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por Bruno Abreu

 

Dois tempos, duas velocidades


Quando somos crianças, vivemos a velocidade do tempo cronológico, beneficiando de uma inocência natural de quem não é influenciado pelo tempo do pensamento, tirando partido de cada oportunidade.

Ao crescermos, ainda na juventude, passamos a viver nas condições impostas pelo funcionamento mental.

Para que possamos perceber a ideia destes dois funcionamentos vamos dar um exemplo.

Imagine que faz uma viagem de carro, sai de sua casa em direção a uma outra terra que fica a 100 Km. Durante a viagem tem duas opções:

1 – Segue com atenção a paisagem, aproveitando a sua viagem e mantendo-se no tempo cronológico.

2 – Fica com o seu pensamento na sua terra ou na terra de destino, completamente absorvido por este movimento mental, como tal, perdendo a oportunidade de apreciar a viagem.

Podemos perceber que a segunda forma é um movimento mental, dentro de nós, onde gastamos um determinado tempo sem sair da “sala” do pensamento, criando a nossa realidade.

Esta forma de viver é a forma que a humanidade tem mantido, gerando toda confusão e sofrimento que tem suportado.

Vamos dar um exemplo para mostrar que esta forma de funcionamento se estende ao habitual em quase todas as situações que passamos.

Imagine que foi operado e está em recuperação. É normal que aconteçam dores pós-operatórias e durante as dores nós sofremos, mas, após tomar a medicamentação, não sentimos dores. Nós temos duas formas de lidar com esta situação:

1 – Sinto as dores e sofro de forma natural, mas quando tomo a medicamentação vivo o presente sem dores, aproveitando esses momentos.

2 – Permito que o sofrimento do que estou a passar se instale em mim e através do pensamento sofro. Quando tenho dores sofro por ter dores, quando não as tenho, sofro porque não queria passar por aquilo, como resultado, sofro toda a recuperação, vivendo em meu pensamento tal como no exemplo da viagem do carro.

Esta forma de funcionamento é muito mais enraizada do que os dois exemplos já colocados.

Vamos a um terceiro exemplo. Quando tenho uma discussão ou um problema que me aparece, tenho duas formas de agir:

1 – Passo pelo problema, se tiver hipótese de resolver resolvo logo, se não, espero que surja a hipótese sem o carregar dentro de minha cabeça. A minha vida é muito mais do que qualquer problema, aliás, só em problemas que vão aparecendo são inúmeros, carregar todos eles, seria um peso enorme e ensina-me o passado que eles são passageiros como o tempo.

2 – Levo o problema comigo e fico a pensar nele o tempo todo. Já sabem o resultado desta forma de viver. Quando ganhamos este hábito, caminhamos para um carácter obscuro que nos irá levar à angústia persistente, à amargura com as pessoas, à agressividade e à depressão.

Infelizmente, nós usamos a memória para carregar tudo o que é negativo. A culpa não é desta porque a memória é uma gravação contínua independente da nossa vontade, com uma capacidade impressionante. A culpa é da forma como nós permitimos o funcionamento de nossa mente, constantemente a remoer em nossa memória, naturalmente magnetizada pelas imagens negativas.

O hábito de funcionamento mental é o que chamamos de carácter, por isso as pessoas que permitem este tipo de funcionamento tornam-se amargas e negativas em sua forma de estar e com o passar do tempo apenas piorará.

O funcionamento do pensamento é automatizado, isto dito por Carl Gustav Jung, pai da Psicologia Analítica. Isso explica por que Jesus nos aconselha uma vigília constante e, quando percebermos que este está errado, então oramos para não agirmos incorretamente ou sob tentação, como preferirem. Reparem que temos que superar o pensamento através da vontade.

Maioria de nós acredita que todo o pensamento é um resultado lógico de si próprio, logo, agem em conformidade com este, sem questionar este movimento, anulando a preocupação da ação.  Para estes, só salta à vista o pequeno conjunto de pensamentos que têm enraizados em si como errados.

Esta forma de funcionamento, construtora de seu carácter, anula por completo o seu Livre-Arbítrio.

Nós temos ideia que o pensamento é nossa criação lógica, logo, é o nosso livre-arbítrio, mas, para além do conselho de Jesus para termos um cuidado especial com este, a psicologia já chegou à conclusão de que este é gerido por um automatismo aleatório à vontade, detentor de um magnetismo impressionante que nos cega e dirige, alertado por Paulo de Tarso na sua famosa frase que nos aconselha “desperta, ó tu que dormes de entre os mortos…”

Aquele que por hábito segue o seu pensamento sem o questionar, vive adormecido na cela de sua mente na ilusão de que é dono de si próprio e do seu caminho.


 
 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita