Joias da poesia
contemporânea

Autor: Augusto dos Anjos

 

Alma escrava


“Por que, meu Deus, a carne inda me prende,

Por que me arrasto como um triste duende,

Em miserabilíssimos despojos?”

Era o ser encarnado que falava,

Amarguradas queixas da alma escrava,

No mais horrendo dos martirológios.

 

Como pude descer nos labirintos,

Onde os lobos vorazes dos instintos

Nos consomem nos dentes esfaimados;

E por que, idealizando puros gozos,

Busco na carne abismo tenebrosos,

Abominando todos os pecados?“

 

“Sou no mundo um fantasma solitário,

Só porque, um dia, um espermatozoário

Uniu-se, ansioso, ao óvulo fecundo.

E emergindo das ânsias e dos partos,

Suguei, unindo a boca a uns seios fartos,

Substâncias misérrimas do mundo...”

 

“Desde esse dia tormentoso e aflito

De intensa dor, envergo o sambenito

De matérias iguais aos polipeiros,

Entre as disposições hereditárias,

Chorando as mesmas dores milenárias

Dos que gemeram nesses cativeiros!”

 

Nada, contudo, lhe respondeu, de perto...

A alma, porém, sozinha, no deserto,

Viu sobre o mundo um monte de destroços;

Sentiu, no além, a vida verdadeira,

Mas contemplando, pela Terra inteira,

A carne infame, chocalhando os ossos!...

 

Do livro Lira Imortal, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita