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por Cláudio Bueno da Silva

 

Inveja dos jupiterianos!


– Não vai pegar bife, Marcinho? Você precisa comer carne, filho!

Minha mãe me disse isso em tom enfático e todos na mesa olharam para mim. Corei. Tínhamos visita de parentes e nessas ocasiões o almoço era solene, com a mesa longa, toda tomada.

Tentei resistir, afinal havia outras comidas para escolher, mas minha mãe quis dividir sua inconformação com os presentes, e insistiu: “Como pode desprezar um bifinho macio assim? Você está em fase de crescimento, Marcinho!"

Quase morri de vergonha. Os olhares continuavam sobre mim e agora também os risos concordantes com o despropósito de mamãe.

Criou-se uma expectativa e eu, vencido, enquanto me predispunha a escolher o menor dos bifes, reparei que todos já se haviam servido e manuseavam habilmente facas e garfos.

Depois de respirar fundo, pus a carne no meu prato e foi como se alguém tivesse apertado um botão e despausado a conversa que estivera suspensa. O falatório reiniciou de imediato e eu deixei de ser o foco das atenções.

Enquanto mastigava sem pressa, mentalmente ia desculpando mamãe que não fez por mal, pois ela sabia que eu não apreciava carne, embora às vezes comesse. Sua preocupação bem possivelmente era com as “vitaminas” no meu corpo, e quis mostrar aos convivas que conhecia a importância disso. O que talvez ainda não soubesse era que ultimamente se tornara difícil para mim deglutir aquilo que eu sabia ter sido esfolado de um animal morto.

Dar cabo daquele pedaço de carne foi uma das coisas mais tristes que enfrentei na infância. Não sei se as falas de mamãe tiveram alguma influência no meu psicológico, fato é que comecei a sentir náuseas e lutei bravamente para que ninguém percebesse. Acho que estava começando ali o meu processo de rejeição à carne animal, de que me orgulharia para sempre.

Mais tarde eu conheceria o Espiritismo, e a amplitude da sua filosofia me faria refletir sobre o assunto me deixando bastante satisfeito com aquela “decisão” madura da minha adolescência.

Allan Kardec e os Espíritos não trataram objetivamente da alimentação humana com carne animal. Esse tema não fazia parte das preocupações da época, ainda ignorante das contribuições que a ciência mais tarde traria sobre a vida animal. Hábitos e costumes precisando de renovação, o mundo de 1850 estava por se desenvolver econômica e materialmente para a explosão demográfica que ocorreria no planeta.

Passado o tempo, sabemos hoje da importância decisiva que o reino animal tem na vida planetária, e atingimos a exaustão com a industrialização egoísta e impiedosa da Vida, de tudo. O homem já não mata animais para prover à fome (se é que um dia o fez), e sim para ganhar muito dinheiro.

O Espiritismo tratou competentemente das questões morais profundas que envolvem toda a vida na Terra, e as ações dos homens para com os animais estão subentendidas perfeitamente em bases solidárias e de cumprimento às leis de Deus.

O Espírito Bernard Palissy, que diz habitar Júpiter, faz na Revista Espírita, abril de 1858, uma descrição sobre as condições gerais daquele planeta, em tudo superiores às da Terra: o estado físico do globo, dos animais, o estado moral dos habitantes. Sobre a questão proposta por Allan Kardec: “Qual a base da alimentação dos habitantes? É animal e vegetal como aqui?”, o Espírito Bernard Palissy revela: “Puramente vegetal. O homem é o protetor dos animais”.

Nós da Terra agiremos assim, um dia. Por enquanto, é quase impossível não sentir uma invejazinha dos jupiterianos!

 

Saiba mais em:

Allan Kardec, Revista Espírita, 1864, março, “Da perfeição dos seres criados”.

Allan Kardec, Revista Espírita, 1865, abril, “Destruição recíproca dos seres vivos”.

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita