Especial

por Ricardo Baesso de Oliveira

O belo na forma humana: considerações espíritas

Algumas questões relacionadas aos conceitos de beleza, considerando especificamente a forma humana, eventualmente, são colocadas em nossos estudos espíritas: existe um padrão universal de beleza, como existe um padrão ético universal? Há relações entre o belo e o desenvolvimento intelecto-moral? Até que ponto beleza e fealdade são provas escolhidas pelos Espíritos em via de reencarnar? São alguns pontos que colocamos em discussão neste texto.

Padrão universal de beleza

Os psicológos evolucionários afirmam que existe um padrão universal de beleza, definido nos primórdios da evolução humana, através da seleção natural e da seleção sexual, e que são invariáveis no tempo e no espaço, ou seja, surgiram com o homem e se manifestam em qualquer lugar do mundo. (1)

Obviamente, não podemos desconsiderar outros fatores, como fatores pessoais e culturais. Mantém-se a ideia, já defendida em 1757 pelo filósofo David Hume, de que a beleza está nos olhos de quem contempla e, portanto, deverá consistir numa experiência subjetiva, aprendida e cultural. Quem ama o feio bonito lhe parece, afirma o dito popular.

Tornou-se célebre o comentário do cacique de uma tribo no Parque Indígena do Xingu, quando a comunidade recebeu a visita da modelo Gisele Bündchen em 2006. Indagado por um repórter quanto à beleza da modelo brasileira, ele se manifestou:

- Magra demais! Índio nenhum aqui ia querer se casar com ela.

Além dos fatores pessoais e culturais, que são indiscutivelmente importantes, os psicológos evolucionistas esclarecem que  a ciência psicológica tem identificado alguma transversalidade nas características físicas que influenciam a percepção de atratividade. Três dessas principais características são a simetria, a mediania (grau de semelhança com as proporções faciais médias da população geral) e o dimorfismo sexual (presença de características faciais que tipicamente distinguem os indivíduos do sexo masculino dos do sexo feminino).

Espera-se que os indivíduos selecionem parceiros de longo prazo com indicadores de fertilidade e saúde (juventude, beleza, relação cintura e quadril). Beleza retrata aparência saudável. Nossa existência como espécie depende disso. Agradam à nossa mente sinais que induzam padrões de juventude, sáude e fertilidade, pois do ponto de vista evolutivo só uma coisa importa: sobreviver. Para a sobrevivência da espécie precisamos identificar os melhores parceiros. Aparência indica qualidade reprodutiva. Beleza é sinal de fertilidade e qualidade genética.

Simetria, auência de deformidades, limpeza, pele sem manchas, olhos límpidos, dentes intactos são atraentes em todas as culturas. Ortodontistas descobriram que um rosto bonito tem dentes e mandíbulas no alinhamento ótimo para a mastigação. Uma cabeleira exuberante sempre agrada, provavelmente porque indica não só uma boa saúde no presente, mas também um histórico de boa saúde nos anos anteriores. Um sinal mais sútil de bons genes é estar na média em termos do tamanho e forma de cada parte do rosto. A geometria da beleza foi outrora um indicador de juventude, saúde e inexistência prévia de gravidez. Nossa mente evoluiu neste contexto e ainda possui detectores de saúde através da beleza, embora muita coisa tenha mudado.

Bebês de três meses preferem olhar para um rosto bonito, e diante dele sorriem mais e fixam o olhar por mais tempo. Isso corrobora fortemente um conceito de beleza inato na espécie humana. (2)

E o Espiritismo? Manifesta-se a respeito? Não encontramos na pesquisa que realizamos para este texto nenhuma abordagem direcionada e ampla sobre o tema, no entanto as considerações que André Luiz apresenta, quando examina o planejamento reencarnatório (3), encaminham-nos em direção da teoria de um modelo universal de beleza. André se vale das seguintes expressões: o molde masculino apresentava absoluta harmonia de linhas, qual arte helênica de sabor antigo; o modelo constituía a mais primorosa obra anatômica; semelhava-se aquela figura humana a qualquer coisa divinal; formas irrepreensíveis, quanto às linhas exteriores; moldes exteriores menos graciosos; linhas impecáveis para a forma física; perfeita harmonia física e fealdade corpórea.

Bom e belo se equivalem?

Um estereótipo comum, denominado pela ciência como efeito de Hal (4), representa a nossa tendência para associar tudo o que é belo a tudo o que é bom. Devido a este estereótipo, as pessoas atraentes são habitualmente percebidas como detentoras de uma variedade de caraterísticas de personalidade positivas, mas também como sendo mais competentes e felizes. (5)

A experiência vulgar mostra que isso não é verdade. Indivíduos de bela aparência, muitas vezes, demonstram um mau caráter, enquanto que pessoas não rotuladas como belas demonstram um comportamento ético e compassivo evidentes. Mas, de alguma forma, o desenvolvimento intelecto-moral se retrataria nas expressões físicas do belo e do feio, considerando que o corpo físico é modelado pelo próprio Espírito, quando do processo de regresso à dimensão corpórea?

Kardec aventou essa hipótese em comunicação oral feita na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas em 4 de fevereiro de 1869, embora tais ideias nunca tenham sido publicadas por ele, mas sim postumamente. Segundo o codificador, a perfeição da forma seria a consequência da perfeição do Espírito; donde se pode concluir que o ideal da forma há de ser a que revestem os Espíritos em estado de pureza. E ainda: a beleza real consiste na forma que mais afastada se apresenta da animalidade e que melhor reflete a superioridade intelectual e moral do Espírito, que é o ser principal. Acrescenta também que o tipo da beleza consiste na forma mais própria à expressão das mais altas qualidades morais e intelectuais e que, à medida que o homem se elevar moralmente, seu envoltório se irá avizinhando do ideal da beleza, que é a beleza angélica. (6)

Essa afirmativa encontrou apoio em várias comunicações mediúnicas recebidas na mesma reunião. Em uma delas, uma entidade que se assinou como Pamphile colocou o seguinte:

Ponderastes com acerto que a fonte primária de toda bondade e de toda inteligência é também a fonte de toda beleza. — O amor gera a beleza de todas as coisas, sendo, ele próprio, a perfeição. — O Espírito tem por dever adquirir essa perfeição, que é a sua essência e o seu destino. Ele tem que se aproximar, por seu trabalho, da inteligência soberana e da bondade infinita; tem, pois, também que revestir a forma cada vez mais perfeita, que caracteriza os seres perfeitos.

Manifestou-se, igualmente, o Espírito de Lavater (7), afirmando que a conexão entre o bom e o belo é fato certo e lógico, quando examinado do ponto de vista do Espírito: nos aproximamos cada vez mais da beleza real, à medida que nos elevamos para a perfeição. Escreveu: Belo, realmente belo só é o que o é sempre e para todos; e essa beleza eterna, infinita, é a manifestação divina em seus aspectos incessantemente variados; é Deus em suas obras e nas suas leis! Eis aí a única beleza absoluta. É a harmonia das harmonias e tem direito ao título de absoluta, porque nada de mais belo se pode conceber.

Mas, ao reportar-se à beleza como manifestação da corporeidade, o autor relativiza tal conceito afirmando que a harmonia, mesmo no mal, produz o belo. Há o belo satânico e o belo angélico.

Emmanuel expressa pensamento equivalente: Nem tudo o que é belo é santo. (8)

Concluindo, por ora, podemos aceitar que a condição intelecto-moral do reencarnante possa ter participação nos traços físicos definidos em sua manifestação corpórea, mas muitos outros fatores intervêm na construção do seu corpo, como veremos a seguir.

Beleza e fealdade como provas

Kardec define prova como as vicissitudes da vida corporal, pelas quais os Espíritos se depuram, conforme a maneira por que as suportam. (9) Beleza e fealdade, quando significativas, são consideradas provas porque têm implicações diretas nas experiências vivenciadas pelo Espírito reencarnado. Muitos estudos em Psicologia social têm mostrado que homens e mulheres bonitos se iniciam na vida profissional com salários mais altos, e mulheres bonitas recebem punição menor quanto julgadas por um crime cometido. Homens mais altos avançam mais rapidamente nas empresas que os de baixa estatura.

André Luiz se reporta ao tema ao examinar a dinâmica do retorno do Espírito à dimensão física, relacionando entidades que, na organização dos mapas cromossomiais que definirão sua futura forma, se preocupam com questões relacionadas à aparência física e coloca que os contornos anatômicos da forma física, disformes ou perfeitos, longilíneos ou brevilíneos, belos ou feios, fazem parte dos estatutos educativos. (10)

Segundo André Luiz, vários fatores se somam ao definirem a aparência fisica de um indivíduo. Ao descrever a reencarnação de Segismundo comenta:

[...] os contornos e minúcias anatômicas vão desenvolver-se de acordo com os princípios de equilíbrio e com a lei da hereditariedade. A forma física futura de nosso amigo Segismundo dependerá dos cromossomos paternos e maternos; adicione, porém, a esse fator primordial a influência dos moldes mentais de Raquel, a atuação do próprio interessado, o concurso dos Espíritos Construtores, que agirão como funcionários da natureza divina, invisíveis ao olhar terrestre, o auxilio afetuoso das entidades amigas que visitarão constantemente o reencarnante, nos meses de formação do novo corpo, e poderá fazer uma ideia do que vem a ser o templo físico que ele possuirá. (11)

Assim, didaticamente, podemos relacionar à aparência física do sujeito aos seguintes fatores:

a) Hereditariedade.

Segundo André: A hereditariedade funciona com inalienável domínio sobre todos os seres em evolução. A modelagem fetal e o desenvolvimento do embrião obedecem a leis físicas naturais, qual ocorre na organização de formas em outros reinos da Natureza. O organismo dos nascituros, em sua expressão mais densa, provém do corpo dos pais, que lhes entretêm a vida e lhes criam os caracteres com o próprio sangue.(12)

b) Psiquismo do reencarnante retratando sua condição espiritual e suas necessidades evolutivas mais prementes e o psiquismo da mãe, em íntima ligação com a mente do feto.

Escreve André: A hereditariedade, qual é aceita nos conhecimentos científicos do mundo, tem os seus limites [...] os progenitores fornecem determinados recursos ao Espírito reencarnante, mas esses recursos estão condicionados às necessidades da alma que lhes aproveita a cooperação, porque, no fundo, somos herdeiros de nós mesmos. (13)

Examinando a reencarnação de Júlio, comenta André: Durante a gravidez de Zulmira, a mente de Júlio permanecerá associada à mente materna, influenciando, como é justo, a formação do embrião. Todo o cosmo celular do novo organismo estará impregnado pelas forças do pensamento. Como vemos, na mente reside o comando. A consciência traça o destino, o corpo reflete a alma. Toda agregação de matéria obedece a impulsos do espírito. Nossos pensamentos fabricam as formas de que nos utilizamos na vida. Certos estados íntimos da mulher alcançam, de algum modo, o princípio fetal, marcando-o para a existência inteira. É que o trabalho da maternidade assemelha-se a delicado processo de modelagem, requisitando, por isso, muita cautela e harmonia para que a tarefa seja perfeita. (14)

c) Interferência de Espíritos especializadas no processo reencarnatório.

Comenta André Luiz que grande percentagem de reencarnações na Crosta se processa em moldes padronizados para todos, no campo de manifestações puramente evolutivas. Mas outra percentagem não obedece ao mesmo programa. Elevando-se a alma em cultura, conhecimentos e, consequentemente, em responsabilidade, o processo reencarnacionista individual é mais complexo, fugindo à expressão geral, como é lógico. Em vista disso, as colônias espirituais mais elevadas mantêm serviços especiais para a reencarnação de trabalhadores e missionários.

Lembra ainda que a hereditariedade funciona com inalienável domínio sobre todos os seres em evolução, mas sofre, naturalmente, a influência de todos aqueles que alcançam qualidades superiores ao ambiente geral. Além do mais, quando o interessado em experiências novas no plano da Crosta é merecedor de serviços “intercessórios”, as forças mais elevadas podem imprimir certas modificações à matéria, desde as atividades embriológicas, determinando alterações favoráveis ao trabalho de redenção. (15)

O tema é complexo e pouco material sobre o assunto encontra-se disponível na literatura espírita. Devemos estar abertos para novas considerações, que possam permitir, no futuro, reflexões mais amplas e precisas.

 

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1 Manual da Psicologia Evolucionista, org. por Maria Emília Yamamoto e Jaroslava Varella Valentova

2 Steven Pinker, Como a mente funciona.

3 Missionários da luz, caps 12, 13 e 14

4 O efeito halo é a possibilidade de que a avaliação de um item, produto ou indivíduo possa, sob um algum viés, interferir no julgamento sobre outros importantes fatores, contaminando o resultado geral. Por exemplo, nos processos de avaliação de desempenho o efeito halo é a interferência causada devido à simpatia que o avaliador tem pela pessoa que está sendo avaliada

5 A ciência da beleza humana, Mariana Carrito, em 22/12/19

6 Revista Espírita, agosto de 1869     

7 Johann Kaspar Lavater (1741-1801), além de pastor, foi filósofo, poeta, teólogo e um entusiasta do magnetismo animal na Suíça. É considerado o fundador da fisiognomia, a arte de conhecer a personalidade das pessoas através dos traços fisionômicos. 

8 Pão Nosso, Introdução

9 Instruções práticas sobre as manifestações espíritas, Vocabulário espírita.

10 Missionários da luz, cap. 13

11 Missionários da luz, cap. 13

12 Missionários da luz, cap. 13

13 Entre a Terra e o Céu, cap. 28

14 Entre a Terra e o Céu, cap. 28

15 Missionários da luz, cap. 13.

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita