa. Na Revista Espírita 1860, mês de outubro, foi publicada a mensagem “Os Espíritos Puros”, pela médium Sra. Costel e assinada por Georges, um Espírito superior, que se não prestarmos bem a atenção no que disse, poderá não corresponder ao que, até aqui, nós vimos:

Os puros Espíritos são aqueles que, chegados ao mais alto grau da perfeição, são julgados dignos de ser admitidos aos pés de Deus. O infinito esplendor que os envolve não os dispensa de ser úteis nas obras da Criação: as funções que devem preencher correspondem à extensão de suas faculdades. Esses Espíritos são os ministros de Deus; sob suas ordens, regem os mundos inumeráveis; dirigem do alto os Espíritos e os humanos; […].

Sua forma é etérea, nada tendo de palpável; falam aos Espíritos superiores e lhes comunicam sua ciência; tornam-se infalíveis. Em suas fileiras é que são escolhidos os anjos da guarda, que bondosamente baixam o olhar sobre os mortais, e os recomendam aos Espíritos superiores, que os amaram. Estes escolhem os agentes de sua direção nos Espíritos de segunda ordem. […]. (KARDEC, Revista Espírita 1860, p. 471-472, grifo nosso.)

No primeiro parágrafo, confirma-se o que já foi dito a respeito da missão dos Espíritos puros: “ministros de Deus, que sob suas ordens, regem os mundos inumeráveis”.

No último, a impressão que se tem é que os anjos da guarda são escolhidos entre os Espíritos puros, caso se queira denominar assim aqueles que governam e os que protegem os mundos, que são missões especiais, porém, não quanto ao anjo da guarda de famílias e indivíduos.

O trecho “Em suas fileiras é que são escolhidos os anjos da guarda, que bondosamente baixam o olhar sobre os mortais, e os recomendam aos Espíritos superiores, que os amaram” para melhor entendimento, pode ser resumido da seguinte forma “Em suas fileiras é que são escolhidos os anjos da guarda e os recomendam aos Espíritos superiores”.

Se disso entendermos que os Espíritos puros escolhem entre os Espíritos superiores aqueles que terão a missão de anjo da guarda, tudo bem, pois isso é condizente com o que foi dito pelo Codificador a respeito dos Espíritos puros: “Comandam todos os Espíritos que lhes são inferiores, ajudando-os a se aperfeiçoarem e lhes designam missões” (KARDEC, O Livro dos Espíritos, Petit, p. 76, grifo nosso.)

Entretanto, caso optarmos em considerar que os anjos da guarda são escolhidos entre os Espíritos puros, então tudo quanto foi dito, nas várias obras da Codificação, que julgamos necessário relembrar, deve ser desconsiderado.

Isso para nós faz sentido, porquanto, ainda no mês de outubro, numa outra mensagem intitulada “O Despertar do Espírito”, Georges afirma que “[…] não há relações amistosas entre os Espíritos errantes; aqueles mesmos que se amaram não trocam sinais de reconhecimento; […]” (KARDEC, Revista Espírita 1860, p. 476, grifo nosso.)

Essa afirmação causou tanta estranheza, que forçou Allan Kardec a escrever o artigo “Relações afetuosas dos Espíritos”, publicado em novembro, para explicar a todos, o que, na realidade, Georges queria dizer:

[…] É preciso daí concluir que os Espíritos errantes não são forçosamente privados, mas podem ser privados dessas comunicações, se tal for a punição a eles imposta. Como diz Georges em outra passagem: “Essa privação momentânea lhes dá mais ardor para atingirem o momento em que as provas realizadas lhes devolverão o objeto de sua afeição”. Portanto, essa privação não é o estado normal dos Espíritos errantes, mas uma expiação para os que a mereceram, uma das mil e uma variedades que nos esperam na outra vida, quando tivermos desmerecido nesta. (KARDEC, Revista Espírita 1860, p. 503-504, grifo nosso.)

Como Allan Kardec jamais considerou os Espíritos seres infalíveis, sempre ficou atento ao que diziam. Nós o vemos, muitas vezes, esclarecendo pontos obscuros ou alguns que viessem a contrariar informações ou fatos anteriores, como ocorreu no presente caso.

Em O Evangelho segundo o Espiritismo, o Codificador, referindo-se ao Controle Universal do Ensino dos Espíritos, entre várias coisas, disse:

[…] com relação a tudo que esteja fora do âmbito do ensino exclusivamente moral, as revelações que cada um possa receber terão caráter individual, sem cunho de autenticidade; que devem ser consideradas como opiniões pessoais de tal ou qual Espírito e que seria imprudente aceitá-las e propagá-las levianamente como verdades absolutas. (KARDEC, O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 17, grifo nosso.)

[…] É que tiveram o apoio dos Espíritos, cuja boa vontade não só compensou, como também superou o malquerer dos homens. Assim sucederá a todas as ideias que, emanando dos Espíritos ou dos homens, não possam suportar a prova desse controle, cujo poder ninguém pode contestar. (KARDEC, O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 19, grifo nosso.)

Para nós, fica bem claro que nenhuma opinião pessoal, seja de Espíritos ou de homens, deve prevalecer diante da opinião da maioria.

Por outro lado, a nosso ver, não faz o menor sentido se ter o anjo da guarda como sendo Espírito puro. É o mesmo que aceitar que seja atribuída a um professor com doutorado a missão de dar aulas a crianças do maternal.

Imagine, caro leitor, cada um de nós ter como anjo de guarda um Espírito com o mesmo nível evolutivo de Jesus. Onde reside a lógica para se aceitar isso?

Mas encontramos algo bem interessante na mesma Revista Espírita 1860, mês de outubro. Trata-se do artigo intitulado “Sobre o valor das comunicações espíritas”, assinado pelo Sr. Jobard, de Bruxelas, do qual destacamos o seguinte trecho:

[…] quanto aos Espíritos celestes, ou de uma ordem transcendental, é raro vê-los se comunicarem com os indivíduos que ainda não chegou o tempo para com eles falar; eles presidem aos destinos das nações e às grandes catástrofes, às grandes evoluções dos globos e das Humanidades; eles trabalham neste momento, esperemos com recolhimento as grandes coisas que vão chegar: Renovabunt fadem terra. (KARDEC, Revista Espírita 1860, p. 311, grifo nosso.)

As missões dos Espíritos puros são de grande alcance coletivo, conforme podemos entender. E se “é raro vê-los se comunicarem com os indivíduos”, jamais poderiam ser anjos da guarda deles.

Na Revista Espírita 1861, meses de janeiro (KARDEC, Revista Espírita 1861, FEB, p. 35-46) e fevereiro (KARDEC, Revista Espírita 1861, FEB, p. 79-88), foi publicado o artigo “Carta sobre a incredulidade”, assinado pelo Sr. Alexandre Canu, secretário da Sociedade Espírita de Paris (KARDEC, Revista Espírita 1863, p. 298):

O Espírito familiar, que até certo ponto confirma a teoria católica do anjo-da-guarda, não é, entretanto, exatamente aquilo que nos apresenta o dogma católico. É simplesmente o Espírito de um mortal, que viveu como nós, mas que é muito mais adiantado que nós e, consequentemente, nos é infinitamente superior em bondade e em inteligência; que realiza uma missão meritória para si, proveitosa para nós, desse modo nos acompanhando neste mundo e no outro, até sermos chamados a uma nova encarnação, ou até que nós mesmos, chegados a um certo grau de superioridade, sejamos chamados a realizar, na outra vida, missão semelhante junto a um mortal menos evoluído do que nós. (KARDEC, Revista Espírita 1861, FEB, p. 86, grifo nosso.)

Essa visão externada pelo Sr. Canu, ao nosso sentir, tem uma chance muito grande de representar a opinião dos membros da Sociedade Espírita de Paris. Julgamos até que há boa possibilidade desse tema ter sido motivo de discussões entre eles, incluindo, obviamente, Allan Kardec, já que ele era o presidente da Sociedade.

Não descartamos a probabilidade de que, nas manifestações de Espíritos, o assunto foi ventilado. Como exemplo, podemos citar Girard de Codemberg, autor da obra O Mundo espiritual, ou ciência cristã de comunicar intimamente com as potências celestes e as almas felizes, da qual Allan Kardec disse: “Esta obra contém comunicações excêntricas que denotam uma obsessão manifesta” (KARDEC, Revista Espírita 1862, p. 118). Em novembro de 1861, em Bordeaux, o Espírito Girard foi evocado, do diálogo registrado na Revista Espírita 1862, destacamos o seguinte trecho:

P. – Numa passagem de vossa obra, que tenho em mãos, dissestes: “Perguntam à mesa o nome do meu anjo-da-guarda que, conforme a crença americana, é apenas uma alma feliz, tendo vivido nossa vida terrena e que, por conseguinte, deve ter um nome na sociedade humana”. Essa crença, dizeis, é uma heresia. Que pensais hoje dessa heresia?

Resp. – Disse-vos que tinha visto mal, porque, inexperiente na prática do Espiritismo, aceitei como verdades os princípios que me eram ditados por Espíritos levianos e impostores. Mas, em presença de verdadeiros e sinceros espíritas que aqui se acham reunidos nesta noite, confesso que o anjo-da-guarda, ou Espírito protetor, outra coisa não é senão o Espírito que chegou ao progresso moral e intelectual pelas diversas fases percorridas em suas encarnações nos diferentes mundos, e que a reencarnação, que eu negava, é a mais sublime e a maior prova da justiça de nosso Pai, que está no céu, e que não quer a nossa perda, mas a nossa felicidade. (KARDEC, Revista Espírita 1862, FEB, p. 168, grifo nosso.)

Da afirmativa de que “chegou ao progresso moral e intelectual” julgamos tratar-se de Espírito de segunda ordem, uma vez que “[…] uns têm a ciência, outros a sabedoria e a bondade. Os mais adiantados aliam o saber às qualidades morais. […]” (KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 94, grifo nosso). Como os Espíritos puros têm “[…] Superioridade intelectual e moral absoluta, com relação aos Espíritos das outras ordens” (KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 96, grifo nosso), entendemos que existe uma graduação em cada um dos progressos, ou seja, moral e intelectual.


Fonte: SILVA NETO SOBRINHO, P. Anjos da guarda, a que ordem e classe pertencem? Para acessar, 
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Referência bibliográfica:

KARDEC, A. A Gênese. São Paulo: FEAL, 2018.

KARDEC, A. O Céu e o Inferno. Brasília: FEB, 2013.

KARDEC, A. O Evangelho segundo o Espiritismo. Brasília: FEB, 2013.

KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Brasília: FEB, 2013.

KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. (PDF) São Paulo: Petit, 2001.

KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Brasília: FEB, 2013.

KARDEC, A. Revista Espírita 1860. Araras (SP): IDE, 2000.

KARDEC, A. Revista Espírita 1861. (PDF) Brasília: FEB, 2008.

KARDEC, A. Revista Espírita 1862. Araras (SP): IDE, 1993.

KARDEC, A. Revista Espírita 1862. (PDF) Brasília: FEB, 2008.

KARDEC, A. Revista Espírita 1863. Araras (SP): IDE, 2000.

KARDEC, A. Revista Espírita 1865. Araras (SP): IDE, 2000.

MAIA, J. N. Filosofia Espírita – Volume X. (PDF) Belo Horizonte: Fonte Viva, 1987.




 

     
     

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