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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

Transmutando tolerância em caridade


Vivemos uma era galopante, ciclópica, na qual as mudanças de paradigmas, de hábitos, de visões, se fazem mais rápido do que o tempo que a moça ajeitava o balaio, quando sentia que o balaio ia escorregar. Um tempo que se faz veloz, mas também interconectado, transparente, no qual o mundo e seus fenômenos cabem no nosso bolso, mas exatamente em um smartphone, e lutamos para processar tudo o que ocorre na esfera terrestre, oferecido por vários guichês, todos querendo a nossa atenção.

Esse mundo pequeno e próximo desnuda diferenças, opiniões, posicionamentos. Os hábitos, antes aprisionados nas culturas e nas fronteiras, são jogados em uma arena de questionamentos e de contestação, na qual a ampliação do exercício coletivo nos convida a mais tolerância e entendimento do outro. Um convite à empatia, na regra evangélica do fazer ao próximo o que se deseja para nós, como um limite universal.

Esse mundo plural e dinâmico nos convida à tolerância, como regra para superar os conflitos e conviver em sociedade, na busca de uma possível harmonia. Mas a tolerância é uma palavra que indica falta de opção, dever imposto, cabendo a nós avançar em uma outra dimensão desse convívio, permeado de respeito, paciência, perdão. Enfim, a caridade para com o próximo, a despeito de suas características.

Só a caridade no seu sentido sublime, dado pelo Cap. XV de O Evangelho segundo o Espiritismo, tem o potencial de anular o preconceito, a xenofobia, o bullying, os atritos de toda a ordem causados pela diferença agora mais agudamente percebida. Só a caridade tem o condão de despolarizar um mundo aprisionado em extremos, que sufoca o diálogo e faz, de nossos objetivos diários, alimentar e assistir a “tretas”, e “lacradas” nas redes sociais, distantes do equilíbrio entre dissensos e consensos necessários para que as coisas sejam construídas no mundo concreto. O ódio nada constrói.

Sair dessa armadilha é imperioso. Esse ambiente dinâmico no qual a realidade global se descortina a cada segundo nos coloca fragilizados, nos invoca o medo, que nos põe na defensiva, e daí atacamos, presos a sentimentos primitivos. O espanto com a realidade gera a banalização da violência, pela reação em palavras, sem gestos, por meio de notas de repúdio ou dos famosos “textões” nas redes sociais. Um mundo novo que nos convida a um equilíbrio diferente, que se dará com mais do que tolerar o que não se concorda, mas, sim, pela adoção do amor que integra e que compreende, respeitando cada um como filho de Deus que é, em seu grau de percepção e maturidade, oriundo de sua trajetória como Espírito.

Kardec traz, no mesmo Cap. XV, que a máxima do Espiritismo é “Fora da caridade não há salvação”, de um sentido não excludente, pois o amor é possível de ser alcançado por todos. Uma evolução espiritual calcada na verdade, ou em uma denominação religiosa, é fonte de lutas pela hegemonia e consequentemente de conflitos, como se viu com o próprio Cristianismo, nos tristes episódios das cruzadas e da inquisição, ou na tragédia da morte da pensadora Hipátia, na Alexandria em 415 d.C., uma mártir desse desamor que não compreende.

Para transitar nesse mundo complexo e em rápida ebulição, precisamos mais do que a timidez do tolerar. Faz-se necessário um sentimento mais nobre, mais poderoso, que vença essas nuvens de ódio que nascem no mundo virtual, e que, vez ou outra, se precipitam em chuvas de linchamentos reais e agressões físicas. Somente o amor nos permitirá, como civilização encarnada, construir uma empatia que enxergue em cada um o Espírito encarnado, na sua luta para evoluir da melhor maneira possível, precisando sempre de nossa mão amiga. Um mundo onde todos se deem as mãos.




 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita