Especial

por Antonio Cesar Perri de Carvalho

Atualidade do pensamento de  Emmanuel

A convite da Federação Espírita do Estado do Espírito Santo desenvolvemos uma palestra virtual sobre o tema “Atualidade do pensamento de Emmanuel”, embora selecionando os fatos em função do limite de tempo para a apresentação. Isso nos motivou a escrever, pelo menos sinteticamente, sobre alguns dos textos destacados.

O contato com as obras psicográficas de Chico Xavier e com o próprio médium sempre provocou uma claro interesse pelos livros da lavra de Emmanuel.(1)

Com o objetivo de estabelecer um recorte, selecionamos principalmente as primeiras obras de autoria de Emmanuel.

De início, as informações relacionadas com o próprio autor espiritual, na condição de reencarnações vividas como personagens de seus romances históricos. Vários episódios relatados em Há dois mil anos (editado em 1939) e a identificação do senador Públio Lêntulus já foram detectados em registros históricos. (1) Da mesma forma temos contato com estudioso que pesquisou personagens, locais e tradições expressas no romance Renúncia (editado em 1942). São tantos detalhes hoje conhecidos após pesquisas in loco e em bibliografia especializada que um jovem médium inculto não teria acesso nas décadas 1930-40.

Antes desses romances, quando o médium contava 27 anos e residindo na pequenina Pedro Leopoldo (MG) o autor completou seu primeiro livro – Emmanuel -, em 1937, publicado no ano seguinte (2); aborda análises mais vinculadas a questões sociais, políticas e religiosas.

De Emmanuel, destacamos alguns os trechos, como do item “Ditaduras e problemas econômicos”: “Os governos fortes, fatores da decadência espiritual dos povos, que guardavam consigo a vanguarda evolutiva do mundo, não podem trazer solução satisfatória aos problemas profundos que vos interessam”; no item “Sentença de destruição”: “Comunismo e fascismo, nas suas oposições ideológicas, só poderão apressá-la.” (2)

Quando Chico Xavier psicografou esse livro era a época de ditaduras no Brasil, Portugal, Espanha, Alemanha e União Soviética, e, sobre esses dois últimos houve especificamente a referência ao nazismo e comunismo. Eram momentos prévios à 2ª Guerra Mundial, quando ocorreriam massacres em massa. Hoje se sabe que aconteceram principalmente nos locais dominados pelas citadas ideologias. Portanto, foram registros e afirmações extremamente corajosos, independentes e prenunciadores de graves crises que seriam equacionadas, desvendadas e até desmontadas tempos depois.

Os comentários do Autor Espiritual sobre “Medicina espiritual” foram registrados em épocas do final da vida de Freud e início dos estudos de Jung. Apenas nas décadas seguintes ficou bem evidenciada a chamada medicina psicossomática e até mesmo os livros que vieram a ser escritos pelo espírito André Luiz. Eis um trecho do livro Emmanuel: “A saúde humana nunca será o produto de comprimidos, de anestésicos, de soros, de alimentação artificialíssima. O homem terá de voltar os olhos para a terapêutica natural, que reside em si mesmo, na sua personalidade e no seu meio ambiente. Há necessidade, nos tempos atuais, de se extinguirem os absurdos da ‘fisiologia dirigida’.” (2)

Já no final dessa obra, no capítulo “Educação evangélica” há uma visão sobre as reformas sociais que difere do calor político e de uma forma de idealismo político que predominava na época: “Todas as reformas sociais, necessárias em vossos tempos de indecisão espiritual, têm de processar-se sobre a base do Evangelho. Como? – podereis objetar-nos. Pela educação, replicaremos. O plano pedagógico que implica esse grandioso problema tem de partir ainda do simples para o complexo. Ele abrange atividades multiformes e imensas,...” (2)

Mas, nessa resposta, Emmanuel emprega a expressão “plano pedagógico” e o interessante que ela somente veio a se tornar mais comumente proposta e utilizada algumas décadas depois. Em nosso país, apenas após a Constituição da República de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, é que a proposta de “projeto pedagógico” se tornou mais difundida.(1)

Logo depois da obra pioneira, surgiu O consolador,  em que o espírito Emmanuel responde a centenas de perguntas relacionadas com várias áreas do conhecimento. Detalhe histórico e para se valorizar posições inéditas, lembramos que essa obra foi editada em 1940. (3)

Pontuamos apenas algumas questões sobre temas diversos que permanecem atuais. Na questão 73: “A humanidade terrestre é idêntica a doutros orbes? - Nas expressões físicas, semelhante analogia é impossível, em face das leis substanciais que regem cada plano evolutivo; mas, procuremos entender por humanidade a família espiritual de todas as criaturas de Deus que povoam o Universo e, examinada a questão sob esse prisma, veremos a comunidade terrestre identificada com a coletividade universal”; depois, na questão 74: “O homem científico poderá encarar com êxito as possibilidades de uma viagem interplanetária? - Pelo menos, enquanto perdurar a sua atitude de confusão, de egoísmo e rebeldia, a humanidade terrestre são deve alimentar qualquer projeto de viagem interplanetária.” (3) O homem somente pisou na Lua trinta anos depois da redação desse livro, em julho de 1969, e as sondas espaciais se aperfeiçoaram e nesses últimos anos cumprem missões em Marte. Mas, ainda parece estarmos muito distantes da possibilidade de uma viagem interplanetária.

O assunto sobre a relação das doenças com o psiquismo e componentes espirituais, já inicialmente tratados em Emmanuel, reaparecem, por exemplo, na questão 96: “Toda moléstia do corpo tem ascendentes espirituais? - As chagas da alma se manifestam através do envoltório humano. O corpo doente reflete o panorama interior do espírito enfermo. A patogenia é um conjunto de inferioridades do aparelho psíquico. E é ainda na alma que reside a fonte primária de todos os recursos medicamentosos definitivos. A assistência farmacêutica do mundo não pode remover as causas transcendentes do caráter mórbido dos indivíduos. O remédio eficaz está na ação do próprio espírito enfermiço.” (3)

Algumas décadas depois da edição do livro citado é que surgiram os esforços que vieram a redundar na criação Associação Médico-Espírita, aliás com inspiração e apoio de Chico Xavier, de início a nível do Estado de São Paulo, depois do Brasil e Internacional. Simultaneamente, profissionais da área da saúde, vinculados a universidades de várias partes do mundo estão se dedicando a essa linha de pesquisa.

Tema presente na Sociologia clássica, a relação entre lar, família e sociedade, aparece na questão 110: “Qual a melhor escola de preparação das almas reencarnadas, na Terra? - A melhor escola ainda é o lar, onde a criatura deve receber as bases do sentimento e do caráter. Os estabelecimentos de ensino, propriamente do mundo, podem instruir, mas só o instituto da família pode educar. É por essa razão que a universidade poderá fazer o cidadão, mas somente o lar pode edificar o homem.” (3)

Aliás, a frase “a melhor escola ainda é o lar”, foi o slogan de campanha encetada pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo em 1980. Foi predecessora e abriu caminho para a Campanha Viver em Família, que a USE-SP levou ao Conselho Federativo Nacional da FEB; foi aprovada em novembro de 1993, implantada no ano seguinte e com desdobramentos até nossos dias. (1), (4)

Relacionado com temas políticos e com a macro-economia muito comuns nos idealismos que vicejavam nos anos 1930, contexto em que o livro foi elaborado, mas presente nas discussões políticas até nossos dias, há marcante opinião do Autor Espiritual na questão 114: “A economia deve ser dirigida? - No que se refere à técnica de produção, à necessidade da repartição e aos processos de consumo, é mais que justa a direção da economia; porém, nesse sentido, todo excesso político que prejudique a harmonia na lei das trocas, de que o progresso depende inteiramente, é um erro condenável, com graves conseqüências para toda a estrutura do organismo coletivo. Tais excessos deram causa aos sistemas autárquicos de governos, da atualidade, onde parecem todos os ideais de justiça econômica e de fraternidade, em virtude dos erros de visão do mau nacionalismo. A vida depende de trocas incessantes e toda restrição a esses elevados princípios de harmonia é uma passagem para a destruição revolucionária, onde se invertem todos os valores da vida. Que a economia seja dirigida, mas que as paixões políticas não penetrem os seus domínios de equilíbrios e reciprocidade, porquanto, na sua influência nefasta, o “bastar-se a si mesmo” é a ideologia sinistra da ambição e do egoísmo, onde o fermento da guerra encontra o clima apropriado para as suas manifestações de violência e extermínio.” (3)

Essa resposta de Emmanuel oferece vastos subsídios para reflexões em nossos dias.

O livro O consolador foi editado em período de conservadorismo, com predomínio de exclusivismos e preconceitos em alguns ambientes religiosos. Por isso é significativa a questão 297: “Considerando que a convenção social confere aos sacerdotes das seitas cristãs certas prerrogativas na realização de determinados acontecimentos da vida, como interpretar as palavras de Mateus: “Tudo o que ligardes na Terra, será ligado no Céu”, se os sacerdotes, tantas vezes, não se mostram dignos de falar no mundo em nome de Deus? - Faz-se indispensável observar que as palavras do Cristo foram dirigidas aos apóstolos e que a missão de seus companheiros não era restrita ao ambiente das tribos de Israel, tendo a sua divina continuação além das próprias atividades terrestres. Até hoje, os discípulos diretos do Senhor têm a sua tarefa sagrada, em cooperação com o Mestre Divino, junto da Humanidade – a Israel mística dos seus ensinamentos. Os méritos dos apóstolos de modo algum poderiam ser automaticamente transferidos aos sacerdotes degenerados pelos interesses políticos e financeiros de determinados grupos terrestres, depreendendo-se daí que a Igreja Romana, a que mais tem abusado desses conceitos, uma vez mais desviou o sentido da lição do Cristo. Importa, porém lembrarmos neste particular a promessa de Jesus, de que estaria sempre entre aqueles que se reunisse sinceramente em seu nome. Nessas circunstâncias, os discípulos leais devem manter-se em plano superior ao do convencionalismo terrestre, agindo com a própria consciência e com a melhor compreensão de responsabilidade, em todos os climas do mundo, porquanto, desse modo, desde que desenvolvam atuação no bem, pelo bem e para o bem, em nome do Senhor, terão seu atos evangélicos tocados pela luz sacrossanta das sanções divinas.” (3)

Naquela época, quem poderia imaginar as transformações que se iniciaram com o chamado Concílio Vaticano II, convocado pelo papa João XXIII? Atualmente, superando até os limites definidos pelo ecumenismo decorrente desse Concílio, contamos com eventos designados interreligiosos, estabelecendo-se diálogo mais amplos e respeitosos com as mais diferentes vertentes religiosas.

Em 1948, Emmanuel escreve e encaminha para os participantes do inédito 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (São Paulo, outubro/novembro de 1948) a primeira mensagem sobre o tema unificação, intitulada “Em nome do Evangelho” (1): “[...] formulamos votos ardentes para que orientem no Evangelho quaisquer princípios de unificação, em torno dos quais entrelaçam esperanças” e à frente incita: “[...] que os irmãos do Brasil se compenetrem, cada vez mais, do espírito de serviço e renunciação, de solidariedade e bondade pura que Jesus nos legou.” (5) Interessante que situa a essência do texto ao contexto: “O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora” e sugere: “unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação, para que todos sejamos um, em sintonia sublime com os desígnios do Supremo Senhor.” (5)

As colocações de Emmanuel sobre união dos espíritas devem inspirar profundas reflexões e até avaliações sobre os rumos da unificação em nosso país. (1), (5)

No ano de 1950, Emmanuel escreve em mensagem avulsa: “O Centro de Espiritismo Evangélico, por mais humilde, é sempre santuário de renovação mental em direção da vida superior. [...] Um Centro Espírita é uma escola onde podemos aprender e ensinar, plantar o bem e recolher-lhe as graças, aprimorar-nos e aperfeiçoar os outros, na senda eterna.” (4) Em nossos dias podemos afirmar que há necessidade de se refletir sobre o sentido de escola expresso pelo Autor Espiritual, bem diferente a escola formal e que tem a ver com o conceito de “renovação mental”. Assuntos para serem mais analisados no meio espírita. (1), (4)

Para completar alguns destaques de livros e temas abordados por Emmanuel nas primeiras décadas da psicografia de Chico Xavier, focalizamos um trecho de A caminho da luz. (6) Essa obra de Emmanuel teve a elaboração concluída em 1938, portanto anterior ao início da 2ª Guerra Mundial e de um período de muitas paixões políticas e de regimes ditatoriais, como já assinalamos anteriormente. 

No capítulo “O evangelho e o futuro” da obra citada, Emmanuel tem uma incisiva afirmação: “A realidade é que a civilização ocidental não chegou a se cristianizar” e, mais à frente comenta: “[...] o palco das civilizações foi modificado, sofrendo profundas renovações nos seus cenários, mas os atores são os mesmos, caminhando, nas lutas purificadoras, para a perfeição d’Aquele que é a Luz do princípio. [...] é chegado o tempo de um reajustamento de todos os valores humanos. Se as dolorosas expiações coletivas preludiam a época dos últimos ‘ais’ do Apocalipse, a espiritualidade tem de penetrar as realizações do homem físico, conduzindo-as para o bem de toda a Humanidade.” (6)

Em seguida Emmanuel repete conclamações de Jesus: "’Bem-aventurados os pobres, porque o reino de Deus lhes pertence! Bem-aventurados os que têm fome de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os aflitos, porque chegará o dia da consolação! Bem-aventurados os pacíficos, porque irão a Deus!’ Sim, porque depois da treva surgirá uma nova aurora. Luzes consoladoras envolverão todo o orbe regenerado no batismo do sofrimento. O homem espiritual estará unido ao homem físico para a sua marcha gloriosa no Ilimitado, e o Espiritismo terá retirado dos seus escombros materiais a alma divina das religiões, que os homens perverteram, ligando-as no abraço acolhedor do Cristianismo restaurado.” (6)

Após o lançamento de A caminho da luz, o mundo viveu os horrores da 2ª  Guerra Mundial; várias outras guerras e revoluções mais localizadas; o delicado período da chamada “guerra fria”; riscos nucleares; várias expressões de terrorrismo; a epidemia de poliomielite (paralisia infantil); eclosão da AIDS, do ebola, várias doenças tropicais, epidemias gripais; choques políticos e sociais em várias regiões; mais recentemente, a tragédia sanitária provocada pela pandemia da Covid-19.

Realçamos a independência, coragem e lucidez como o espírito Emmanuel escreveu sobre temas delicados e prenunciadores de várias situações mundiais e bem no início do labor psicográfico de Chico Xavier.

E em meio a tantos “ais”, o “abraço acolhedor do Cristianismo restaurado” poderá ser razão de acolhimento, consolo e orientação para o homem aflito de nossos dias.

 

Referências:

1)  Carvalho, Antonio Cesar Perri. EmmanuelTrajetória espiritual e atuação com Chico Xavier. 1.ed. Matão: O Clarim. 2020. 208p.

2)  Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Emmanuel. 27.ed. Rio de Janeiro: FEB. 2008. 246p.

3)  Xavier, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. O consolador.  29.ed. Questão 264. Brasília: FEB. 2013.

4)  Carvalho, Antonio Cesar Perri. Centro espírita. Prática espírita e cristã. 1.ed. São Paulo: USE. 2016. 196p.

5)  Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? 1.ed. Capivari: EME. 2018. 142p.

6)  Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. A caminho da luz. 38.ed. Cap.XXV. Brasília: FEB. 2013.

 

O autor foi presidente da USE-SP e da FEB e membro da Comissão Executiva do CEI.

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita