Entrevista

por Orson Peter Carrara

Charles Richet e Anna Prado: um nome da ciência e outro da mediunidade

Natural de Sítio Tipi – Aurora (CE) e atualmente residente em Brasília (DF), Samuel Nunes Magalhães (foto), contador, com formação em MBA Formação Geral e Desenvolvimento de Executivos em Administração – FIA/USP, é bancário aposentado. Ativo participante da Federação Espírita Brasileira, colabora ali na Área de Memória e na Área de Assistência Social. É também sócio efetivo da FEB. Na presente entrevista ele nos fala, entre outros assuntos, sobre suas pesquisas históricas referentes ao fisiologista Charles Richet e à médium Anna Prado.

Como se tornou espírita? 

Desde os meus sete anos de idade, e com relativa frequência, via e ouvia os Espíritos. Durante a adolescência, em função de grave obsessão, e sem qualquer orientação acerca da mediunidade, passei por várias internações psiquiátricas em Fortaleza (CE). Dez anos após a primeira internação, para minha alegria e felicidade, conheci o Espiritismo. O primeiro livro que li – o fiz em um dia – foi O Evangelho Segundo o Espiritismo, no início da década de 1980. A partir de então, restabelecido o meu equilíbrio – o que ocorreu de imediato –, permaneço nos trabalhos da nossa muito amada e abençoada Doutrina Espírita.

E de onde vem o interesse pela pesquisa histórica?

De minha parte, nunca pensara em percorrer tais caminhos, até receber o convite para participar da obra Bezerra de Menezes, fatos e documentos, organizada pelo meu querido amigo e irmão Luciano Pinheiro Klein Filho, pesquisador e historiógrafo cearense, autor de Vianna de Carvalho, o tribuno de Icó, publicado pela editora Lachâtre. O livro do qual participei, em memória ao centenário de desencarnação de Bezerra de Menezes, viria a lume também pela Lachâtre, em 2000. Depois, ainda sob o incentivo do Luciano Klein, encetamos algumas pesquisas, origem de vários artigos e livros sobre a História do Espiritismo.

O senhor é autor de dois livros importantes publicados pela FEB na área da pesquisa histórica. Um sobre Anna Prado e outro sobre Charles Richet.  Por que esses dois personagens específicos?

Quando pesquisava sobre a História do Espiritismo no Amazonas – morei ali por quatro anos – encontrei um exemplar da publicação Fastígio e Sensibilidade do Amazonas de Ontemo mundo alado de Richet, de Genesino Braga. Curioso, resolvi verificar se tinha alguma relação com Charles Richet, o ilustre fisiologista parisiense, famoso instigador dos fenômenos espíritas, e pai da Metapsíquica. Charles Richet, escrevera o jornalista nortista, visitara o Brasil, demorando-se, em especial, no Amazonas, em fins de 1908 e começo de 1909. Essa descoberta, insabida pelos espíritas, naquele momento, ensejou a nossa pesquisa a respeito do grande sábio carolíngio, e daí brotou o livro Charles Richet, o Apóstolo da Ciência e o Espiritismo.

Quanto ao trabalho sobre Anna Prado, a notável médium amazonense, nasceu de uma sugestão do Luciano Klein. A Biblioteca Pública do Amazonas, à qual íamos toda semana, foi o marco zero dessas nossas buscas. Depois, a fim obtermos mais de seus dados pessoais, fomos à Cúria de Manaus, à Cúria, aos Cartórios e ao Arquivo Público de Parintins (AM); viajamos a Belém (PA), visitando o seu mais antigo cemitério, e a Biblioteca da Universidade Federal, e, por fim, o Rio de Janeiro (RJ), quando pudemos, mercê da gentileza da Sra. Marta Prochnik, manusear o acervo do seu avô Frederico Figner, recolhendo preciosas fotografias da família, e uma luva em parafina, deixada pelo Espírito de Rachel Figner, materializada nas sessões de Anna Prado. Todo esse material e uma foto do artefato em parafina fazem parte do Anna Prado, a mulher que falava com os mortos.

Resuma os fatos com Anna Prado.

A busca de informações sobre Anna Prado, devido à escassez de acervos, embora tivéssemos à disposição o excelente trabalho de Raymundo Nogueira de Faria, O Trabalho dos Mortos, que lhe testifica os fatos mediúnicos, estendeu-se por quase um decênio. A maior dificuldade enfrentada foi, sem dúvida, encontrar referências biográficas de Anna Prado. As obras de Nogueira de Faria – O Trabalho dos Mortos e Renascença da Alma –, centrados nos fenômenos que ela protagonizou, não se ocupou desses detalhes; inclusive, o seu nome completo não consta em nenhuma dessas obras, bem assim os nomes e profissões dos seus filhos, o seu local de nascimento, e, é claro, a sua certidão de óbito, visto que ela desencarnou depois das suas publicações. Depois de pronto o livro, prova de que é parcial qualquer pesquisa histórico-biográfica, encontramos uma neta de Anna Prado, no Rio de Janeiro (RJ). A Sra. Dileia Prado, com muita fidalguia, esteve conosco no lançamento em Manaus (AM), e nos fornece precisos documentos e fotos da família Rebello Prado, que devem ser enfeixados numa próxima edição, achando-se quase esgotadas as primeiras tiragens, num total de seis mil exemplares. Além de atas das sessões contidas nas obras de Nogueira de Faria, o livro traz várias outras, recolhidas em nossas pesquisas, algumas pelo obséquio do saudoso escritor e tarefeiro espírita Nazareno Tourinho.

E também fale-nos sobre Charles Richet.

Na pesquisa sobre Charles Richet, realizada no curso de quatro anos, contamos com a prestimosa ajuda de Eduardo Carvalho Monteiro e Zêus Wantuil. O livro compõe-se de duas partes: As múltiplas facetas de um gênio e Da esperança à certeza na imortalidade, onde abordamos o perfil do célebre gênio francês e as suas investigações sobre os fenômenos espíritas. Há poucos anos, localizamos e mantivemos contato, por e-mail, com o mais velho dos netos de Charles Richet, o Sr. Gabriel Richet, também médico, e professor da Sorbonne. Gabriel conheceu muito bem Richet, pois quando o avô desencarnou, contava dezenove anos. Disse-me, em certa ocasião, que o nosso livro – o melhor trabalho já escrito sobre o nobre cientista, em sua opinião –, está depositado na Biblioteca da Universidade de Paris, e que, a seu pedido, um amigo português o lera para ele, Gabriel. Esgotado em sua 4ª edição, estamos fazendo alguns poucos acréscimos – imagens, algumas traduções e o contato com Gabriel Richet, – para uma próxima edição, já ajustada com a FEB Editora.

É possível estabelecer uma conexão entre as vidas desses personagens?

Anna Prado foi a única médium brasileira a participar do que se costuma chamar de Período das investigações científicas do Espiritismo. Pelo inusitado dos fenômenos que produziu a sua admirável mediunidade, teve seu nome e feitos veiculados em vários periódicos estrangeiros, como a revista do Instituto Internacional de Metapsíquica, do qual um dos fundadores foi Charles Richet. Sobre os seus fenômenos, além do posto nos periódicos, Gabriel Delanne dedicou particular destaque em seu valioso estudo A Reencarnação.

E o que lhe chama mais atenção, nos dois casos?

Em Charles Richet, o seu rigor científico, e o ter colocado os fenômenos espíritas na mesa da Academia de Ciências.

Em Anna Prado, o ter produzido fenômenos exclusivos com a sua mediunidade, como a germinação de sementes de eucalipto, em vinte minutos, pela atuação de um espírito materializado, e outros fatos mediúnicos extraordinários. Suas faculdades psíquicas, cremos, foram insuperáveis em muitos aspectos. Ombreia-se, sem nenhum favor, com sensitivos do porte de Eusápia Paladino, Linda Gazera, Florence Cook, Daniel D. Home...

No levantamento de dados de ambas as biografias, o que sobressai?

A dificuldade de encontrar informações. É preciso garimpar, não ter pressa, mas urgência. Muitos, ao invés de dar-se à pesquisa, ficam repetindo os inúmeros erros da Internet. É lamentável o pouco cuidado que ainda hoje se tem com a Memória Histórica do Espiritismo.

No caso de Anna Prado, o que é mais marcante?

Além da sua excepcional mediunidade, a sua luta pessoal. Apesar do apoio do marido, familiares e amigos, sofreu muitos achaques e injúrias, ao desafiar a sociedade num tempo em que a mulher quase nenhum espaço desfrutava fora dos afazeres domésticos, além do enorme preconceito para com o Espiritismo.

E em Richet?

Charles Richet, além de muitíssimo inteligente, era uma alma altruísta, um Homem de Bem. Em sua desencarnação, diz Humberto de Campos, pelas mãos de Chico Xavier, Charles Richet foi recepcionado por Léon Denis, Gabriel Delanne e Camille Flammarion, falando-lhe, com imenso amor, em seu desenlace, a voz do próprio Cristo.

Algo mais que gostaria de acrescentar?

O trabalho de almas como Charles Richet e Anna Prado, hoje, tão esquecidos, são testemunhos vivos da realidade dos fenômenos espíritas, e provas rotundas da existência e sobrevivência da alma. Devemos beber dessa fonte fecunda, e fortalecer a nossa fé em Deus. Esses trabalhos, mais que outros, em questão de provas cabais, vêm nos dizer que a Alma é Imortal, e justificar todo nosso esforço para o Sede Perfeitos, do Evangelho de Jesus.

Suas palavras finais.

Desejamos a realização do pleno resgate e preservação da História do Espiritismo. E que disso façamos bom uso, deixando de lado as questiúnculas, que só nos atrasam a marcha ascensional, para fazermos jus ao valioso legado dos seareiros da hora primeira, em verdade, galardão antecipado àqueles que se atiram à labuta espiritual na aridez do mundo, erguendo bem alto o divino pendão da Terceira Revelação: Fora da caridade não há salvação.


 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita