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por Rogério Miguez

 

Ainda somos seis milhões. E agora?


Em 2010, o IBGE apontava a existência de 3,8 milhões de espíritas, apenas 2%, considerando a população brasileira, naquela época.1

Após estes dados serem divulgados, passado algum tempo, formou-se opinião dentro do movimento espírita que o Brasil já contava com aproximadamente seis milhões de seguidores, e, recentemente, em pesquisa realizada pelo DataFolha, surpreendentemente mais uma vez constatou-se: ainda somos seis milhões de adeptos, ou seja, agora aproximadamente 3% da população brasileira.2

É sobejamente conhecida a posição de Allan Kardec sobre o proselitismo, ele sempre respeitou as crenças alheias com muita nobreza e jamais se preocupou em comparar com outras religiões o número de seguidores da novel Doutrina dos Imortais. Conhecia bem a força dos postulados espíritas, compreendia ser possível a sua rápida disseminação pelo mundo, uma vez que, os ideais doutrinários tinham a clareza, racionalidade, principalmente amor e estavam envolvidos de generosos sentimentos capazes de levá-los a todas as casas, das mais sofisticadas residências às mais simples choupanas.

E o mestre de Lyon estava corretíssimo, Espírito ilustrado, sábio, ponderado, percebeu rapidamente o alcance daqueles princípios cristalinos, leis que tinham sido disseminadas anteriormente, mas de forma diversa e esparsa, às vezes veladas, contudo, agora estavam sendo claramente espalhados pelos Espíritos superiores através de um sólido conjunto de princípios, aos quatros cantos da Terra, tudo sob a égide de Jesus.

O granítico edifício doutrinário estava posto, com as suas fundações muito bem assentadas, preparadas para enfrentar com a razão, a lógica e o amor, os polêmicos e maliciosos pensadores de todos os tempos, preferindo permanecer aferrados aos seus sistemas materialistas eivados de dúvidas, pessimismo e desesperança.

Entretanto, para que as leis divinas pudessem ser disseminadas no seio do povo foi, e, ainda é preciso, a mão dos homens, dos Espíritos medianos, como nós, alguns poucos sabidamente mais sábios, para colocar ao alcance de todos as práticas e conceitos espíritas, conforme o Iluminado de Lyon codificou-os.

Todavia, após a desencarnação de Allan Kardec, a Doutrina logo enfrentou um momento estranho aos seus mais basilares fundamentos e, em poucos anos, aquela onda de otimismo perdeu-se, desorientada por interesses distanciados de sua pureza, entrou em letargia, chegando a propagar ideias que não se encontravam no bojo do Espiritismo. As mãos inescrupulosas de alguns daqueles espíritas aparentemente sinceros, contemporâneos de Allan Kardec, foram suficientes para, pouco a pouco, desnortear o movimento.

Não houve nenhuma opção mais lógica e clara do que mudar o domicílio doutrinário para terras mais promissoras. O Velho Continente não seria mais palco das fervorosas lutas espíritas, e a escolha se deu à uma nação mais ao Sul, não tão acostumada à lógica cartesiana quanto eram os que receberam a Doutrina na sua formação, e assim se fez.

Aos poucos, os ventos doutrinários começaram a soprar forte na Terra Brasiliensis e, gradativamente, com o advento das primeiras obras traduzidas para a língua mater, os grupamentos espíritas começaram a se constituir, dando a impressão de que aqui seria o local ideal para o florescer da verdadeira espiritualidade, sem máculas, ausente de ideias esdrúxulas, desprovida de rituais e qualquer aspecto material em seu culto.

Houve um progresso significativo, médiuns missionários da mais alta capacidade vieram dos planos mais elevados, para aqui se dirigiram, deixando inestimáveis exemplos de conduta e obras literárias, estas, em apoio às fundamentais, e tantas outras pelo Codificador redigidas. Os ensinos primordiais foram expandidos, escritos de forma a que o povo da Terra do Cruzeiro pudesse bem assimilar os conceitos escritos na mais rígida lógica do cartesianismo, como foram apresentados pelo educador e pedagogo Allan Kardec.

Há milhares de casas espíritas atualmente espalhadas pelo país, contudo, estas unidades disseminadoras da Doutrina, tudo indica, na média, não conseguem bem divulgar os postulados espíritas, não obtêm sucesso em tornarem populares as leis divinas, tão bem explicadas pelo Codificador. E por quais razões isto vem acontecendo?

Antes de explorarmos as possíveis razões para esta desconcertante realidade, buscaremos responder se isto não seria preocupação com o proselitismo.

Não, cremos que não, afinal, sejamos razoáveis, a Doutrina chegou ao Brasil há mais de 150 anos. Seria de se esperar após este longo período verificar estatística apontando apenas 3% da população como “seguidores” de Allan Kardec? Escrevemos seguidores entre aspas, pois entre estes tantos respondendo sim - Somos Espíritas! - à pesquisa recentemente conduzida, nós sabemos que muitos sequer leram qualquer obra fundamental espírita, estudar, então, está fora de questão. São apenas acostumados frequentadores de exposições doutrinárias, ávidos para o término delas, de modo que, ao final recebam o cobiçado “prêmio”: um bem aplicado e demorado passe!

E mais, para quem está acostumado a frequentar casas espíritas já percebeu faz tempo: muitos frequentadores apresentam as cabeças encanecidas, indicando que o movimento está envelhecendo sem claros sinais de que está havendo uma substituição destes idosos por novas gerações de jovens espíritas. Sendo assim, a preocupação com a quantidade de espíritas é mais do que válida, pois ainda somos poucos diante dos significativos esforços envidados pela espiritualidade superior para que acontecesse a disseminação da Doutrina nestas terras.

Agora então vamos elencar algumas possíveis razões para esta realidade:
 

·   Talvez o reduzido e preocupante índice de espíritas seja resultado da forma como os dirigentes das casas conduzem suas instituições, como propriedades particulares, ou seja, à moda do presidente em exercício.

·   Quem sabe, este inquietante indicador, seja fruto das disputas políticas hoje, estabelecendo-se entre os vários trabalhadores seniores das organizações espíritas disputando, avidamente, posições de destaque na estrutura organizacional das instituições, para em futuro próximo, terem a sua foto estampada nos boletins internos, ou quem sabe na galeria de presidentes. O noviço, ao notar estas condutas afasta-se, pois não vê sinceridade e altruísmo entre os praticantes.

·   Seria este perturbante resultado efeito da pouca atenção que muitas casas envidam na estruturação de trabalhos visando à evangelização da infância e à formação cristã da juventude? E, mesmo naquelas mantendo nobremente atividades voltadas aos jovens, estariam acompanhando em seu esforço educacional espírita, os novos ares do processo educacional soprando há bom tempo neste novo milênio?

·   As coordenações doutrinárias, quando existem, estariam atentas na qualidade dos expositores e temas apresentados ao público, ou estão desatentas apenas ocupando posições de destaque humano, enquanto assistem às informações não doutrinárias sendo ventiladas e repetidas frequentemente aos novatos frequentadores em muitas preleções? Apenas para citar um exemplo, não é raro escutar que Espiritismo e Umbanda são a mesma coisa! Há espíritas que deixam uma casa ao perceberem a cultuada infidelidade a Kardec.

·   E a vaidade e o orgulho têm substituído as virtudes tão necessárias, tais como a simplicidade e humildade, no bom andamento das instituições? Práticas apométricas, cursos de magnetizadores “a la Mesmer”, vestimentas brancas nos trabalhadores, cerimônias de casamento “espírita” têm-se misturado às rotinas verdadeiramente espíritas? Que exemplos são oferecidos aos iniciantes em um quadro como este?

·   Os dirigentes estudam o Espiritismo, participam de grupos de estudos sobre os livros escritos por Allan Kardec, quando existem é claro, ou foram “formados” por meio de apostilas e preleções semanais? Sem preparo, não sabem como lidar, usando apenas conceitos espíritas, com as diversas necessidades batendo às portas das casas diariamente. Mal orientando, criam dúvidas e questões nas mentes dos possíveis seguidores, estes, em resposta, sem compreenderem perfeitamente a profundidade doutrinária, deixam as instituições procurando outros meios de assisti-los em suas indagações.

·   As casas têm-se transformado em consultórios médicos e psicológicos, incluindo inclusive terapias alternativas em suas práticas, incentivando os frequentadores a buscar apenas curas e quem sabe possíveis milagres, ou têm primado pela educação espírita de seus filiados, incutindo-lhes o correto ensinamento de que a saúde acontece quando o Espírito está equilibrado e educado moralmente? O Espírito doente que adentra uma instituição espírita com o firme propósito de apenas curar o corpo físico não cria vínculos, tampouco se interessa pelos estudos que poderiam ensinar-lhe que a cura vem de dentro para fora e não de fora para dentro.


Instituições que primam pela manutenção destas estranhas rotinas ao cotidiano espírita não criam uma defesa fluídica capaz de manter a ambiência saudável. Desta forma, o frequentador não encontra a paz buscada, pelo contrário, sente-se mal, pois tudo que afasta os bons Espíritos atrai aos perturbadores.

Embora saibamos, e, com pesar constatamos, a existência destas inconvenientes condutas citadas, há muitas instituições mantendo-se em destemida luta para elevar sempre ao mais alto patamar a bandeira espírita, tremulando somente com os postulados doutrinários. Estas casas, e, apenas estas, são verdadeiros focos de luz, disseminando a todos que as procuram legítimos princípios divinos, dão frutos a cem por um, fortalecendo a crença em Deus e iluminando realmente as consciências, função primordial da divulgação do Espiritismo.     

 

Referências:

1 Disponível em: link-1

2 Disponível em: link-2




 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita