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por Ricardo Baesso de Oliveira

 

Ainda sobre o acaso


Trata-se de ponto pacífico em nossa Doutrina espírita que os fatos importantes na vida de todos nós, aqueles relacionados às experiências que precisamos viver, foram estabelecidos antes da presente encarnação.

Muitos outros que se verificam em nossa vida não foram previstos, mas ocorrem como consequência de nossas ações, opções etc. Sob esse aspecto, os autores espíritas costumam afirmar que o acaso não existe.

Kardec, ele próprio se valeu dessa expressão, na Revista espírita, junho de 1866, quando examinando a tentativa frustrada de morte do Imperador da Rússia, por um cidadão que desviou a arma do assassino, colocou que para nós, que não cremos no acaso, mas que tudo está submetido a uma direção inteligente, diremos que estava nas provas do czar correr aquele perigo, mas que sua hora não tendo ainda chegado, Kommissaroff havia sido escolhido para impedir a realização do crime, e que as coisas que parecem efeito do acaso estavam organizadas para levar ao resultado desejado.

O que nós devemos avaliar é se esta expressão - o acaso não existe - pode ser aplicada a todas as situações da vida, até mesmo aquelas que nada têm de importante.

A respeito de uma possível causalidade em eventos de pequena monta, a codificação apresenta conceitos bem definidos, citados abaixo:

O Livro dos Espíritos, Item 259.

[...] não escolhestes e previstes tudo o que vos sucede no mundo, até às mínimas coisas. Escolhestes apenas o gênero das provações. As particularidades correm por conta da posição em que vos achais; são, muitas vezes, consequências das vossas próprias ações. [...] Os acontecimentos secundários se originam das circunstâncias e da força mesma das coisas. Previstos só são os fatos principais, os que influem no destino. Se tomares uma estrada cheia de sulcos profundos, sabes que terás de andar cautelosamente, porque há muitas probabilidades de caíres; ignoras, contudo, em que ponto cairás e bem pode suceder que não caias, se fores bastante prudente. Se, ao percorreres uma rua, uma telha te cair na cabeça, não creias que estava escrito, segundo vulgarmente se diz.

O Livro dos Espíritos, Item 859-a

[...] Não creias, entretanto, que tudo o que sucede esteja escrito, como costumam dizer. Um acontecimento qualquer pode ser a consequência de um ato que praticaste por tua livre vontade, de tal sorte que, se não o houvesses praticado, o acontecimento não se teria dado. Imagina que queimas o dedo. Isso nada mais é senão resultado da tua imprudência e efeito da matéria. Só as grandes dores, os fatos importantes e capazes de influir no moral, Deus os prevê, porque são úteis à tua depuração e à tua instrução.

O Livro dos Espíritos Item 861

[...] Sempre confundis duas coisas muito distintas: os sucessos materiais da vida e os atos da vida moral. A fatalidade, que algumas vezes há, só existe com relação àqueles sucessos materiais, cuja causa reside fora de vós e que independem da vossa vontade. Quanto aos atos da vida moral, esses emanam sempre do próprio homem que, por conseguinte, tem sempre a liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca há fatalidade.

Mas vejamos a questão do acaso. Os dicionários definem acaso como evento imprevisível que não encontra justificativa lógica ou racional; acontecimento incerto, não programado.

Examino quatro situações:

Situação 1: Vou a conhecido restaurante e tomo várias taças de vinho. Embriagado, retorno para casa dirigindo meu automóvel. Em certo momento, cochilo e bato em um poste. Esse evento foi causal ou casual?  Causal! Sua causa: alterações cognitivas decorrentes da embriaguez. Kardec diria: causa atual da aflição (E.S.E. cap. V)

Situação 2: Em hipotética existência no final do sec. XIX, irritado com um escravo que considero preguiçoso, dou-lhe um chute nas costas. O trauma ocasiona uma fratura vertebral, e, em decorrência dela, passa a sentir fortes dores lombares, que o acompanham o resto da vida. Sec. XX: aos 25 anos tenho uma fortíssima crise de coluna que me deixa de cama por uma semana. A partir daí, passo a sentir dores lombares crônicas, com períodos frequentes de piora. Esse evento foi causal ou casual? Causal! Sua causa: lesão cármica; resultado de um ato criminoso no passado. Kardec diria: causa anterior da aflição (E.S.E. cap. V)

Situação 3: Combinamos um amigo e eu tomar um café na padaria do bairro. Encontramo-nos, como combinado, na terça-feira às 20h. Esse encontro foi causal ou casual? Causal! Sua causa: desejo de bater papo, motivando encontro programado.

Situação 4: Vou à padaria do bairro, como faço frequentemente. Encontro com um colega de trabalho; digo olá e retorno pra minha casa. O encontro com o colega foi causal ou casual? Casual, pois não foi motivado por nenhuma causa lógica ou racional, não programado, não previsto (vide definições do dicionário).

Entendo que nas situações 1,2 e 3 não houve acaso, pois encontramos para elas uma justificativa lógica e racional (embriaguez, ato criminoso, desejo de bater um papo), mas na situação 04, ouve acaso, pois se trata de algo inesperado, não provocado, sem justificativa lógica e reacional.

Concluindo: para certas coisas (sem importância na existência como um todo), o acaso pode existir!


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita