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por Eleni Frangatos

 

Um singelo conto simples

 
Há alguns anos, fui diagnosticada com câncer, operada, e submetida a forte quimioterapia. Hoje, estou curada. Fiquei um mês num Hospital em São Paulo e, minha casa em Vinhedo, onde moro sozinha, ficou fechada.

Eu sonhava voltar para minha casa, dormir na minha cama, meus livros, meu som, o computador, meu jardim de flores lindas e cair na piscina com a água morninha.

Porém, ao chegar em casa, vinda de São Paulo, abri a porta da frente e tive o maior choque: água escorreu para fora e das luminárias esguichava água abundante, copiosa como se um chuveiro aberto no máximo; armários, sofás, livros, computador, televisão, roupas, sapatos, colchões, o piso de madeira... tudo havia apodrecido com a água que vazava pelas luminárias da casa sem parar. O cheiro a mofo, meus livros, oh meus queridos livros encharcados, com as folhas onduladas e se desprendendo... havia em toda a casa uma altura de cerca de 20 cm de água. O cheiro era nauseabundo! A bomba da pressão da caixa de água estourara e a água da rua ficara correndo contínua e constante durante todo aquele tempo em que eu estivera no Hospital.

Ali estava eu, siderada, incapaz nem sequer de chorar. Fui para um hotel e ali fiquei por cerca de três meses e meio até praticamente reconstruir e reequipar a casa toda.

Entretanto, os operários trabalhavam, mas a meu ver eram lentos e poderiam agilizar o trabalho. Então, para os pressionar, marquei uma data e falei que, estivesse a casa pronta ou não, eu viria morar nela enquanto eles continuavam o trabalho. Chegando à data marcada, ainda faltavam janelas, portas e só meu quarto podia ser utilizado, já com portas e janelas.

Escureceu e, ali sozinha, sentindo uma tristeza enorme, uma fadiga grande porque a quimioterapia me enfraquecia bastante, sentei num sofá velho, numa sala escura, sem portas e sem janelas. Chorei, chorei muito e conversei com Deus e disse:

– Senhor, estou com medo, me ajuda, não aguento mais. Como vou dormir nesta casa toda devassada, sozinha? Imploro, Senhor, que me ajudes. Tu, meu Senhor, sempre me estendeste a tua mão. Não me abandones agora, por favor. Preciso de Ti, meu Pai.

Nisso, senti um pouco de paz e reclinei a cabeça para trás e fechei os olhos. Eu cedia ao cansaço, mas fazia um esforço para me manter alerta. O sono se aproximava a passos leves e lentos. Os sons ficavam longínquos, mais e mais...

De repente, senti que algo estava próximo de mim. Abri os olhos e deparei com um enorme pastor alemão sentado a poucos passos de mim e me olhando atento. Ainda hoje me arrepio ao rever aquela cena. Adoro animais e, em geral, existe entre mim e qualquer animal uma empatia mútua. Em voz suave e baixa falei:

– Você veio para me proteger?

E, num ato de submissão, ele deixou as patas da frente deslizarem e se deitou praticamente aos meus pés.

Levantei, fui à cozinha onde estava um lanche que havia trazido e dividi com ele. Coloquei água e ele bebeu sofregamente. Com a luz acesa vi que ele tinha um olho azul e um olho marrom. Com cuidado, aproximei a mão da cabeça dele e ele lambeu minha mão. Eu o afaguei, cocei as orelhas dele, e perguntei:

– Sem Nome, você veio para ficar comigo?

Fui para o meu quarto, único cômodo com janelas e porta e uma cama nova e ele me acompanhou. Ao fechar a porta, vi o Sem Nome deitar-se do lado de fora, no corredor, e ali velou e dormiu a noite toda. Eu dormi profundamente, porque Sem Nome estava vigiando.

Bem, Sem Nome era um cachorro de rua. Pulava a cerca alta como um cavalo numa competição hípica. Mas, tirou uns dias para ficar do meu lado. Se um operário chegasse perto de mim, ele rosnava e eles tinham medo dele. Sem Nome infundia respeito. E toda a noite dormia encostado na porta do meu quarto. Eu estava tranquila e feliz e já pensava ficar com ele, mas ele preso não ficava de forma alguma.

Passados uns dias, os operários finalmente colocaram as portas e janelas em toda a casa.

De repente, procuro o Sem Nome e cadê? Sem Nome sumira! Justamente no dia em que as portas e janelas foram colocadas! Como se eu já não precisasse mais dele. Ai, meu coração ficou apertado e triste, mas havia tanto para ser feito, que os dias foram passando e só, de quando em quando, eu pensava nele.

Uma madrugada, acordei com um barulho de algo arranhando o store metálico do meu quarto. Pensei receosa: – O que foi isso? E aí ouvi um latido e pulei da cama como uma criança na manhã de Natal para ver seus presentes. Corri para a cozinha e abri a porta e Sem Nome pulou com as patas nos meus ombros e lambeu meu rosto. E eu o abracei e falei com ele como se falasse com outro ser humano. Chorei abraçada a ele. Preparei uma comida, um pote com água e ele comeu e bebeu e veio dormir na porta do meu quarto de novo.

Mas, ele ia e vinha. Desaparecia durante dias e depois voltava. As janelas de minha casa são muito baixas e quando abria as vidraças, de repente, do nada, Sem Nome pulava para dentro da sala e eu ria feliz.

Um dia, sumiu para sempre. Procurei-o por Vinhedo inteiro e soube que ele havia sido atropelado e que uma senhora o pegou sangrando na calçada e cuidou dele. Falei com ela e ela me contou que Sem Nome estava bem, não ficara com nenhuma sequela e ela o havia levado para um sítio próximo, onde ele estava feliz, vivia solto, correndo com outros cachorros.

Não sei se ainda está vivo ou não, mas nunca vou esquecer o Sem Nome de um olho azul e outro marrom!

Alguns dirão:

– Foi só uma coincidência.

Outros, e me incluo nesse grupo, dirão:

– Não há coincidências, há deusdências!


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita